Para que serve um ministro?

O que era da Previdência se reduziu a um mero despachante de interesses partidáriosLula Marques/Agência Brasil

Para um governo que faz da busca da popularidade perdida sua prioridade número 1, e que não mede esforços para criar uma imagem positiva de si mesmo — como é o caso da atual administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —, ser atingido num ponto sensível como o das aposentadorias era o pior que poderia acontecer. E aconteceu, no escândalo das fraudes do INSS, que pegou em cheio o ex-ministro Carlos Lupi (PDT).

O benefício aos segurados do setor privado é uma recompensa modesta depois de anos e anos de trabalho. As pessoas que o recebem muitas vezes têm aí sua única fonte de renda. Mexer com esse dinheiro é um ato de extrema covardia e, por essa razão, pode-se dizer até que o ex-comandante da Previdência Social resistiu muito tempo no cargo depois que veio à tona a denúncia do esquema que desviou pelo menos R$ 6, 3 bilhões.

Ao longo nos nove dias em que permaneceu como ministro depois que o esquema veio a público, Lupi era a própria imagem do político sem credibilidade e incapaz de convencer até seus aliados mais fiéis de sua honestidade. Sendo assim, e por mais que jurasse inocência e agisse como se nada tivesse a temer diante do escândalo de corrupção que abalou a pasta, era evidente que ele não se seguraria no cargo.

Lula chamou Lupi para uma conversa na tarde de sexta-feira passada (02) e concedeu a ele o direito de pedir demissão para não ser demitido. Para o seu lugar foi nomeado o ex-deputado federal Wolney Queiroz, filiado ao PDT de Pernambuco.

Derrotado nas eleições de 2022, depois de seis mandatos na Câmara, Queiroz, ganhou como prêmio de consolação a Secretaria Executiva — o segundo posto mais alto na hierarquia no ministério.

É muito pouco provável que algo chegasse ao conhecimento de Lupi antes de passar por ele. Portanto, se o ex-ministro sabia do que estava acontecendo e nada fez para impedir o desvio de dinheiro dos aposentados, o mesmo vale para Queiroz.

A partir de amanhã, quando começar a trabalhar e as atenções se voltarem para ele, certamente cairão sobre o novo titular da pasta alguns respingos da lama que sujou a imagem de Lupi.

E ele, que vinha se mantendo à margem do escândalo, passará a ser cobrado por seu papel na condução de um ministério que, independentemente do golpe nas aposentadorias, revelado dias atrás, nada fez para merecer um único elogio.

Para ser mais claro: sob o comando de Lupi e de Queiroz não foi tomada uma única providência que demonstrasse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez bem ao nomeá-los para comandar a pasta responsável pelas políticas públicas voltadas para a seguridade social.

Muito pelo contrário.

Os dois revelaram uma extrema ineficiência, por exemplo, nas tentativas de conter a greve dos médicos-peritos do INSS. Subordinado ao ministério comandado por eles, o órgão emprega os médicos que resolveram cruzar os braços em agosto do ano passado e virar as costas para os segurados que que necessitam de seus serviços. Só voltaram a bater o ponto em meados de abril — ou seja, sete meses depois.

Nesse longo período em que os doutores ficaram à toa e os segurados ficaram à míngua, a fila de perícias para concessão de auxílios-doença, aposentadorias por invalidez e outros benefícios previdenciários aumentou. Em meados do ano passado, havia 576 mil brasileiros à espera de que o Estado lhes desse uma resposta que aliviasse suas aflições. Em janeiro deste ano, o número chegou a 690 mil!

E mais: a fila dos que aguardam a concessão de aposentadorias por idade ou por tempo de serviço, que depende da aprovação dos servidores da casa, também aumentou, embora o presidente Lula tivesse prometido acabar com ela na eleição de 2022.

No início deste ano, ela superou a marca de 2 milhões de pessoas — quantidade que só havia sido alcançada em 2020, durante a pandemia da Covid-19.

Toda a ineficiência demonstrada neste governo, pelo ministério e pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a autarquia responsável pela concessão e pelo pagamento das aposentadorias no Brasil neste governo, seria até perdoável se o comando da casa tivesse movido pelo menos um dedo para impedir a vilania das quadrilhas que se dedicaram a tungar os aposentados.

Ou, pelo menos, tivesse aberto a boca para denunciar a ação dos bandidos. Só que não.

Aposentados mais humildes

A verdade é que o desrespeito aos aposentados e a inexistência de mecanismos de controle minimamente confiáveis fizeram do Ministério da Previdência e do INSS um terreno fértil para o golpe praticado por entidades sindicais. Ou melhor, instalou ali o ambiente ideal para o golpe tramado e executado por sindicatos que acobertavam quadrilhas ou por quadrilhas que se travestiam de sindicatos.

Agindo de forma sub-reptícia para não atrair atenção, os punguistas tinham como alvo principal os aposentados mais humildes. Mirando sempre as pensões e aposentadorias de valores mais modestos — por acreditar que as vítimas da base da pirâmide teriam menos meios para denunciá-los — os bandidos foram tirando um pouquinho de uns e afanando mais um pouquinho de outros. No final, os ditos sindicalistas puseram a mão, sob o nariz do ministro e de seus auxiliares, numa bolada que pode ser ainda maior do que os anunciados R$ 6,3 bilhões.

Antes mesmo que Lupi pedisse para sair, era evidente que seu prestígio diante de Lula havia derretido. O presidente, que logo no início da crise havia mandado demitir Alessandro Stefanatto, indicado e nomeado por Lupi para presidir o INSS, sequer se deu ao trabalho de perguntar a opinião do ainda ministro na hora de nomear o procurador federal Gilberto Waller Júnior para a vaga.

A pergunta óbvia é: por que Lula dispensou Stefanatto com desonra e manteve Lupi por mais alguns dias no posto?

A resposta, certamente, nada tem a ver com a comprovação da culpa de um nem com a inocência do outro. Qualquer afirmação desabonadora em relação aos autores do roubo só poderá ser feita depois que a Polícia Federal, a Controladoria Geral da União, a auditoria interna do próprio INSS, agora sob nova direção, e a Justiça concluírem seu trabalho.

Mas desde que o escândalo veio à tona, Lupi não conseguiu se livrar em momento algum da pecha de responsável pelo esquema.

No final das contas — e mesmo não tendo sido demitido sumariamente —, Lupi havia se tornado um ministro que arrastava correntes pela Esplanada, sem que qualquer pessoa lhe desse atenção ou desejasse ser vista em sua companhia.

Por que ele resistiu uma semana quando todos apostavam em sua demissão? Bem… a resposta a isso foi dada por seu ex-colega de ministério, Luiz Marinho, da pasta do Trabalho. Nas entrevistas que deu após as esvaziadas comemorações do 1º de maio, na quinta-feira passada, em São Paulo, Marinho disse que a permanência do ministro no cargo não dependia apenas da comprovação de sua boa fé no episódio.

“A continuidade do ministro vai muitas vezes de uma avaliação política e não se ele tem culpa ou não”, disse Marinho. “E vai também do próprio ministro avaliar se tem condições de dar resposta. É uma decisão política”, completou.

Marinho, por sinal, é outro que nunca foi capaz de explicar o que está fazendo no ministério. O único propósito, de sua gestão, desde que assumiu a pasta, tem sido o de tentar tomar mais dinheiro do trabalhador com a recriação do famigerado Imposto Sindical.

Com o dinheiro correspondente a um dia de trabalho de cada assalariado brasileiro, ele pretende encher as burras da máquina sindical — que se mostra incapaz de viver apenas das contribuições voluntárias dos associados.

Mão de Ferro

Seja como for, as palavras de Marinho revelam um raciocínio enviesado e oportunista, que atesta o distanciamento do primeiro escalão do atual governo daquelas que são — ou pelo menos deveriam ser — as atribuições e responsabilidades de um ministro de Estado.

O cargo é, por definição, ocupado por um funcionário público graduado, com poder e autonomia para tomar decisões em nome do presidente da República. O ministro quando abre a boca não fala por si, mas pelo governo e, no final das contas, ele é responsável pela formulação e pela execução das políticas públicas de sua área.

Só que, no caso do atual governo, a utilidade do ministro parece não ter nada a ver com o que dizem os manuais. As atribuições dessas autoridades parecem começar e terminar no ato de manter a máquina pública a serviço dos interesses partidários mais rasteiros e, em troca, assegurar votos favoráveis ao governo nas votações no Congresso Nacional. Ou seja, com as devidas e honrosas exceções de praxe (como é o caso da ministra da Inovação e Gestão Esther Dweck, que vem desempenhando um trabalho merecedor de aplausos na definição e organização das carreiras do serviço público, e de mais quatro ou cinco nomes escolhidos a dedo entre os 39 auxiliares diretos de Lula), os ministros atuais nada mais são do que despachantes de interesses partidários.

O inepto Lupi, por exemplo, só ganhou um ministério para chamar de seu por ser capaz de assegurar para o governo a fidelidade dos 17 deputados e três senadores do PDT — partido que o futuro ex-ministro controla com mão de ferro.

Seu sucessor, Wolney Queiroz, que também é do PDT e se orgulha de nunca ter mudado de partido desde que ingressou na política, em 1992, será o herdeiro da estrutura que ele montou na pasta.

Antes de começar a criticar, é preciso dar tempo a Queiroz e saber se agora, livre da companhia de Lupi, ele será capaz de imprimir à máquina da Previdência a eficiência que ficou distante da gestão se seu antecessor. Quanto ao ministro demitido, tudo o que se pode dizer é que ele já tinha mostrado do que era capaz antes de ser nomeado por Lula para o comando da pasta.

Lupi foi, provavelmente, a primeira autoridade do primeiro escalão a ser posta para fora do governo duas vezes pelo mesmíssimo motivo. Nomeado por Lula para a pasta do Trabalho em 2007, foi mantido no posto depois da eleição de Dilma Rousseff, em 2010. No ano seguinte, 2011, foi demitido sob denúncias de um esquema de favorecimento a organizações que prestavam serviços à pasta. Uma das evidências de sua responsabilidade, naquele momento, foi a comprovação de que Lupi andava para cima e para baixo em um turboélice King-Air de propriedade de um empresário de Goiânia, chamado Adair Meira, administrador de ONGs beneficiadas com contratos gordos com o Ministério do Trabalho.

O tempo passou e, para espanto de absolutamente ninguém, o processo que deveria investigar a conduta irregular do político desidratou sem deixar rastros e a ficha de Lupi, no final das contas, permaneceu limpinha, limpinha, a ponto de não haver objeções legais a sua volta ao ministério…

Campeão imbatível

Seja como for, Lupi se tornou o décimo ministro a ser desligado da equipe convocada por Lula depois da vitória apertada de 2022 para ajudá-lo em seu terceiro mandato — o que também não deixa de ser uma marca expressiva.

Isso mesmo! Lupi será a décima baixa no time que originalmente era de 38 auxiliares e, depois, foi ampliado para 39. Com um batalhão desse tamanho trabalhando pelo governo, o presidente esperava cumprir a promessa de construir um país melhor e mais justo.

No final das contas, essa turma tem servido mais para colocar o presidente em situações difíceis, como comprova o escândalo da Previdência, e para expor a fragilidade do governo justamente no ponto que, há pouco mais de dois anos, era visto como o grande trunfo de Lula para governar: a arte da articulação política.

Quem acompanha os bastidores do Planalto percebe diferenças cada vez mais evidentes entre o Lula que exerce seu terceiro mandato e aquele político habilidoso que, em suas duas primeiras passagens pelo Palácio do Planalto, se esquivava das acusações feitas a seus auxiliares sem que os atos de qualquer um de seus ministros respingasse em sua popularidade.

O Lula do passado se livrava dos focos de crise antes que eles chegassem a prejudicar a imagem do governo. Hoje ele se desgasta na tentativa de manter os arranjos partidários feitos na tentativa de garantir para seu governo uma sustentação precária, conseguida na base do toma-lá-dá-cá.

Porteira fechada

Não importa saber se foi o presidente que mudou e se foram as circunstâncias políticaS à sua volta que mudaram.

O que importa é que, no novo cenário, a impressão que se tem é a de que os cargos não pertencem mais ao governo, mas ao partido que indica o ocupante.

E que, sem escancarar as portas para que os políticos utilizem a máquina pública em seu próprio benefício, o governo pode desistir de contar com votos daquele partido no Congresso.

Foi o que ficou claro, por exemplo, na longa e recém-encerrada novela em torno da indicação do substituto de Juscelino Filho, deputado pelo União Brasil, médico e criador de cavalos da raça Quarto de Milha, no Ministério das Comunicações.

Desde o início, todo mundo sabia que Juscelininho — como é conhecido em seu reduto no Maranhão — não era flor que se cheirasse. Uma das acusações que pesavam contra ele era a de usar o dinheiro do povo para mandar asfaltar uma estrada na propriedade rural de sua família, no município maranhense de Vitorino Freire.

Acontece que o rapaz chegou ao cargo não por escolha de Lula, mas por indicação do União Brasil. Bem mais robusto que o PDT de Lupi e Queiroz, o partido tem 82 deputados e 14 senadores que nem sempre se entendem, mas que não abrem mão de estar ao lado do governo — independentemente de qual seja o governo da ocasião.

Nesse caso, e por mais incômoda que fosse sua presença na equipe, Lula não podia simplesmente demitir o ministro sem o risco de contrariar os correligionários de Juscelininho.

Assim, o segurou no cargo até que a Procuradoria Geral da República, mais de dois anos depois de ter dado início às investigações, o denunciou por desvio do dinheiro de emendas parlamentares. Sem condições de continuar, Juscelininho se mandou.

Para seu lugar foi convidado o deputado Pedro Lucas, também maranhense e líder da bancada do União Brasil na Câmara.

Mesmo tendo se comprometido com o próprio presidente da República a assumir o posto, Lucas pediu um tempo para se organizar e, dias depois, acabou declinando do convite para ocupar o Ministério — e o cargo acabou nas mãos do engenheiro Frederico Siqueira, ex-presidente da Telebras.

A emenda teria saído melhor do que o soneto se não fosse por um detalhe: embora não seja político e sim um técnico com carreira construída em empresas privadas de telecomunicações — fato que, por si só, pode ser considerado positivo — Siqueira só chegou ao posto sob a proteção do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que também é do partido que se apossou do ministério e não admite em hipótese alguma vê-lo nas mãos de outra legenda.

Siqueira ficará por lá e agirá como se ministério não fizesse parte de um governo e não passasse de uma sesmaria autônoma e com porteira fechada. Uma vez de posse das chaves, ele tem autoridade para nomear para postos chaves auxiliares ligados ao partido de Alcolumbre e conduzir as políticas sob responsabilidade do ministério da forma que melhor atender aos interesses não da sociedade — mas dos políticos que mandam no pedaço.

Pode fazer lá dentro o que bem entender. Só não pode ser flagrado no cometimento de um deslize grave, como já tinha acontecido com Juscelino e acabou acontecendo também com Lupi.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG

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