Rio Capital Mundial do Livro: relembre 10 obras que usaram cidade como cenário


Inspirados pela realidade, autores retratam transformações sociais e refletem sobre mudanças no espaço urbano. Cidade recebe título da Unesco nesta quarta-feira (23) Na última quarta-feira (23), o Rio de Janeiro se tornou, oficialmente, a Capital Mundial do Livro, título concedido pela Unesco. A cidade é a primeira de língua portuguesa a receber o reconhecimento. Ao longo de séculos, a capital fluminense teve a história contada e vários lugares celebrados nas páginas de poetas e escritores.
“O Rio de Janeiro é uma cidade que tem mais de 450 anos, uma cidade com importância econômica e política muito forte. E tem um elemento cultural muito forte e diversificado. Isso se reflete na arquitetura, nas ruas e nessas diferentes temporalidades que marcam a paisagem do Rio de Janeiro”, afirma Mario Brum, professor do Departamento de História da UERJ.
O título da Unesco destaca a importância da leitura e da produção escrita para a construção de uma memória coletiva e para revelar realidades da cidade e do Brasil que, através dos livros, passam a ser vistas por todo o público.
O Centro e seus bairros ao redor, alguns dos primeiros lugares de ocupação da cidade, estão presentes em diversas obras.
“A expansão urbana do Rio de Janeiro se caracteriza pela junção de núcleos. Núcleos que, antes, eram separados. Por isso muita gente fala, até hoje, ‘vou na cidade’. A cidade era compreendida como o Centro do Rio. Então você tem esses núcleos urbanos expandidos no que, hoje, é o município do Rio de Janeiro, e eles vão se juntando. E cada um tem suas particularidades”, destacou Brum.
Marca da Rio Capital do Livro é lançada em cerimônia no Real Gabinete Português de Leitura
Os livros, no caso, podem até transformar a realidade. Este é o caso da Ilha de Paquetá e o romance “A Moreninha”. A ilha não é nominalmente citada, com todas as letras, mas a descrição deixa claro onde é o lugar onde os personagens Augusto e Carolina vivem seu amor.
Conservada em muitos aspectos como no período do século XIX retratado pelo livro, a ilha segue com parte do aspecto bucólico e recebe fluxo de turistas atraídos pela obra de Joaquim Manoel de Macedo e todas as suas versões no teatro, cinema e televisão. Conceição Campos, escritora e criadora do projeto “Leitura Galopante”, que vive em Paquetá desde 2008, destaca que o clima permanece o mesmo.
“O romance dá uma cara de romantismo para ilha que dura até hoje. Como é um território protegido pela lei de proteção ambiental e cultural, que não pode ter veículos a motor, fora os de serviço, não pode ter asfalto. Permanece como uma cidade do interior. As pessoas vêm para cá em busca do ambiente”, explicou Conceição.
Logomarca da Rio Capital Mundial do Livro 2025
Cristina Boeckel/g1
A observação dos escritores sobre o ambiente, aliás, mesmo por meio da ficção, revelam realidades, denunciam condições de vida precária e relatam fenômenos sociais.
O g1 traz uma lista de 10 lugares do Rio de Janeiro que serviram de cenário para obras conhecidas da literatura brasileira. Eles revelam diferentes espaços ao longo da história, percorrendo toda a zona urbana. Mas como os títulos que envolvem, citam e usam o Rio de Janeiro como cenário são abundantes, os livros a seguir são apenas um exemplo de que cada um pode elaborar a sua própria lista.
Ilha de Paquetá – “A Moreninha”, Joaquim Manoel de Macedo
Pescadores na Ilha de Paquetá
Rafael Catarcione/Riotur
“E eu afirmo que segunda-feira voltarás da ilha de… loucamente apaixonado de alguma de minhas primas”.
Não é exagero falar que a Ilha de Paquetá inspirou, mas também foi moldada pela publicação de “A Moreninha”, romance de Joaquim Manuel de Macedo, em 1844, um marco do Romantismo no Brasil.
A ilha serve como pano de fundo para a história do estudante de medicina Augusto, que se apaixona por Carolina durante uma visita à ilha, mas vive um dilema por causa de uma promessa feita a uma jovem que conheceu na infância.
Botafogo – “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo
Imagem do bairro de Botafogo na década de 1880.
Marc Ferrez /Acervo Instituto Moreira Salles
“O grande projeto que ultimamente o trazia preocupado — a criação de uma estalagem em ponto enorme, uma estalagem monstro, sem exemplo, destinada a matar toda aquela miuçalha de cortiços que alastravam por Botafogo”.
O romance de Aluísio Azevedo, publicado em 1890, mostra as relações entre os habitantes de um cortiço no bairro de Botafogo ao mesmo tempo em que denunciava as péssimas condições de vida de trabalhadores que viviam em moradias improvisadas.
O cortiço pertence ao português João Romão, que almeja subir de vida. A história conta ainda com a saga de outros personagens, como Bertoleza, uma mulher escravizada que vive com o dono do lugar e o ajuda a enriquecer.
São Cristóvão – “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto
“Vinham andando em demanda à estação de São Cristóvão. Atravessaram o velho parque imperial transversalmente, desde o portão da Cancela até a linha da estrada de ferro. Era de manhã, e o dia estava límpido e fresco”.
O livro conta a história de Policarpo Quaresma, um nacionalista ferrenho que crê no Brasil de forma idealizada e se choca com a realidade ao tentar implementar suas ideias.
A história tem como um dos cenários o bairro de São Cristóvão, lar da família imperial no século XIX, que já tinha aspecto mais operário no começo do século XX.
Centro – “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector
“Rua do Acre para morar, Rua do Lavradio para trabalhar, Cais do Porto para ir espiar no domingo, um ou outro prolongado apito de navio cargueiro que não se sabe por que dava aperto no coração, um ou outro delicioso embora um pouco doloroso cantar de galo”.
O Centro, ponto inicial da formação do Rio de Janeiro, é cenário para uma infinidade de obras ao longo dos séculos. As ruas são palco não apenas de grandes sagas, mas até de relatos sobre a invisibilidade social, como no caso de Macabéa em “A Hora da Estrela”, que mantém a inocência em meio a um mundo que, de certa forma, a engole.
O livro de Clarice Lispector foi publicado em 1977 e fala sobre ingenuidade, pobreza e solidão com a linguagem única da escritora.
Centro – “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis
Rua do Ouvidor, no Centro do Rio, em 1890
Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
“No dia seguinte, estando na Rua do Ouvidor, à porta da tipografia do Plancher, vi assomar, a distância, uma mulher esplêndida. Era ela; só a reconheci a poucos passos, tão outra estava, a tal ponto a natureza e a arte lhe haviam dado o último apuro. Cortejamo-nos; ela seguiu; entrou com o marido na carruagem, que os esperava um pouco acima; fiquei atônito”
Assim como em “A Hora da Estrela”, boa parte da história acontece no Centro, ponto principal da ocupação da cidade. Porém, no caso do livro publicado em 1881, o autor-defunto desfila em um dos endereços mais imponentes de seu tempo: a Rua do Ouvidor. A via era um dos endereços mais requintados da então capital do país.
O lugar reunia jornais, cafés e lojas e tinha importância até na articulação política do Império e da República Velha, pelas personalidades que circulavam por lá. A rua existe com o mesmo nome até hoje.
Rio Comprido – “O Ateneu”, de Raul Pompeia
“Por ocasião da festa da ginástica, voltei ao colégio. O Ateneu estava situado no Rio Comprido, extremo ao chegar aos morros”.
O livro, publicado em 1888, fala sobre educação, família e repressão sexual no fim do século XIX. Sérgio é levado para o pai para estudar no tradicional Colégio Ateneu, no Rio Comprido,
O livro destaca a transformação do menino, que perde a inocência ao longo do tempo, as relações de poder entre os alunos, e a hipocrisia dos adultos, como no caso de Aristarco, o diretor da escola.
Bangu – “Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro de Vasconcelos
“As giletes cortavam as linhas e lá vinha um papagaio rodopiando no espaço embaraçando a linha do cabresto com a cauda sem equilíbrio; era lindo tudo aquilo. O mundo se tornava só das crianças da rua. De todas as ruas de Bangu.”
Bangu, na Zona Oeste do Rio, é o cenário da vida de Zezé, menino levado e inteligente que faz amizade com uma árvore – o pé de laranja lima do título – que apelida de Minguinho.
Não é demais afirmar que o personagem também conta com lembranças do autor. O bairro da Zona Oeste do Rio também é o lugar de origem de José Mauro de Vasconcelos, que ainda criança foi morar com os tios no Rio Grande do Norte.
Glória e Cidade Nova – “A Alma Encantadora das Ruas”, de João do Rio
Grupo de pierrôs, em foto publicada pelo jornal ‘Careta’, em 1919
Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil
“Mas o Carnaval teria desaparecido, seria hoje menos que a festa da Glória ou o “bumba-meu-boi” se não fosse o entusiasmo dos grupos da Gamboa, do Saco, da Saúde, de S. Diogo, da Cidade Nova, esse entusiasmo ardente, que meses antes dos três dias vem queimando como pequenas fogueiras crepitantes para acabar no formidável e total incêndio que envolve e estorce a cidade inteira”.
O livro conta com uma série de crônicas que unem jornalismo e literatura e mostram como era a vida no Rio de Janeiro na virada do século XIX para o século XX. Neste caso, a Glória e Cidade Nova são citadas, mas é difícil definir apenas um espaço percorrido pela prosa de João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto.
Circulando por todas as camadas da sociedade carioca, ele aborda religiões, costumes, as diversas formas de preconceitos existentes e a transformação da cidade do Rio de Janeiro no começo do século XX. O autor também registrou o carnaval nas ruas da cidade.
Catete – “Agosto”, de Rubem Fonseca
Fachada do Museu da República, no Palácio do Catete
Alexandre Macieira / Riotur
“O homem conhecido pelos seus inimigos como Anjo Negro entrou no pequeno elevador, que ocupou por inteiro com seu corpo volumoso, e saltou no terceiro pavimento do Palácio do Catete”.
O romance de Rubem Fonseca que retrata a história do comissário Alberto Mattos na investigação de um crime. O livro conta com personagens fictícios e reais, que se envolvem com ele durante o inquérito, que acontece durante os últimos dias do governo de Getúlio Vargas em 1954.
Como retrata a corrupção e luta pelo poder no centro da República, tem como um dos principais cenários o bairro do Catete, na Zona Sul da cidade. O livro foi transformado em minissérie pela TV Globo.
Cidade de Deus – “Cidade de Deus”, de Paulo Lins
“A distribuição aleatória da população entre Cidade de Deus, Vila Kennedy e Santa Aliança, os dois outros conjuntos criados na Zona Oeste para atender aos flagelados das enchentes, acabou mutilando famílias e antigos laços de amizade”.
O livro de Paulo Lins, publicado em 1997 e transformado em um dos filmes mais conhecidos do cinema brasileiro, mostra as transformações sociais da área em meio ao crescimento desordenado e a violência.
Baseado em fatos reais, mostra a dinâmica das comunidades cariocas por meio de seus personagens e sua complexidade.
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