Com presença do ministro do STJ, moradores de rua são ouvidos em audiência na Aleac


Reynaldo Soares da Fonseca está cumprindo agenda no Acre. MP alerta para necessidade de um orçamento maior e discussão das políticas públicas já existentes para a população em situação de rua. Audiência pública debate ações para população em situação de rua
Eldérico Silva/Rede Amazônica Acre
Com a presença do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Reynaldo Soares da Fonseca, a Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) fez, nesta sexta-feira (26), uma audiência pública para debater ações e políticas públicas voltadas para pessoas em situação de rua.
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O pedido foi feito pela deputada estadual Michelle Melo. Também participaram do evento, representantes do Ministério Público Estadual (MP-AC), do executivo municipal e estadual e pessoas em situação de rua.
Segundo o Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua, também conhecido como Centro Pop, 420 pessoas estão sob estas condições em Rio Branco. Ou seja, 95 a mais que 2021, quando foram contabilizadas 325 pessoas em situação de rua. O reflexo disso pode ser visto nos números e também no aumento.
O ministro destacou que é importante esse tipo de debater para que, de fato, sejam detectadas as fragilidades desse atendimento.
“As pessoas que estão em situação de rua precisam ser ouvidas dentro do aparelho estatal para que digam claramente o que querem e o que precisam dentro do estado e a sociedade, como um todo, se responsabilize pela mudança desse estado de coisas, porque o acesso aos direitos fundamentais é acesso de todos, não é um acesso exclusivo de José, João e Maria, mas de toda a comunidade. Portanto, estamos aqui como representante do comitê nacional do Conselho Nacional de Justiça, que trata desse tema, para apoiar esse iniciativa do estado do Acre”, destacou.
Orçamento e políticas públicas
A procuradora do Ministério Público do Acre (MP-AC) Patrícia de Amorim Rêgo reforçou que as políticas públicas já existem e que é necessário um orçamento específico para essas demandas, que são complexas e que envolvem diversos setores da sociedade.
“O que precisamos é ajustar essa governança que já existe, que é um vácuo no sentido de que não existe orçamento suficiente, correspondente a esses planos e Assembleia Legislativa tem um papel fundamental nisso, porque é a Aleac que vota o orçamento, que vota o plano plurianual, e acho que ela está fazendo isso nesse momento, e sabemos que não tem política pública para a solução dessa questão das pessoas em situação de rua sem que haja orçamento para isso, sem que haja o dinheiro para a execução dessa política, então acho que esse momento é muito importante”, destacou.
Outra coisa destacada pela procuradora é que os serviços oferecidos pelo poder público não foram acompanhando o aumento da demanda. Segundo ela, a atuação de alguns projetos é a mesma de anos atrás, quando os números eram outros. Patrícia também esclarece que é necessário um levantamento que mostre o real cenário social atualmente, pois só assim é possível pensar em políticas públicas pontuais.
“Os serviços para a população de rua aqui no Acre foram montados em 2012 e, de lá pra cá, esses serviços não foram ampliados, não foram criados novos equipamentos e serviços. Naquela época, estimava-se que a população em situação de rua aqui em Rio Branco girava em torno de 280 pessoas e, decorridos 11 anos, a população em situação de rua aumentou consideravelmente e não temos sequer números, não há um censo para que a gente possa estimar. É preciso dizer que nos últimos anos o governo federal não investiu nessa temática e o município tem carregado isso sozinho nas costas sem que haja nenhum investimento na parte do estado, então é preciso mudar essa realidade para que haja investimento das três esferas do poder. Não existem soluções para problemas complexos sem orçamento e é isso que nós vamos discutir aqui.”
Levi se emociona ao falar que não tem forças para sair das ruas
Reprodução/Rede Amazônica Acre
‘Conheci a rua fugindo da violência em casa’
Um dos moradores de rua que participaram da audiência pública foi Levi de Lima, que mora na rua há 40 anos. Ele disse que passou a morar na rua devido à uma realidade de violência dentro de casa.
Um dos moradores de rua que participaram da audiência pública foi Levi de Lima, que mora na rua há 40 anos. Ele disse que passou a morar na rua devido à uma realidade de violência dentro de casa. Na vulnerabilidade das ruas, caiu nas drogas e ele diz que esse contato com entorpecentes e a violência lhe acarretaram diversas coisas, inclusive, a entrada para o crime.
“Meu passado é complicado. Para eu chegar até a rua eu tive uma criação meio turbulenta. Era muita violência dentro de casa e, querendo me afastar da violência, conheci a rua. Depois conheci as drogas e o crime, já puxei cadeia por coisas que poderia ter evitado. Hoje eu sofro, porque minha família sofre comigo”, conta emocionado.
Levi é viciado e diz que vive nas ruas porque tem consciência que é um risco para a própria família, uma vez que já se envolveu com a criminalidade. “Minha família me ajuda, faz de tudo para sair dessa vida, mas não tenho força e não quero levar perigo para dentro de casa. Porque eu sou um perigo, eu preciso me proteger e tenho inimigos. Não posso ir para casa da minha família e não tenho casa.”
Ele conta que a realidade das ruas é assustadora e que ele presencia a violência dia e noite, tentando seguir a lei da sobrevivência. Com seis profissões, como já tem passagem pela polícia, ele diz que vive fazendo alguns bicos.
Sobre a audiência pública na Aleac, ele disse que é importante ouvir a população de rua e é importante que o governo apoie e reforce investimentos em projetos sociais que ajudam essas pessoas.
“Depois que teve essa alegação, aumentou muito moradores de rua, não temos apoio, só precisa ouvir a gente. Espero que melhore a parte de serviço, de trabalho, porque a maior barreira é o preconceito”, destaca.
Levi disse ainda que não há como a violência diminuir enquanto um olho mais cuidadoso seja dado para as pessoas em vulnerabilidade. “Como querem que o crime diminua se não dão nada pra nós. Graças a Deus eu tenho família ainda, mas quem não tem? Quem não tem o que fazer? A pessoa diz que não tem mais nada a perder, é só fazer coisa errada”, destacou.
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‘Merecem ser ouvidos’
Ao propor a discussão na Casa legislativa, a deputada Michelle Melo disse que a intenção é ouvir quem vive o problema. Assim como a procuradora do MP, ela enfatizou que é necessário ter um levantamento da atual situação.
“Há quatro meses, estamos nos reunindo com eles, com a associação da população de rua e eles têm um lema que é: “nada é pra nós sem nós”, então, de fato não tem como a gente discutir um tema tão sensível sem a gente ouvi-los, sem trazê-los para a casa do povo, porque são cidadãos, são o povo, e merecem estar aqui sendo ouvidos para que a gente tenha esse chão, essa realidade e a gente possa realmente trabalhar em cima do problema”, destacou.
VÍDEOS: g1

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