Ave nasce de cruzamento de duas espécies diferentes em Poços de Caldas, MG


“Rei-dos-tangarás” impressiona por “misturar” características do tangará e do soldadinho. Mistério é difícil de ser desvendado. Hibridismo entre soldadinho (Chiroxiphia galeata) e tangará (Chiroxiphia caudata) já foi registrado também em Caldas (MG)
Ederson Godoy
Em meio às exuberantes matas de Poços de Caldas (MG), um encontro raro entre espécies resultou em um fenômeno fascinante: o hibridismo entre o soldadinho (Chiroxiphia galeata) e tangará (Chiroxiphia caudata), que resultou no chamado “rei-dos-tangarás”.
Essas aves, conhecidas por suas elaboradas danças de cortejo e cores vibrantes, recentemente passaram a pertencer ao mesmo gênero, o Chiroxiphia. Apesar de habitarem regiões ligeiramente distintas – o tangará na Mata Atlântica e o soldadinho em matas ciliares do Cerrado – há áreas onde suas distribuições se sobrepõem, como é o caso de Poços de Caldas, possibilitando eventos como esse.
A hibridação dentro da família Pipridae tem sido amplamente estudada nos últimos anos. Diversos registros desses híbridos foram feitos em zonas de contato das duas espécies, especialmente no interior dos estados de São Paulo e Minas Gerais.
Fenômeno é intrigante, pois o tangará e o soldadinho possuem cantos distintos, colorações diferentes e, no caso do tangará, um elaborado ritual de dança para atrair as fêmeas
Aldo J. Nunes
Em território mineiro, os híbridos têm sido encontrados principalmente no sul do estado, na bacia do Rio Grande, e também na região central da Cadeia do Espinhaço, onde a Mata Atlântica e o Cerrado se encontram.
O híbrido observado em Poços de Caldas, identificado por pesquisadores e observadores de aves, apresenta características intermediárias das duas espécies, um verdadeiro mosaico da evolução em ação.
Registro em Poços de Caldas
Durante uma trilha, o biólogo e fotógrafo de natureza Ederson Godoy escutou um canto que chamou sua atenção.
“Era um canto diferente da vocalização que as duas espécies fazem. Então na hora eu já imaginei que pudesse ser o híbrido de tangará que eu já conhecia da região de Caldas”.
O registro foi feito em uma área a 1.500 metros de altitude, em um ambiente que favorece o encontro entre as duas espécies, pois reúne fragmentos de Mata Atlântica e Cerrado.
Híbridos têm sido encontrados em áreas onde a Mata Atlântica e o Cerrado se encontram
Ederson Godoy
Além disso, Ederson destaca um detalhe curioso sobre o comportamento dos tangarás durante a dança de acasalamento, que pode ajudar a explicar a ocorrência desse híbrido.
“Uma hipótese é que quando os machos fazem a dança de acasalamento, há um macho alfa que efetivamente se reproduz, mas os outros machos podem ficar excitados e procurar outras fêmeas. Nesse processo, eles podem acabar cruzando com fêmeas de soldadinho, que anatomicamente são muito semelhantes às fêmeas de tangará. É algo que já foi observado antes e que pode ter acontecido aqui em Poços também”.
Registros do “rei dos tangarás” podem ajudar a compreender melhor os limites da reprodução entre as espécies
Ederson Godoy
O registro feito em Poços de Caldas pode ajudar a compreender melhor os limites da reprodução entre espécies próximas e os impactos das mudanças ambientais na interação entre aves de diferentes nichos.
Além da importância científica, a descoberta também desperta a curiosidade dos apaixonados por aves e reforça o valor da conservação desses fragmentos florestais onde a natureza segue surpreendendo.
Mudança de gênero
De acordo com o biólogo Arthur Gomes, o tangará faz parte de um complexo de espécies próximas, como o tangará-príncipe (Chiroxiphia pareola) e o tangará-das-iungas (Chiroxiphia boliviana), encontrado na Bolívia.
“Por isso, seria esperado que o tangará cruzasse com o tangará-príncipe, já que eles compartilham um parentesco mais próximo. No entanto, o cruzamento entre o tangará e o soldadinho parecia improvável, considerando a ‘árvore genealógica’ dessas aves”.
Estudos genéticos feitos em 2021 levaram à reclassificação de gênero do soldadinho (foto) e do soldadinho-do-araripe, que agora pertencem ao mesmo gênero dos tangarás
Danilo Melosi/VC no TG
Essa surpresa vem do fato de que, por muito tempo, o soldadinho e o soldadinho-do-Araripe foram classificados em outro gênero, Antilophia. No entanto, estudos genéticos feitos em 2021 levaram à reclassificação dessas aves para o mesmo gênero dos tangarás. Isso mostra que, apesar das diferenças visíveis, essas espécies são mais próximas do que se imaginava.
“Ainda assim, o hibridismo continua sendo um fenômeno intrigante, pois o tangará e o soldadinho possuem cantos distintos, colorações diferentes e, no caso do tangará, um elaborado ritual de dança para atrair as fêmeas. Como as fêmeas dessas aves são extremamente seletivas na escolha dos machos, o fato de uma delas ter escolhido um parceiro de outra espécie torna esse caso ainda mais extraordinário”, conclui Arthur Gomes.
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