Justiça reconhece demissão por justa causa de funcionário que fazia ‘piadas’ racistas: ‘Parece um escravo’


Na decisão, colegiado considerou postura ‘inaceitável’ e frisou que ‘autor praticou o chamado racismo recreativo, que é a ofensa racial disfarçada de piada’; entenda. Sede judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) em Campinas
João Gabriel Alvarenga/g1
A 3ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) reconheceu a demissão por justa causa de um funcionário de uma empresa do ramo de logística e transporte, em Sumaré (SP), por fazer “piadas” de cunho racista contra um colega.
A sentença foi divulgada pelo TRT-15 nesta segunda-feira (24). Na decisão, a juíza relatora considerou a postura do ex-funcionário “inaceitável” e frisou que “o autor praticou o chamado racismo recreativo, que é a ofensa racial disfarçada de piada” [leia mais abaixo].
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Entenda, ponto a ponto, o que levou à decisão:
Em 2023, a dispensa do ex-funcionário havia sido revertida em primeira instância na Vara do Trabalho de Sumaré porque, na percepção do Juízo, “a prova testemunhal produzida demonstra que era comum os empregados fazerem brincadeiras entre si no meio ambiente de trabalho”;
A empresa recorreu da decisão, alegando que o comportamento do homem em relação ao colega configurou injúria racial.
A sentença mais recente detalha que “o conjunto probatório do feito demonstra que o autor chamou colega de trabalho de ‘negresco’, em ‘tom de brincadeira’”, conforme relato de uma testemunha.
Além disso, em um e-mail anexado ao processo, o ex-funcionário teria dito para o mesmo colega que ele estava “parecendo um garçom com esta caixa, na verdade não parece um escravo”.
Durante a audiência, o autor das supostas piadas racistas disse que “não considera ter ofendido alguém; que o rapaz costumava brincar com o depoente”.
“Interessante notar que o reclamante, em réplica, defendeu que a ‘brincadeira’ de comparar o trabalhador a escravo não aconteceu, mas reconheceu o ‘fato deste trabalhador chamar o outro de ‘negresco’, cujo apelido foi extraído de marca de bolachas’”, diz a decisão.
Na perspectiva do colegiado, a decisão da empresa de despedir o então funcionário após os episódios foi considerada “exemplar”, já que “não é relevante a intenção da pessoa, se era a de amesquinhar ou não, mas sim o fato de que a sua atitude replica e perpetua o cenário racista que permeia a sociedade”.
Racismo recreativo
Em janeiro de 2023, a legislação passou a considerar o racismo recreativo um ato criminoso e passível de prisão por até 5 anos. Isso inclui racismo camuflado de piada, humor hostil e brincadeiras disfarçadas de ofensas contra grupos específicos.
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Racismo no trabalho: saiba como denunciar
A advogada Adriana de Morais, mestre em sociologia e direito e atual presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB de Campinas (SP), explica que o racismo recreativo “parte da ideia de utilizar falas racistas a partir de um aspecto de brincadeira e jocoso”.
“Essa forma estrutural também é refletida a partir dessa ideia de que eu posso fazer brincadeiras jocosas em relação às pessoas negras, que eu posso me divertir a partir de uma situação de dor de uma pessoa negra porque aquilo não me atinge, porque aquilo não me afeta. Então eu vou chamá-lo de escravo porque tudo bem chamar de escravo, eu tô brincando”, diz Morais.
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Como denunciar?
Ainda de acordo com a advogada, quem passar por situações de racismo recreativo pode fazer denúncias tanto no âmbito criminal, com o registro de boletim de ocorrência, quanto no cível. Além disso, é possível recorrer ao Ministério Público.
“Há a possibilidade de você ir até o Ministério Público, fazer a denúncia em relação à ocorrência do racismo no ambiente da empresa. E aí, quais formas forem, seja ela estrutural, institucional ou recreativa, o Ministério Público está lá para acolher essas denúncias. No âmbito cível, você pode pleitear a indenização por dano moral em relação à ofensa”, detalha.
“A gente está falando sobre algo que ofende o indivíduo, algo que viola o seu direito de personalidade, que é um direito constitucionalmente garantido, a inviolabilidade da sua personalidade. Então você pode pedir, sim, no âmbito cível, a sua indenização por dano moral”.
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