Pele de cobra no ninho: o ‘truque’ das aves para enganar predadores de ovos


Estratégia se mostrou eficiente no caso de ninhos feitos em cavidades fechadas, segundo artigo. Maria-cavaleira com pele de cobra no bico
Thiago Arruda
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, analisou um comportamento inusitado de algumas espécies de aves. Para proteger seus ninhos de predadores, elas incorporam pele de cobras para espantar pequenos mamíferos, como esquilos e camundongos.
De acordo com o artigo publicado em dezembro na revista The American Naturalist, 78 espécies de aves, pertencentes a 22 famílias, utilizam pele de cobra em seus ninhos. A grande maioria dessas espécies são passeriformes.
Esses pequenos mamíferos provavelmente evitam a pele de cobra porque associam sua presença a um risco real de predação. Muitos deles são predados por cobras na natureza, e o cheiro ou a aparência da pele pode ser um fator que reduz a predação.
No entanto, a estratégia se mostrou eficiente somente para ninhos feitos em cavidades naturais, como buracos em árvores ou em rochas. A presença de pele de cobra nesse tipo de ninho foi, em média, sete vezes maior do que em ninhos abertos (no formato de cesta).
Pele de cobra dentro de ninho em cavidade artificial
Lynda Williams
“Ninhos de cavidade limitam a diversidade de predadores para espécies de pequeno porte, muitas das quais são rotineiramente comidas por cobras e têm medo da visão ou do cheiro da pele de cobra em ninhos de pássaros”, escrevem os autores.
Isso contrasta com as comunidades de predadores de ninhos abertos, que são mais diversas e frequentemente incluem predadores que não têm uma história evolutiva forte de interações temerosas com cobras, como as aves. Veja algumas espécies que utilizam a estratégia:
Myiarchus crinitus
Myiarchus cinerascens
Troglodytes aedon
Thryomanes bewickii
Baeolophus bicolor
Embora o estudo tenha listado 78 espécies, os autores sugerem que esse número pode ser subestimado, já que nem todas as espécies têm seus comportamentos de nidificação bem documentados.
Entre as espécies listadas no estudo, algumas dos gêneros Myiarchus e Passerina ocorrem no Brasil, mas a maioria das aves documentadas nesse comportamento vive nas Américas do Norte e Central. No entanto, o comportamento pode estar presente em espécies sul-americanas ainda não estudadas, especialmente entre Furnariidae, Tyrannidae e Troglodytidae.
As aves utilizaram principalmente peles descartadas por cobras da fauna local, no entanto a pesquisa não conseguiu identificar todas as espécies exatas de cobras utilizadas.
Pele de cobra em cavidade artificial usada para testes
L. Colip
O que há de novo
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores realizaram diversos estudos por meio de uma abordagem combinada de revisão de literatura, análise filogenética comparativa e experimentos de campo.
Antes do artigo, havia apenas observações dispersas de que aves que fazem ninhos em cavidades usavam pele de cobra com mais frequência, mas isso nunca havia sido testado de forma rigorosa. O estudo confirmou, com dados comparativos e análise filogenética, que essa relação é real e estatisticamente significativa.
Além disso, estudos anteriores sugeriam que a pele de cobra poderia funcionar sempre como um mecanismo anti-predação. Entretanto, o novo artigo foi o primeiro a demonstrar que esse efeito ocorre de maneira específica em ninhos dentro de cavidades, e não em ninhos abertos.
Outras hipóteses testadas
Efeito antimicrobiano: o estudo não encontrou evidências de que a pele de cobra tenha impacto na microbiota dos ninhos;
Redução de ectoparasitas: também não houve evidências de que a pele de cobra reduza a infestação de ectoparasitas nos ninhos;
Sinalização social: não foram observadas diferenças significativas no tamanho da ninhada entre ninhos com e sem pele de cobra, sugerindo que o material não serve como um sinal de qualidade do reprodutor.
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