Mulher alega que avô foi enganado para assinar testamento e briga por herança de mais de 50 imóveis


Comerciante Gabriella Chaves Martins acredita que o avô foi induzido a assinar o testamento acreditando ser uma “procuração”. Acusados negam a denúncia e garantem validade do documento lavrado no 8º Cartório de Notas de Santos (SP). Testamento é alvo de ação na justiça
Reprodução/Freepik
Uma comerciante entrou na Justiça pela anulação do testamento do avô, que morreu há oito anos em Santos, no litoral de São Paulo. Gabriella Chaves Martins alega que o documento é fruto de uma fraude organizada pelo tio para ficar com a herança. Segundo o advogado dela, o empresário Oswaldo dos Santos Martins deixou mais de 50 imóveis.
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Conforme apurado pelo g1 neste sábado (18), o empresário morreu em fevereiro de 2017, aos 82 anos. A herança dele ficou exclusivamente para o filho Lincoln da Silva Martins, tio de Gabriella, devido a um testamento registrado no 8º Cartório de Notas de Santos em 2015.
Gabriella e o irmão, que não terá a identidade divulgada, teriam direito a metade da herança caso não existisse o testamento. Ambos são netos de Oswaldo por parte de pai, que morreu em 1996.
De acordo com o advogado Marcus Vinicius Rosa, partiu da cliente a desconfiança de que o avô tenha sido ‘induzido’ a assinar o testamento pensando que era apenas uma procuração. A hipótese foi levantada seis anos depois da morte de Oswaldo.
Desta forma, a comerciante passou um ano reunindo provas para entrar na justiça e, em outubro do ano passado, ingressou com a ação solicitando nulidade do testamento, que foi recebida pela juíza da 2ª Vara de Família e Sucessões de Santos, Suzana Pereira da Silva.
A juíza expediu mandados de citação para Lincoln, tio da comerciante, e os demais envolvidos no caso (veja abaixo), mas eles ainda não se manifestaram à Justiça. Procurados pelo g1, todos negaram a suposta fraude.
Investigação
Segundo Gabriella, a hipótese de ‘indução’ na hora do avô assinar o testamento foi levantada após um familiar dela, que constava como testemunha, dizer que não assinou nenhum documento do tipo. Desta forma, a comerciante contratou os advogados Marcus Vinicius Rosa e Lauro Antonio Candeira.
Advogados Marcus Vinicius Rosa (à esq.) e Lauro Antonio Candeira (à dir.) foram contratados para ação na Justiça
Divulgação
Segundo Marcus, Gabriella morava fora do país e reencontrou o parente (testemunha) em fevereiro de 2023. Na ocasião, ela teria lamentado a postura do avô em relação à herança. No entanto, ainda de acordo com o advogado, ela foi surpreendida com a reação do familiar, que garantiu não ter conhecimento do documento.
De acordo com o advogado, a informação levantou dúvidas em Gabriella, uma vez que o parente disse ter assinado um documento em 2015. O homem alegou ter sido informado por Lincoln que o papel era uma procuração para que cuidasse da empresa de Oswaldo, que, por sua vez, passava por problemas de saúde.
Gabriella passou a ‘investigar’ o testamento e chegou à conclusão de que o avô não tinha discernimento para tomar a decisão à época, já que estava com a saúde prejudicada, acamado e em tratamento ‘home care’ devido a um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Com os prontuários e parecer médico forense sobre o estado do idoso, a defesa de Gabriella entrou na Justiça argumentando que Lincoln se aproveitou da saúde frágil do pai para induzi-lo a assinar o testamento como se fosse uma procuração.
Os advogados apontaram também que houve fraude no local onde o testamento foi feito. Segundo a defesa de Gabriella, o documento foi assinado no leito de Oswaldo, enquanto o testamento foi firmado no 8º Cartório de Notas de Santos.
Ao g1, Marcus explicou que a testemunha no documento e outras duas mulheres, sendo uma delas cuidadora de Oswaldo à época, afirmam que o testamento foi feito no quarto do empresário.
No entanto, ainda segundo o advogado, o trio teve dificuldade para registrar os depoimentos em escrituras declaratórias em cartórios do Estado de São Paulo, precisando ir para o Rio de Janeiro formalizar os documentos, que constam no processo movido por Gabriella.
“É inegável a dor e o sofrimento da Gabriella, pois, além das mortes de seu avô Oswaldo, sua avó Celma e de seu pai Jefferson, ainda se sentiu traída pelo seu tio Lincoln num momento tão delicado, fazendo-a voltar àquele sentimento de tristeza, agora somado à traição, mentiras, falta de empatia e ganância”, diz parte da petição motiva pelos advogados.
Acusados
Conforme registrado no processo, obtido pelo g1, além de Lincoln, outras pessoas são citadas por envolvimento na fraude apontada por Gabriella, como o advogado Jose Antonio Quintela Couto, a tabeliã titular Fernanda Mimura de Camargo Penteado e o tabelião substituto Antonio Rufato Junior.
Jose Antonio Quintela Couto emitiu uma nota em própria defesa e também na de Lincoln, garantindo que o testamento foi lavrado integralmente livre de qualquer vício de consentimento e seguindo todos os preceitos legais.
“Contrariamente ao que informa a neta do Sr. Oswaldo, o testador por ocasião da realização do testamento se encontrava em plena capacidade de expressar a sua vontade”, afirmou.
Ainda segundo o advogado, o documento foi lavrado pela tabeliã titular nas dependências do 8º Cartório de Notas de Santos, “com observância de todos os procedimentos legais, tendo sido lido pela tabeliã, em voz alta na presença do testador e de duas testemunhas, uma das quais eu me incluo”.
“As inverdades que vierem a ser constatadas no processo, serão objeto de impugnação e repúdio nos autos, no momento próprio, tão logo sejamos citados para vir a fazê-lo”, finalizou ele.
Em nota, a tabeliã Fernanda Mimura afirmou que as informações de que o testamento foi assinado como se fosse uma procuração são “totalmente falsas e inverídicas”.
De acordo com ela, o documento foi elaborado em conformidade com a legislação vigente, seguindo os procedimentos legais e éticos.
“O ato foi realizado por mim, Tabeliã Titular, com a presença do testador no Cartório, sendo este devidamente identificado e demonstrando plena capacidade, discernimento e lucidez no momento da manifestação de sua vontade. Ratifico que todos os testamentos lavrados por mim ou por meu substituto são feitos com toda a lisura, cautela e formalidades necessárias para o ato”, declarou ela.
A tabeliã ainda esclareceu que tem fé pública e o teor do testamento refletiu a vontade do testador. “Fez a declaração na presença das testemunhas, tudo de conformidade com as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Aliás, este testamento já teve apreciação do Poder Judiciário, uma vez que já foi aberto, registrado e cumprido pelo juiz de direito”, pontuou.
Ela também alegou ter estranhado as declarações públicas feitas pelas testemunhas de Gabriella em um cartório no Rio de Janeiro, uma vez que moram na Baixada Santista. “As declarações não condizem com a realidade. Reiteramos nosso compromisso com a transparência e a integridade nos serviços prestados e estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais”.
Já o tabelião substituto Antonio Rufato Junior afirmou que não participou da lavratura do testamento. Apesar disso, ele relatou ter verificado o caso no sistema do 8º Cartório de Notas de Santos e constatado que foi realizado nos parâmetros exigidos pela Corregedoria do Estado de São Paulo.
“Não há de forma alguma, qualquer irregularidade, haja vista que utilizamos para todos os testamentos lavrados nessa serventia, sem exceção, toda cautela e segurança jurídica exigida nos termos lei, e que o testador estava capaz, ademais, a notícia de que o testamento fora realizado fora do cartório é totalmente inverídica”, disse.
Antonio Rufato afirmou também ter estranhado as declarações feitas em um cartório do Rio de Janeiro.
Uma auxiliar também é acusada por ser uma das testemunhas do testamento, mas a mulher terá a identidade preservada porque o g1 não conseguiu contato. Segundo Marcus, a defesa de Gabriella desconfia, inclusive, que ela tenha sido a “laranja” (pessoa que empresta o seu nome ou dados pessoais).
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