Acordo fechado, ruim e repleto de incertezas

Pessoas saem nas ruas de Israel pedindo liberação dos refénsAFP

Cerca de 70% dos israelenses estão neste momento aliviados com a confirmação do acordo entre Israel e o Hamas. No entanto, não há uma comemoração, como o mundo poderia imaginar, mas, sim, um clima de profunda preocupação e insegurança. Primeiro, porque ainda não se sabe quem são os 33 reféns que serão libertados nessa primeira fase, nem quantos, entre eles, estão vivos ou mortos. Segundo, porque sabe-se que, entre os vivos, sua condição física e mental é certamente deplorável, após mais de 450 dias vivendo sem luz do sol, parcialmente sem alimentação, sem cuidados médicos e sob abuso moral e físico.

Os outros 30% dos israelenses, parte dos quais participaram de recentes manifestações públicas de repúdio ao acordo, questionam do que terão valido todas as perdas e sacrifícios vividos nestes últimos 15 meses para, por fim, permitir que o Hamas se mantenha no poder e possa, em breve, se reorganizar para promover um novo ataque contra Israel. Afinal, o grupo nunca deixou de repetir que repetirá o 7.10 (data da invasão do Hamas ao sul de Israel) de novo, e de novo, e de novo.

Já o que se espera ver do lado de lá da fronteira, na Faixa de Gaza, é uma explosão de alegria típica de nações vitoriosas. Pouco importa para o Hamas e seus apoiadores – inclusive aqueles espalhados pelo mundo – o fato de o território estar completamente destruído e tantas vidas terem sido perdidas. Afinal, o Hamas conseguiu sobreviver a quase 500 dias de guerra contra um inimigo com poder bélico muito superior ao seu, contando com aquilo que sabia que poderia contar: o apoio internacional que lhe deu legitimidade em sua pretensa “luta pela liberdade” e lhe garantiu permanente suprimento de eletricidade, combustível e alimentos – os quais são usados justamente para gerar recursos financeiros para a manutenção da guerra e o recrutamento de novos combatentes.

O anúncio do acordo foi feito em Doha, capital do Catar, um dos países que participou mais ativamente das negociações durante praticamente toda a guerra. Isso apesar de ser justamente o Catar o maior financiador das atividades terroristas do Hamas através do fornecimento de treinamento e armamento – os quais são contrabandeados através do Egito, outro país que liderou as negociações.

Matemática sombria 

Para cada refém civil libertado, Israel soltará de suas prisões 30 prisioneiros palestinos. Para cada soldado refém, serão 50. Afinal, soldados valem mais na perversa matemática do universo do terror. Entre os prisioneiros palestinos libertados, mais de 200 cumprem penas de prisão perpétua. Centenas são terroristas condenados pelo planejamento e execução de ataques terroristas.

Apenas a primeira fase do acordo está consolidada. As duas seguintes serão negociadas a partir das próximas semanas – ou seja, ainda é uma incógnita qual será o destino dos demais 65 reféns que permanecerão em Gaza. Para seus familiares, o inferno torna-se ainda mais profundo e sem perspectiva de redenção, uma vez que o Hamas é pródigo em romper acordos, como fez na primeira negociação de cessar-fogo deste conflito, em novembro de 2023.

Qual o sentido do acordo?

Nos últimos dias, um grupo de militares reservistas lançou um manifesto pedindo que o governo não siga em frente com o acordo. Sua posição é compreensível: depois de quase 500 dias de combate, 840 soldados mortos e 5 mil feridos, o norte e o sul de Israel devastados, qual o sentido de interromper a guerra sem que os dois principais objetivos de Israel – a libertação de todos os reféns e o fim do controle do Hamas sobre Gaza – tenham sido alcançados?

E é essa a pergunta que 100% da população faz a si mesma. Mesmo hoje, acordo assinado, existe a dúvida em relação à sombria equação que essa guerra impõe à sociedade israelense sobre o que deve ser priorizado: a segurança nacional no longo prazo ou a responsabilidade mútua imediata, um valor intrínseco do povo judeu e, portanto, da nação judaica. Nenhum israelense fica para trás das linhas inimigas, este é o mote do país.

Israel tem um longo e duro caminho pela frente e as próximas semanas serão certamente bastante dolorosas, mas pelo menos pontuadas pela alegria de ver parte dos nossos retornando às suas casas, talvez com suas próprias forças. De resto, os otimistas que me perdoem – essa guerra ainda não acabou.

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