Jararaca se adapta à ilha, ganha cor amarela, tem cabeça maior e coração deslocado; conheça espécie venenosa


Ilha da Queimada Grande, localizada entre Itanhaém e Peruíbe, é o único habitat da jararaca-ilhoa. Jararaca-ilhoa
Renato Rodrigues/Comunicação Butantan
Cor amarela, cabeça maior e coração deslocado: a jararaca-ilhoa, espécie endêmica (exclusiva) da Ilha da Queimada Grande, conhecida como ‘Ilha das Cobras’ e localizada perto da costa entre Itanhaém e Peruíbe, no litoral de São Paulo, tem uma ‘série de particularidades’.
Segundo o pesquisador do Instituto Butantan, Otavio Marques, as mudanças no animal ocorreram por causa da adaptação à ilha, que é a 2ª com maior densidade populacional de cobras no planeta.
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Otavio explicou que a jararaca-ilhoa é como uma ‘irmã’ da jararaca (Bothrops jararaca) fora da ilha. Neste sentido, o pesquisador comparou a irmandade entre humanos e chimpanzés. Segundo ele, as serpentes se separaram há aproximadamente 11 mil anos em função da elevação do nível do mar.
“A ilha é uma montanha que está lá no meio do oceano e [a jararaca-ilhoa] ficou isolada. Esse isolamento em função das características da ilha, de não ter mais rato, de ter outros tipos de predadores, ela se modificou”, disse Otavio.
O pesquisador afirmou que a comparação entre as serpentes evidencia que a jararaca do continente – ou seja, fora da ilha – é mais amarronzada. “Você bate o olho e vê que é diferente só pela coloração. Mas aí tem uma diferença, como não tem rato lá na ilha, ela [jararaca-ilhoa] passou a comer aves”, disse.
Otavio também mencionou a superabundância da jararaca-ilhoa em comparação com a do continente. “É uma coisa que chama atenção porque se você andar aqui na Mata Atlântica do continente você vai andar dias e dias para encontrar uma única jararaca. Lá na ilha em um dia a gente pode ver várias”.
O pesquisador citou um cálculo feito pelo Instituto Butantan em 2008 e repetido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). De acordo com ele, aproximadamente três mil cobras devem estar distribuídas pela Ilha da Queimada Grande.
“Em uma área ali de 0,43 quilômetros quadrados dá 43 hectares. […] É mais ou menos 50 cobras num hectare. Imagina um campo de futebol com 50 cobras mais ou menos, então é essa a densidade populacional, mas que é bem grande, né?”, complementou.
Adaptação para sobrevivência 🌳
Jararaca-ilhoa (à esq.) e jararaca (à dir.)
Rafael Benetti e Instituto Butantan
Além do isolamento, outro fator que causou a modificação entre as espécies é a ausência de roedores. “Você realmente tem uma população muito grande [na ilha]. Essa população, provavelmente, cresceu em função de não ter competidor e de não ter tanto predador”, explicou Otavio.
Por não ter ratos na Ilha das Cobras, a jararaca-ilhoa teve que se adaptar e comer outro tipo de alimento. “80% da dieta dela é baseada em aves, então para isso ela precisou usar mais a vegetação”, ressaltou ele.
Ambas são capazes de ‘escalar’ a vegetação, porém, a jararaca-ilhoa sobe ainda mais, o que demonstra aos pesquisadores que ela tem uma pele mais elástica. “A gente vê que a pele dela é mais fininha, ela é mais leve, ela é mais delgada, ela tem a cauda maior”, disse Otavio.
“Então ela tem algumas adaptações morfológicas para ter um desempenho sobre a vegetação melhor do que a jararaca do continente, porque ela vai pegar mais passarinho do que a jararaca do continente. Passarinho na dieta da jararaca do continente é algo eventual, e lá não, é algo frequente”, acrescentou.
O coração da jararaca-ilhoa é ‘mais anterior’, ou seja, mais próximo da cabeça se comparado com o da outra serpente. “Como ela é mais arborícola e se desloca mais verticalmente sobre a vegetação, com o coração anterior o sangue chega mais fácil à cabeça”, disse.
“A gente sabe que a cabeça dela é maior, ela tem o dente menor para segurar as aves, então ela tem algumas modificações decorrentes dessa necessidade dela usar mais árvores”, finalizou.
Cobras encaram visitantes 👀
Recentemente, o biólogo Eric Comin, que já visitou a unidade de conservação algumas vezes, compartilhou a experiência dele com o g1, e disse que não desembarcaria mais no local.
“São muitas serpentes. A partir do momento que você começa a subir a mata, que é fechada, para onde você olha, vê algumas serpentes. Em cima, no tronco [sobre] sua cabeça, ao lado, só que elas são extremamente tranquilas”, disse.
O biólogo contou que um especialista, que acompanha a expedição, abre o caminho tirando as cobras do chão para que os pesquisadores consigam caminhar. “Ele espanta do chão, vai tirando elas para a galera passar”.
“Geralmente nessas expedições você fica alguns dias na ilha, então sobe com equipamentos, com água e com tudo mais. Essas [cobras] não são agressivas, são bem tranquilas, elas não vêm para cima [da gente], elas só te olham, aquela coisa de te olhar nos olhos, é bem interessante”.
O biólogo contou que chegou a ficar bem perto delas, inclusive da jararaca-ilhoa, que é venenosa e só tem na ilha: “Superlegal, uma coisa bem bacana, só que é sinistro. É um animal lindo de se ver, é bem legal mesmo” (leia mais sobre a espécie abaixo).
Ele explicou que demorou um tempo para desembarcar na ilha e participar de uma expedição. “Criei coragem, desembarquei. Hoje desembarcaria? Não sei, eu já desembarquei, acho que hoje eu não tenho mais a necessidade […], mas ir para lá para mergulhar, é só me convidar que eu vou”.
Eric reforçou que o acesso à ilha não é permitido, mas que o mergulho no entorno é liberado. “Essa serpente não vai para a água e, mesmo você estando próximo ao costão rochoso da ilha, você não consegue ver as cobras, então para você ver as serpentes tem que ser com o desembarque”.
“Elas são extremamente terrestres, a adaptação delas é terrestre, elas não são animais aquáticos, então assim, não tem nenhum tipo de risco em relação ao mergulho e serpentes”, complementou.
Mergulho 🤿
Ilha da Queimada Grande, entre Itanhaém e Peruíbe (SP)
Eric Comin
Para o biólogo, a Ilha da Queimada Grande é “um verdadeiro hotspot [uma região natural com uma grande biodiversidade e em risco de extinção] de conservação”. “É um dos melhores pontos de mergulho do estado de São Paulo […]. Ali é rota de espécies migratórias”.
Eric afirmou que no entorno da ilha são encontradas raia-manta, raia-chita, raia-prego, raia-borboleta, além de uma diversidade de peixes e de corais. “A gente tem uma diversidade de peixes totalmente incrível, tem tartarugas, é rota de baleias”.
Para ele, o mar da ilha tem condição de água limpa durante quase o ano todo. “Ali a gente consegue mergulhar dentro de áreas abrigadas do vento […]. Temos mergulhos para todos os níveis, temos naufrágios, que acho que é um grande atrativo para o turismo de mergulho”.
Jararaca-ilhoa 🐍
Jararaca-ilhoa na Ilha da Queimada Grande, conhecida como 2ª com maior densidade de cobras do mundo
João Rosa
A jararaca-ilhoa (Bothrops insularis), de acordo com o biólogo, é considerada uma das cobras mais peçonhentas e perigosas do mundo. “Ela é uma jararaca de coloração meio esverdeada com tom voltado ao amarela. Com isso, ela tem uma camuflagem muito boa”.
Ela se adaptou na ilha devido a um isolamento geográfico da glaciação. “Acredita-se que foi isso e, nesse isolamento, ela teve que caçar aves do continente que vão até a ilha. Para ela caçar essas aves, se ela pica a ave e a peçonha não é forte, a ave voa, vai embora e cai em outro lugar”.
Por isso, a espécie se adaptou para picar e, consequentemente, provocar a morte imediata do animal. O biólogo afirmou que a serpente não cresce muito, mas mede aproximadamente um metro de comprimento. No entanto, a picada é equivalente a de quatro jararacas. “É muito forte”.
“Dentro desse isolamento geográfico […] a peçonha dela se potencializou de uma tal forma que a partir do momento que ela dava o bote, a ave já morria e ficava no galho”, complementou.
Ele afirmou que essa espécie de jararaca é extremamente endêmica, ou seja, só existe na Ilha da Queimada Grande. O biólogo relembrou alguns experimentos que teve em conjunto com pesquisadores do Instituto Butantan durante as visitas na ilha.
“A gente tinha que encontrar os animais [cobras] no chão, enrolado em ponto de ataque. Era assim, você soltava o camundongo, ele passava perto dela, ela dava o bote e ele já estava morto. Eu nunca [tinha visto] coisa dessa”, contou.
Ilha da Queimada Grande
Eric Comin
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