‘Pequena África’ em BH: Por que o bairro Concórdia se tornou polo das religiões de matriz africana?


O Concórdia, localizado na Região Nordeste de BH, surgiu na década de 20 e é um dos bairros que mais concentra práticas e saberes africanos na capital mineira. Traçado da antiga cidade Curral Del Rey
Reprodução/TV Globo
O bairro Concórdia, localizado na Região Nordeste de Belo Horizonte, é considerado um dos bairros mais antigos da capital mineira. Conhecido por ser um dos locais com maior concentração de práticas e saberes africanos da cidade, o bairro é considerado um símbolo da resistência negra.
Mas você sabe o porquê do bairro levar esse título?
A região abriga a maior quantidade de espaços voltados à preservação da religiosidade afro-brasileira, além de ser o ponto de partida de diversos blocos de carnaval que também reverenciam a ancestralidade.
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Vila Operária Concórdia
A cidade de Belo Horizonte foi inaugurada em 1897, resultante do Antigo Curral Del Rey, local que foi destruído para o nascimento da capital mineira.
Já o bairro Concórdia surgiu mais de 20 anos depois, em 1928, para abrigar pessoas que foram expulsas da região central por causa das dinâmicas de desenvolvimento da cidade e da gentrificação do Centro da nova capital de Minas Gerais.
Segundo a mestra em Arquitetura e doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Cyntia Braúlio, a dinâmica de desenvolvimento urbano da cidade foi responsável por desapropriar e expulsar grande parte da população do antigo Curral Del Rey para as regiões periféricas da cidade, sendo essa maioria a comunidade negra.
“Os movimentos de ocupações urbanas estão relacionados à ocupação dos bairros. O Curral Del Rey era composto em sua maioria por pessoas negras, e 20 anos depois, com as dinâmicas das especulações imobiliárias e desenvolvimento da cidade, a área central é demandada e a polícia urbana da época expede novos decretos para expulsar e remover aquelas pessoas dessa área. Nesse contexto surge o bairro Olaria Vila Operária Concórdia em 1928, para receber a população que foi removida da área central”, explica Cyntia.
Guarda São jorge de Nossa Senhora do Rosário nas Ruas tamboril e antiga Rua saí década de 1949/1952
Acervo/Kelma Gizele da Cruz Conceição
Filhos de Tcha Tcha fazem cortejo no bairro Concórdia.
Raquel Freitas/G1
Origem do nome
Nesse contexto, a população negra operária que foi expulsa da região central e em suas imediações foi direcionada para as regiões mais afastadas da cidade.
O fato curioso é que o nome Concórdia surgiu a partir desse novo grupo de moradores que relatam que “concordaram” em se mudar para a região.
Além disso, o bairro é um dos locais onde mais se concentra terreiros de religiões de matriz africana, juntamente com o bairro Lagoinha, localizado na Região Noroeste de BH.
Isso aconteceu devido às tradições das famílias operárias que se mudaram para o bairro e resgataram antigos saberes ancestrais já praticados no Antigo Curral Del Rey.
Ainda segundo a pesquisadora, é importante entender como a capital mineira surge a partir de uma relação direta com o fim da escravidão, e como o projeto urbano é mapeado por apagamentos e violências.
“Concórdia é um bairro de operários que ao se instalarem naquela região, levaram também seus costumes, principalmente os operários que eram negros. Esse era o perfil das pessoas que ocuparam o bairro Concórdia e que o fizeram virar um bairro de preto” comentou.
Atravessando gerações
Com décadas de história, o Concórdia apresenta vivências ancestrais de famílias que se alojaram no bairro desde sua criação e que por lá construíram raízes.
A moradora Kelma Gizele da Cruz Conceição, de 51 anos, faz parte da Guarda São Jorge de Nossa Senhora do Rosário, uma comunidade de Congado localizada na Rua Tamboril, a mais de 80 anos.
Ao g1, ela explicou que o avô foi uma figura importante dentro do bairro. A história é que ele vendia lotes por lá e foi responsável por essas demarcações durante o período de crescimento da região.
“Meu avô foi funcionário da prefeitura na época do surgimento do bairro. Dentro dessa vinda dele para o Concórdia, ele já tinha a cultura do Congado onde morava, e juntamente com amigos e parentes ele fundou a Guarda São Jorge na década de 30, junto com a Guarda de Congo e Moçambique”, afirmou.
Kelma contou, também, que dentro do bairro existem diversas ramificações do movimento do Congado e de religiões que foram trazidas pelos povos africanos. Essa tradição fez com que o bairro se tornasse uma grande comunidade negra.
“As pessoas estão vendo esse bairro como bairro negro, onde é cultuado com mais fervor as rezas e todas as manifestações que remetem a negritude, o bairro está se mostrando com essa essência, algo plantado de muito tempo, uma riqueza dentro do bairro” contou.
Curral Del Rey, arraial que antecedeu a cidade de Belo Horizonte, em 1896
Reprodução/TV Globo
Grande quilombo e pequena África
O bairro também pode ser considerado um grande quilombo e uma pequena África. Foi o que disse Isabel Casimira, de 61 anos, que faz parte da Guarda de Congado 13 de maio e do Terreiro de Umbanda 13 de maio.
Ela conta que a avó fundou um dos primeiros terreiros do bairro em 1933 e, desde então, o local funciona também como uma casa de acolhimento que ajuda as pessoas em vulnerabilidade dentro do bairro.
“A minha avó nasceu no bairro Angola em Betim, e as pessoas desceram para BH para trabalhar e ficaram no bairro Barroca. A negrada foi convidada a sair da região e concordaram em vir para a região do Concórdia, a minha avó foi com essas pessoas” disse.
Ainda segundo a pesquisadora Cyntia Bráulio, o bairro Concórdia pode ser considerado um símbolo de resistência negra.
“No Concórdia temos uma Rainha Conga que tem mais de 80 anos, um Terreiro Reinado 13 de maio da Guarda do Congo e Moçambique. Concórdia e Lagoinha são considerados diásporas africanas com concentração das práticas e dos saberes africanos. O fato é que no Concórdia existem inúmeros espaços de candomblé, umbanda, blocos afros de carnaval, e isso fortifica o bairro e mostra um símbolo de resistência” contou.
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