Como água do Litoral de SC ficou contaminada de cafeína, pesticida e petróleo

Um grupo de pesquisadores identificou contaminação na costa catarinense causada por produtos consequentes de atividade humana. Chamadas poluentes emergentes, as substâncias ainda não possuem utilização e liberação reguladas, o que causa impactos no litoral de SC.

Baía em Florianópolis durante um dia ensolarado

Como água do Litoral de SC ficou contaminada de cafeína, pesticida e petróleo – Foto: Daniel Queiroz/Arquivo/ND

A pesquisa foi realizada no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade da FURB (Universidade Regional de Blumenau), sendo o grupo liderado pelo pesquisador Eduardo Alves de Almeida, Doutor em Bioquímica e professor dos Programas de Pós-Graduação em Biodiversidade e Engenharia Ambiental da instituição.

No estudo, eles detectaram diversas substâncias em nove pontos da costa catarinense, como anti-inflamatórios, cafeína, hormônios, pesticidas e derivados de petróleo, nos municípios de São Francisco do Sul, Itajaí, Florianópolis e Laguna. As prefeituras das cidades se manifestaram sobre o estudo.

Também foram coletados sedimentos e ostras de duas espécies nativas popularmente conhecidas como “ostras do mangue”, com identificação de contaminação em todos os pontos de coleta da costa. Os resultados da pesquisa foram publicados nos periódicos Marine Environmental Reasearch e Science of Total Environment.

Estudo identificou contaminação no litoral de SC

A pesquisa foi financiada pela Fapesc (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina) e, além da Furb, envolveu pesquisadores e docentes da UFSC (Universidade de Santa Catarina) e UDESC (Universidade Estadual de Santa Catarina).

Ao ND Mais, o coordenador da pesquisa explicou que o grupo já havia feito trabalhos anteriores para diagnosticar a contaminação costeira em Santa Catarina, mas nada tão abrangente para o estado.

“A gente já vinha discutindo há bastante tempo a ideia de fazer um projeto grande, que tivesse um edital com a possibilidade de pedir recursos que fossem suficientes para um monitoramento mais abrangente. Então a gente submeteu a proposta e ela foi contemplada. Com o recurso, reunimos os pesquisadores e definimos os pontos de coleta”.

Dos pontos definidos, dois foram em Laguna, quatro na região de Florianópolis (dois na Baía Sul e outros dois na Baía Norte), um ponto em Itajaí e outros dois em São Francisco do Sul.

Duas campanhas foram feitas nos nove pontos de coleta, onde foram coletados água, sedimentos e ostras, para monitorar e descobrir quais contaminantes estariam presentes na costa catarinense. Cerca de 150 compostos foram analisados.

Além das substâncias citadas anteriormente, os pesquisadores identificaram ainda pesticidas banidos há décadas no Brasil. Contudo, conforme Almeida, a presença deles não significa que estejam sendo utilizados nos dias atuais, mas indica a persistência deste tipo de produto no meio-ambiente.

Contaminação em ostras coletadas em ambientes naturais

O grupo de pesquisadores analisou as alterações fisiológicas e metabólicas nas ostras encontradas em ambientes naturais, o que indicou o padrão de contaminação da água também nos organismos coletados.

Almeida ressaltou que as ostras analisadas foram provenientes de ambiente natural, não de cultivo.

“As ostras que a gente trabalhou são ostras que foram coletadas no ambiente natural, próximo das pedras, um lugar que é acessível, até caminhando com água pela cintura”, disse. Por conta disso, o resultado do estudo não é aplicado às ostras cultivadas e comercializadas no estado.

Ostras coletadas em cultivo em SC

Ostras analisadas são de ambientes naturais do litoral de SC – Foto: Ricardo Wolffenbüttel/Secom/ND

“As ostras que são vendidas aqui, dos cultivos, são criadas em outros ambientes, bem distantes da costa. São ambientes monitorados pela universidade, pela Embrapa, que tem fiscalização, que tem que ter toda uma documentação para que essa concessão sirva e apresente a qualidade que se quer”, destacou.

Concentração de poluição em cidades da costa catarinense

De acordo com o pesquisador, os pontos de Florianópolis apresentam concentrações superiores de contaminantes em relação aos demais pontos analisados.

“Não podemos afirmar categoricamente com 100% de certeza qual ponto é o mais poluído, porque depende do foco de observação. A cafeína, por exemplo, foi encontrada em maiores concentrações em Laguna. Outros contaminantes, como derivados de petróleo, foram mais encontrados na região de Florianópolis. A análise é complexa”, explicou.

Sobre a importância do estudo, Almeida enfatizou o avanço que o trabalho representa, pois antes, não haviam informações basais sobre a ocorrência desses contaminantes.

“É importante ressaltar que a gente não achou nada que seja demasiadamente preocupante. A gente achou um cenário que está de acordo com outros locais do planeta. Na verdade, se a gente fizer análise ambiental em qualquer matriz ambiental de qualquer parte do planeta, a gente vai encontrar contaminantes, eles já estão dispersos”, disse.

Conforme o pesquisador, não existe mais ambiente natural no planeta que não tenha a presença de um contaminante. No entanto, alguns deles devem ser vistos com mais cuidado, para mitigar os impactos e contribuir para a conservação do ambiente.

O que diz municípios do litoral de SC analisados em estudo

O portal ND Mais entrou em contato com as prefeituras das cidades de São Francisco do Sul, Itajaí, Florianópolis e Laguna, que se manifestaram sobre o estudo realizado.

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente de São Francisco do Sul afirmou que são necessários mais estudos para avaliar eventuais efeitos crônicos dessas substâncias sobre os ecossistemas marinhos e a população, e que não é possível afirmar que há risco ambiental significativo.

“A definição de padrões e limites de monitoramento da qualidade da água é de competência federal, por meio de resoluções do Conama. Atualmente, não há limites legais estabelecidos para essas substâncias.

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) segue acompanhando as publicações e diretrizes da União para eventuais medidas que se façam necessárias”, disse em nota.

Já a Prefeitura de Florianópolis comunicou que irá analisar os dados apresentados no que compete ao município e que, a partir disso, serão adotadas as providências cabíveis dentro da competência da Secretaria do  Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, em diálogo com os órgãos responsáveis pelo saneamento e pela preservação ambiental.

“A Secretaria reafirma seu compromisso com a qualidade da água e a proteção do ecossistema local, além do monitoramento contínuo e da busca por soluções sustentáveis para minimizar esses efeitos.

Para avançar na questão do esgotamento sanitário na Capital, a Prefeitura tem intensificado a fiscalização dos sistemas de tratamento de esgoto, com o combate de pontos de descarte irregular, além do monitoramento contínuo da destinação dos efluentes. Por intermédio de programas como o Floripa Se Liga na Rede e Blitz Sanear, são realizadas vistorias para identificar ligações irregulares em imóveis da região”, diz em nota.

Pescador atirando rede em cidade no litoral de SC

Pescador urbano, na baía da Beira-Mar Norte, em Florianópolis, litoral de SC – Foto: Anderson Coelho/Arquivo/ND

Em relação à Itajaí, o IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina) comunicou que segue os critérios de balneabilidade exigidos pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), sendo baseado na concentração da bactéria Eschericia coli como indicador da presença de contaminação fecal na água, que tem o objetivo de informar aos banhistas os pontos considerados seguros, do ponto de vista sanitário.

“Portanto, são análises, critérios e métodos diferentes da pesquisa em questão, que detectou outros componentes que também podem ser encontrados a partir da presença do ser humano e também podem estar relacionado à questões de saneamento”, informou.

Já a Prefeitura de Laguna, por meio da Secretaria de Pesca e Agricultura, ressaltou a importância do estudo feito para a conscientização da população.

“A avaliação quantitativa e qualitativa destes dados podem gerar futuramente novas interpretações a respeito da qualidade ambiental de nossos ambientes marinhos, lagunares, manguezais e dentre outros.

O levantamento destas informações podem criar novas trajetórias a soluções ambientais na gestão ambiental do ambiente Lagunar. Como também, sensibilizar a população a respeito da educação ambiental e a sustentabilidade”, diz em nota.

Os pesquisadores acreditam que os resultados adquiridos no litoral de SC podem servir de parâmetro para o futuro monitoramento dos níveis de contaminantes na costa catarinense. Um dos objetivos do grupo é ampliar o estudo para as áreas de cultivo das ostras.

Bookmark the permalink.