Indígenas do Amapá catalogam peças levadas para a Suécia há 100 anos para formar acervo digital


Em 1925, um etnólogo esteve no Amapá e enviou peças indígenas para compor acervo europeu sobre a América do Sul. Atualmente, as peças estão expostas no Museu da Cultura Mundial. Em 2025, projeto de identificação iniciou processo de repatriação digital desses objetos. Indígenas de Oiapoque identificam na Suécia peças enviadas há 100 anos do Amapá
Três indígenas das etnias Palikur e Galibi Marwono estão na Suécia para catalogar peças enviadas do Amapá para a Europa em 1925. A iniciativa da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) busca fazer a repatriação digital – que é o retorno do patrimônio cultural em formato digital às comunidades de origem.
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Atualmente, as peças indígenas estão expostas no Museu da Cultura Mundial, em Gotemburgo. Elas foram enviadas por Curt Nimuendajú, etnólogo que visitou a região do município de Oiapoque e é considerado um dos maiores especialistas dos povos indígenas no Brasil, com atuação na primeira metade do século 20.
Os indígenas amapaenses são acompanhados por membros dos projetos “Digital Repatriation” e do “Energia Limpa, Vida Sustentável”. Ao longo de três semanas o grupo indígena vai identificar e descrever a importância do uso desses artefatos nas respectivas etnias.
Um dos objetivos é a criação de materiais didáticos a partir dos artefatos, como documentos e fotos digitalizados pelos pesquisadores indígenas, que são professores, artesãos e artistas.
Indígenas de Oiapoque identificam na Suécia peças enviadas há 100 anos do Amapá
Gabriel Baena/Ufopa
No total, foram 380 peças coletadas em 1925 por Curt Nimuendaju, das quais 67 são analisadas pelos pesquisadores. Elas foram retiradas dos rios Uaça, Urukauá, Oiapoque e Curipi.
Os projetos de repatriação digital são coordenados pela pesquisadora Lilian Rebellato, do Programa de Antropologia e Arqueologia (PAA) da Ufopa.
“Curt Nimuendajú, através de Erland Nordenskiöld, que era diretor do Museu Etnográfico na época, enviou os artefatos com o objetivo de colecionar e registrar as sociedades nativas da América do Sul. Não havia ainda uma legislação de proteção do patrimônio de 1925, que passa existir no Brasil apenas em 1937. Decreto esse criado para proteger o patrimônio histórico e artístico nacional de interesse público de nosso país”, explicou a pesquisadora.
Indígenas de Oiapoque identificam na Suécia peças enviadas há 100 anos do Amapá
Gabriel Baena/Ufopa
Um dos indígenas é Natã dos Santos (Palikur), de 51 anos. Ele confecciona bancos utilizados em rituais. Essa técnica, herdada de gerações antepassadas, carrega um simbolismo muito grande. Natã é bisneto do Pajé (Ihamwi em Palikur e Piai em Galibi Marworno), de quem o Curt Nimuendajú comprou e estabeleceu contato, em 1925.
Depois do falecimento do seu pai, Natã Palikur contou que passou a fazer esse trabalho para não perder a tradição da sua cultura.
“Quando fazemos o banco, ele não serve para sentar-se em cima. Ele serve para quando tiver uma festa, por exemplo, uma Festa de Turé. Essa festa da nossa cultura acontece quando a lua estiver grande, nova, aí nós fazemos uma dança”, descreveu o indígena.
Dança do Turé na aldeia Manga, etnia Karipuna, em Oiapoque
Mário Vilela/Funai
Estão na Suécia também os professores indígenas Euvécio Labonte dos Santos (Palikur) e Milton Galibi Nunes (Galibi Marworno). Eles farão a confecção de materiais didáticos para as escolas das aldeias.
“Minha intenção é de chegar lá, é trazer, avistar com os meus próprios olhos se realmente é a cultura dos nossos antepassados. Quando eu chegar lá, tenho a intenção de fazer registro para poder trazer de volta para o nosso povo. E fazer materiais para os alunos, para ensinar isto: a cultura dos nossos antepassados”, disse Euvécio Palikur.
Museu da Cultura Mundial, em Gotemburgo, na Suécia
Världskulturmuseet/Divulgação
“Meu foco principal está relacionado a nossa dança tradicional que é o Turé. Muitos objetos que estão na Suécia, são praticamente desconhecidos pelos nossos jovens na comunidade. Estou indo procurar saber o significado das marcas, do próprio formato dos artefatos, dos materiais os quais foram produzidos, para levar essa realidade para o meu povo novamente. Para tentar trabalhar o resgate cultural em si”, disse Milton Galibi.
Busca por objetos nos séculos 19 e 20
Lilian Rebellato explicou que no início do século 20 era comum a prática de buscar objetos de culturas nativas. E foi com esse “espírito do tempo”, que o Museu Etnográfico de Gotemburgo e de Estocolmo, hoje chamado de Museu da Cultura Mundial, tiveram a ideia de colecionar as materialidades de culturas nativas.
“Acredito que na década de 1990, mudaram o nome do Museu que de Etnográfico. Com todas as críticas que possam ser feitas e esse conceito singular. No final do século 19 e início do século 20 viajantes, colecionadores, pesquisadores e curiosos saíram em busca de artefatos representativos de culturas nativas ao redor do mundo, pois acreditavam que, com o capitalismo, sociedades tradicionais desapareceriam e com isso também essa cultura material e todo esse conhecimento”, disse.
A pesquisadora destacou que foi nesse contexto que Nordenskiöld veio para América Latina, com levantamentos importantes de países como Bolívia, Argentina, Panamá, enquanto Nimuendajú permaneceu grande parte de sua vida entre as sociedades indígenas localizadas principalmente onde hoje é o Brasil.
Nimuendajú nasceu como Curt Unckel em 1883 na Alemanha. Aos 20 anos migrou para o Brasil, onde participou de inúmeras expedições. Em uma delas foi adotado por uma família indígena, onde recebeu o nome “Nimuendajú”.
Veja artefatos já identificados:
Wanamyo
Wanamyo, serve para oferecer bebidas
Gabriel Baena/Ufopa
O vasilhame, chamado Wanamyo, serve para colocar o caxixi (bebida fermentada da mandioca) durante as festas e cerimônias sendo é ideal para servir até 4 pessoas. Feitos com argila, são impermeabilizados com breu, evitando assim a evaporação dos líquidos.
Apesar de serem elaborados para cerimônias especiais, esses artefatos continuam sendo utilizados para armazenar água após as festas. Ricamente decorado com grafismos representado pássaros, peixes ou outros animais, expressa um senso estético de seus criadores.
Kwi
Kwi, serve para oferecer caxixi e beber água
Gabriel Baena/Ufopa
As cuias são decoradas em baixo-relevo e servem tanto para oferecer o caxixi no interior do Wanamyo quanto para beber água, tomar tacacá ou chibé. Dentro da cosmologia Galibi Marworno, também são utilizadas para que seres de outro mundo bebam o caxixi.
Tukutku
Tukutku, recipiente para colocar líquidos como caxixi
Gabriel Baena/Ufopa
Recipiente para colocar líquidos como caxixi. De acordo com os Palikur, por ser um vaso duplo o liquido parece que fica mais frio, com o tanque de reserva mais cheio, o liquido fica mais gelado. Geralmente, há um tubo de cerâmica que interliga os dois vasos. Seu nome onomatopeico ajuda a entender o som que faz quando entornado ao se derramar o líquido de seu interior.
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