Algemas no avião: entenda o que diz a lei

Brasileiros sendo deportados pelos EUACasa Branca/Divulgação

A retirada das algemas de deportados dos EUA para o Brasi, neste sábado (25),envolve diplomacia, soberania nacional e leis locais e internacionais.

O IG ouviu especialistas sobre o assunto, que levantaram diferentes situações sobre o tema.

O que aconteceu

Na manhã deste sábado (25),o Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgou uma nota oficial relatando uma tentativa de autoridades americanasde manter brasileiros deportados algemados e com os pés acorrentados durante um voo com destino ao Aeroporto Internacional de Confins, em Belo Horizonte.

O governo brasileiro determinou a retirada imediata das algemas, invocando sua soberania nacional.

O episódio gerou reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, ao ser informado, ordenou que uma aeronave da FAB (Força Aérea Brasileira) fosse mobilizada para transportar os brasileiros até o destino final.

O que diz a lei?

Brasileiros deportados chegaram a Minas GeraisFAB

José Luiz Souza de Moraes, professor de Direito Internacional e presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo, explica que a jurisdição é definida pela soberania do país onde a aeronave pousa.

“Em território nacional, a partir do momento que a aeronave ingressa no território nacional, principalmente ao pousar no território nacional, a jurisdição é sem dúvida alguma do Brasil. Daí eles não são mais deportados, são brasileiros que estão aí em processo de reentrada no seu país. Então por esse motivo está corretíssimo o ministro da Justiça ordenar que fossem retiradas as algemas dos deportados, sem dúvida nenhuma. A soberania do Brasil, sem dúvida nenhuma”, explica ao Portal iG – Último Segundo.

Ele acrescenta que, independentemente do vínculo de nacionalidade, os direitos humanos devem ser respeitados.

“E mesmo sem o vínculo de nacionalidade, qualquer ser humano, e é para isso mesmo que existem os sistemas de proteção dos direitos humanos. As pessoas têm que ser tratadas de acordo com os tratados internacionais de direitos humanos. Óbvio que esses tratados não chegam às minúcias da regulamentação de uso de algemas, mas as pessoas têm que ser tratadas com dignidade”.

Welington Arruda, advogado criminalista, também reforça a questão da soberania nacional. “A decisão sobre o uso de algemas em caso de deportação, ele envolve principalmente a soberania de cada país. O país que deporta, no caso os Estados Unidos, tem suas próprias regras de segurança e protocolo durante o transporte do deportado até o destino. No entanto, assim que o cidadão pisa em solo brasileiro, passam a valer as normas e princípios do Brasil, que é soberano para determinar como conduzir esse processo no seu território”.

Segundo Arruda, o governo brasileiro pode estabelecer diretrizes baseadas nos princípios constitucionais.

“O governo brasileiro, baseado em princípios constitucionais, como a autoridade da pessoa humana, tem a autoridade para estabelecer que não sejam usadas algemas ou correntes, desde que não haja uma justificativa concreta e plausível disponível para a necessidade de tal medida”.

Ele conclui que “o país receptor, que é o Brasil, tem a palavra final sobre os procedimentos adotados em seu território, respeitando as leis nacionais e os tratados internacionais dos quais é signatário”.

Avião da FAB que buscou brasileiros deportadosFAB

Normas nacionais e o direito internacional são as bases para a decisão sobre o uso de algemas em deportados brasileiros. É o que diz Felipe Macedo, advogado especialista em direito público e constitucional.

Ele relata que o limite é imposto pela legislação brasileira, com base na Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal.

“A norma define o emprego de algemas quando a pessoa oferece resistência, em caso de risco concreto e fundado de fuga, e de perigo real à integridade física da própria pessoa, de terceiros ou agentes da escolta. A aplicação de algemas fora dessas condições configura uma prática ilegal, sendo enquadrada como abuso de autoridade”, explica.

Macedo ressalta que a soberania brasileira permite o controle sobre procedimentos adotados em seu território.

“O Brasil, como Estado soberano, possui pleno controle sobre o desembarque de aeronaves estrangeiras em seu território, incluindo aquelas transportando cidadãos deportados. Essa soberania permite ao Brasil estabelecer normas para garantir que os procedimentos respeitem a legislação interna e os tratados internacionais”.

Ele conclui que “o uso de algemas sem justificativa plausível no território brasileiro não apenas viola normas legais, mas também afronta a soberania nacional, uma vez que impõe práticas incompatíveis com os padrões legais exigidos pelo Estado brasileiro”.

Brasileiros deportados dos EUAAntônio Lima/Secom

Wilson Bicalho, advogado e professor de pós graduação de direito migratório, também explica como funcionam as leis sobre a deportação. “Quem define é o país que está deportando, então a forma de deportação é definida pelo país que está deportando os brasileiros. É muito triste, é muito fora do que nós estamos acostumados, mas é a regra americana nesse caso”, relata.

“Então, o presidente Donald Trump está definindo as regras de deportação, e ele está trabalhando muito mais isso por uma questão midiática, e midiaticamente falando a imagem de deportados chegando algemada aos seus países passa muito mais a imagem do que ele quer passar. A partir de que essas pessoas estão em solo nacional, aí não, aí quem define é o país que está recebendo essas pessoas. No nosso caso, o território brasileiro”, pontua.

“Resumidamente, é uma coisa muito mais midiática que o governo Trump, me parece que vai usar daqui um tempo, vai continuar usando por um tempo mais, para mandar essa mensagem para o mundo, assim como o Brasil vai continuar fazendo o que fez, que é mandar que soltem as correntes, essas pessoas infringiram a lei, mas nem por isso são criminosos, perigosos que merecem esse tipo de tratamento, que nem mesmo esses perigosos criminosos costumam ter esse tipo de tratamento no solo brasileiro” acrescenta.

Erro do governo brasileiro?

Por outro lado, Sergio Alberto Barreto Filho, especialista em Direito Público e em Direito do Estado, avalia que houve falha na condução do episódio pelo governo federal.

“Na minha opinião, houve falha do governo federal, que deveria ter entrado em contato com as autoridades americanas e enviado um avião da FAB para buscar os deportados. Se assim fosse, todos teriam dignidade em todo o trajeto”, opinou.

O caso Charles Burke Elbrick

Ibrahim relembrou história no período da ditadura militarReprodução/Youtube

Um exemplo histórico que ajuda a compreender a dinâmica entre os países ocorreu em 1969, durante o regime militar brasileiro.

Naquele ano, 15 presos políticos brasileiros foram enviados ao México como parte de uma negociação pela libertação do embaixador americano Charles Burke Elbrick, sequestrado por grupos de esquerda. Os presos deixaram o Brasil em um avião da FAB e desembarcaram no México em 7 de setembro de 1969.

Ao chegarem ao solo mexicano, houve uma mudança imediata no tratamento dispensado aos exilados. Conforme relatado por José Ibrahim, sindicalista e um dos presos políticos envolvidos na troca, o governo do México ordenou a retirada das algemas e correntes.

“A Polícia Federal mexicana teve que invadir o avião. E o Luis Echeverría, que era na época o ministro do Interior, depois virou o presidente do México, quando ele entrou no avião, ele falou, ‘quítate las esposas’ (tirem as algemas)”, declarou Ibrahim no documentário “O Sequestro do Embaixador Norte-Americano Charles Burke Elbrick”.

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