Falta de microrganismos pode prejudicar imunidade de astronautas

A desinfecção constante, embora seja benéfico para certos equipamentos, pode trazer riscos à saúde humana.Nasa

Durante a missão realizada entre outubro de 2020 e abril de 2021, uma equipe da University of California, San Diego (UCSD) analisou mais de 800 amostras coletadas em diversos módulos pressurizados do Segmento Orbital dos Estados Unidos na Estação Espacial Internacional (ISS).

O estudo investigou os problemas imunológicos dos astronautas, que sofrem de alergias e erupções cutâneas mesmo após rigorosos exames de saúde.

A pesquisa comparou a diversidade microbiana a bordo com ambientes terrestres semelhantes, apontando para um cenário que lembra as enfermarias de isolamento durante o auge da COVID-19.

Segundo Rodolfo Salido Benitez, pesquisador da UCSD, “é difícil apontar as causas exatas para muitos desses sintomas, mas acreditamos que as interrupções do microbioma que acontecem em seus corpos e em seu ambiente lá em cima podem estar desempenhando um papel importante”.

Limpando os decks espaciais

Para mapear o ambiente microbiano na estação, a equipe adaptou métodos usados em ambientes considerados extremamente limpos.

Astronautas utilizaram cotonetes duplos—um lado para sequenciamento de DNA e o outro para análise por espectrometria de massa—nas superfícies dos oito módulos pressurizados construídos por agências espaciais como a americana, NASA, a europeia, ESA, e a japonesa, JAXA.

Conforme explicou Benitez, “aplicamos alguns dos métodos que usamos para monitorar ambientes extremamente limpos, como a instalação de montagem de espaçonaves [SAF] que o Jet Propulsion Laboratory emprega para construir os rovers que eles enviam para Marte.”

Essa técnica permitiu uma análise detalhada dos microrganismos e produtos químicos espalhados na estação.

Orbitando à COVID

Os resultados mostraram que a diversidade microbiana na ISS corresponde a apenas 6,31% da árvore filogenética, um número muito inferior quando comparado a lares finlandeses (12,23%) ou ambientes rurais na América do Sul (15,59%).

Essa baixa variedade remete à intensa esterilização praticada em locais com alto risco de contaminação, semelhante aos dormitórios de isolamento do campus da UCSD durante a pandemia.

A desinfecção constante elimina boa parte dos microrganismos, o que, embora seja benéfico para certos equipamentos, pode trazer riscos à saúde humana, uma vez que a exposição a um conjunto diversificado de microrganismos está relacionada à prevenção de doenças inflamatórias crônicas, como a asma.

Jardins espaciais

Diante desse cenário, pesquisadores sugerem que, em vez de eliminar totalmente os microrganismos, pode ser mais vantajoso introduzir e manter microrganismos benéficos na ISS.

Observações de Nina Zhao, pesquisadora da UCSD e coautora do estudo, indicam que módulos com menor atividade humana conseguem preservar melhor suas assinaturas microbianas, enquanto áreas intensamente utilizadas disseminam esses microrganismos para outros ambientes.

“Estamos, é claro, falando como microbiologistas e químicos — talvez os engenheiros de espaçonaves tenham razões mais urgentes para colocar certos módulos em certos pontos”, afirma Zhao.

Essa perspectiva abre caminho para o redesenho das futuras naves e estações espaciais, considerando não só as necessidades dos astronautas e das máquinas, mas também a criação de ecossistemas autossustentáveis, onde plantas, microrganismos e, possivelmente, pequenos animais interajam de forma equilibrada.

Repensar o controle do microbioma a bordo e adotar uma abordagem mais holística pode ser crucial para missões espaciais futuras, especialmente aquelas rumo a destinos distantes como Marte.

A integração de “jardins espaciais”, onde os microrganismos benéficos são cultivados e controlados, representa uma inovadora estratégia para mitigar os riscos de disfunções imunológicas e promover uma convivência mais equilibrada com a vida, mesmo além da Terra.

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