Cidadania italiana: o que pode mudar nas regras e como isso afeta os brasileiros?


Decreto publicado em março e em discussão no Senado limita a concessão de cidadania para filhos e netos de italianos. Especialista acredita que proposta fere a Constituição da Itália. Passaporte italiano
Bruno Todeschini/Agência RBS
O Senado da Itália está discutindo um projeto de lei que pode alterar as regras sobre a cidadania italiana. Em resumo, a medida pode restringir a concessão da cidadania a filhos e netos de italianos que nasceram em outro país, como o Brasil. Além disso, todo o processo passaria a ser feito por via judicial, e não mais pelos consulados, como acontece atualmente.
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▶️ Contexto: O governo da Itália publicou no dia 28 de março um decreto com força de lei que muda as regras para concessão de cidadania. A medida vale por 60 dias e precisa ser aprovada pelo Parlamento para que seja mantida permanentemente.
No texto, o governo argumenta que as regras em vigor não previam um limite temporal ou geracional para a solicitação de cidadania italiana por nascidos no exterior.
Com isso, segundo o governo, a situação poderia representar um problema de segurança para a Itália e para toda a União Europeia.
O governo também afirma que o decreto é necessário por uma questão de emergência, diante de uma situação excepcional e de um fluxo “descontrolado” de pedidos de reconhecimento de cidadania.
Agora, o Senado está discutindo uma reforma nos pedidos de cidadania com base nesse decreto. A proposta deve voltar a ser debatida na quinta-feira (15). Depois, será votada no Parlamento.
🤔 O que muda? Basicamente, as novas regras limitariam o direito à cidadania italiana e tornariam o processo mais difícil para quem entra com pedidos. Brasileiros, por exemplo, seriam fortemente afetados. Isso porque:
Com as novas regras, apenas filhos e netos de italianos nascidos no exterior poderão solicitar a cidadania. Bisnetos e trinetos, por exemplo, perderiam o direito.
O decreto limita o reconhecimento da cidadania a descendentes de italianos que tenham nascido na Itália ou que tenham residido no país por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento do filho ou neto.
O governo italiano também suspendeu a possibilidade de fazer pedidos de reconhecimento de cidadania por meio de consulados e embaixadas da Itália. A partir de agora, quem deseja ingressar com a solicitação precisará recorrer à Justiça italiana.
🔎Fábio Gioppo, advogado especializado em Direito Internacional e Cidadania Italiana e sócio do escritório Gioppo & Conti, explica que descendentes de italianos que entraram com o pedido antes da publicação do decreto — em 28 de março — não devem ser afetados.
“Quem não entrou com o pedido se enquadra nas novas normas do decreto e terá que respeitar essa regra, que agora limita a cidadania apenas a filhos e netos de italianos.”
🟢 E o Brasil? Boa parte dos imigrantes italianos chegou ao Brasil entre o fim do século 19 e o início do século 20. Atualmente, é comum que bisnetos ou trinetos desses imigrantes solicitem a cidadania. No entanto, com as novas regras, eles perderiam esse direito.
A legislação atual concede a nacionalidade por meio do princípio do jus sanguinis — ou direito de sangue.
Ou seja, a cidadania pode ser reconhecida aos descendentes de antepassados que deixaram a Itália e se mudaram para outros países, como o Brasil.
Pela regra, é necessário comprovar ter um ancestral italiano que estivesse vivo a partir de 17 de março de 1861, data da unificação que marcou a criação do Reino da Itália.
Somente em 2023, mais de 20 mil pedidos de cidadania italiana foram aprovados no Brasil. O número representa um aumento de cerca de 40% em relação a 2022.
📝 Emendas: os senadores estão discutindo emendas que preveem “flexibilizações” no decreto.
Uma delas estabelece que quem entrou com o pedido de cidadania antes da publicação do decreto não seria afetado pelas novas regras.
O advogado Fábio Gioppo, no entanto, avalia que essa previsão é redundante, já que trata de um direito adquirido que, segundo ele, já está protegido por lei.
Outra emenda retira a exigência de que o ascendente italiano tenha nascido na Itália. Com isso, filhos e netos de cidadãos italianos que nasceram fora do território italiano também poderiam solicitar o reconhecimento da cidadania.
No entanto, o advogado Gioppo considera essa mudança uma “falsa flexibilização”, já que a emenda impõe uma nova exigência: o transmissor do direito (pai ou avô) teria que ter mantido exclusivamente a cidadania italiana durante o processo.
Dessa forma, para o filho de um ítalo-brasileiro ter direito à cidadania italiana, o pai teria que abdicar da cidadania brasileira, segundo Gioppo.
🚫 Problemas no decreto: O texto discutido na Itália tem sido alvo de críticas por especialistas e pode ser contestado judicialmente.
Há indícios de que o decreto possa ferir direitos adquiridos, o que violaria princípios constitucionais.
Juristas apontam que a medida também pode violar o artigo da Constituição Italiana que garante isonomia entre os cidadãos.
Um dos argumentos é que o decreto cria distinções entre filhos de um mesmo cidadão italiano nascido fora da Itália: um pode ter o direito à cidadania e outro não, a depender do momento em que o pai tenha comprovado residência no país.
Mesmo que o decreto seja aprovado, o advogado Fábio Gioppo acredita que ele pode ser levado à Suprema Corte italiana, onde já há jurisprudência favorável a ítalo-brasileiros.
Decisões anteriores da Justiça da Itália afirmam que o princípio de sangue é válido sem limite de gerações e que as leis não podem retroagir para prejudicar futuros pedidos de cidadania.
🔥 Polêmica sobre sobrenomes: Gioppo explica que não é verdade que alguns sobrenomes italianos facilitariam a obtenção da cidadania.
Não há qualquer menção no decreto ou na legislação italiana que dê preferência a determinados sobrenomes.
O princípio que fundamenta a concessão da cidadania italiana é o princípio de sangue, e não o sobrenome.
Segundo o advogado, restringir ou favorecer com base em sobrenomes seria discriminatório e inconstitucional.
O especialista também afirma que não há margem para interpretações diferentes. A tese dos sobrenomes é infundada e sem respaldo jurídico.
“Não há menor fundamento. Não existe qualquer brecha em lei. Até mesmo no próprio decreto. Não existe nada nesse sentido”, garante.
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