Os adolescentes de 14 anos estavam voltando da casa de um amigo, quando foram apreendidos pelos PMs e acusados injustamente de roubar um carro na Zona Leste de SP. C\u00e2meras corporais registram PMs torturando adolescentes na Zona Leste de SP\u00a0
\nC\u00e2meras corporais, as quais o g1 teve acesso com exclusividade, registraram o momento em que policiais militares amea\u00e7aram, agrediram e torturaram dois estudantes. O caso aconteceu na Zona Leste de S\u00e3o Paulo em maio do ano passado.
\nAcusados de roubo, os jovens acabaram absolvidos. Enquanto, os cinco PMs envolvidos no caso respondem por tortura e fraude processual. A primeira audi\u00eancia na Justi\u00e7a ser\u00e1 nesta quinta-feira (3), quase um ano ap\u00f3s o epis\u00f3dio.
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\nVinicius* e Henrique*, na \u00e9poca com 14 anos, estavam voltando da casa de um amigo, quando foram apreendidos pelos PMs ap\u00f3s serem acusados injustamente de roubar um carro. Os estudantes chegaram a ficar cinco dias internados na Funda\u00e7\u00e3o Casa.
\nDesde o epis\u00f3dio, a rotina de Vinicius mudou. Ele n\u00e3o anda mais sozinho na rua e tem medo quando uma viatura passa por ele, contou a m\u00e3e do jovem ao g1.
\n“Fiquei inconformada do meu filho ter passado por essa situa\u00e7\u00e3o, tendo ensinado tudo direitinho. A gente tem que ensinar a andar com documento. Se acontecer alguma coisa, n\u00e3o correr. Voc\u00ea ensinar regras para o seu filho para n\u00e3o acontecer esse tipo de coisa e mesmo assim acontece”, desabafa.
\nComo foi a abordagem
\nC\u00e2mera de seguran\u00e7a flagra momento em que adolescentes s\u00e3o abordados por PMs na Zona Leste
\nEra uma quinta-feira \u00e0 noite quando Vinicius e Henrique foram abordados pela pol\u00edcia no muro da Escola Municipal de Ensino Fundamental J\u00falio de Grammont, localizada na Travessa Meiri. Eles estavam voltando a p\u00e9 da casa de um amigo, onde estavam jogando videogame. (Veja v\u00eddeo acima.)
\nSegundo a den\u00fancia do Minist\u00e9rio P\u00fablico (MP), os estudantes foram “constrangidos” pelos policiais para confessarem o roubo de um carro. Em seguida, foram algemados e colocados no cambur\u00e3o da viatura.
\nAp\u00f3s a apreens\u00e3o, os jovens n\u00e3o foram levados diretamente para a delegacia. Os PMs pararam na Rua Bandeira de Aracambi, onde o ve\u00edculo roubado foi abandonado, e permaneceram quase 20 minutos.
\nNeste per\u00edodo, Vinicius e Henrique foram agredidos e amea\u00e7ados de morte. As cenas violentas foram registradas pelas c\u00e2meras corporais, apesar das tentativas dos agentes de obstruir as imagens, colocando a m\u00e3o na frente ou desacoplando o equipamento do uniforme.
\nCinco policiais militares participaram do epis\u00f3dio. O cabo Leandro de Freitas Menezes e o soldado Guilherme Correia Jord\u00e3o foram respons\u00e1veis pelas agress\u00f5es e pela tortura “ativa”. Enquanto o sargento Gilmar Fim, a cabo Virg\u00ednia Gon\u00e7alves Rakauskas e o soldado Igor Vianna Da Silva “omitiram-se dolosamente”, de acordo com o MP.
\nPela imagem da bodycam, \u00e9 poss\u00edvel ver o momento em que o cabo Freitas agrediu Vinicius com soco no rosto, al\u00e9m de apertar seu pesco\u00e7o enquanto chorava. Em seguida, o PM ainda encobriu e desacoplou sua c\u00e2mera, passando a agredir Henrique.
\nAdolescente \u00e9 agredido por PM com soco no rosto durante abordagem
\nReprodu\u00e7\u00e3o
\nO soldado Jord\u00e3o tamb\u00e9m deu um soco no rosto de Henrique e ainda queimou o bra\u00e7o esquerdo do Vinicius com um cigarro aceso.
\nAl\u00e9m das agress\u00f5es, os policiais foram flagrados pelas c\u00e2meras amea\u00e7ando os adolescentes e rindo da situa\u00e7\u00e3o.
\nEm seguida, eles foram levados para o 49\u00b0 Distrito Policial de S\u00e3o Mateus, onde confessaram o roubo do carro “diante do intenso sofrimento f\u00edsico e mental”, apontou o Minist\u00e9rio P\u00fablico. Antes de entrar na delegacia, eles foram agredidos e amea\u00e7ados novamente.
\nVers\u00e3o das m\u00e3es dos jovens
\nNo dia dos fatos, Vinicius foi normalmente para a escola no per\u00edodo da manh\u00e3. \u00c0 tarde, ele e Henrique foram at\u00e9 a casa de um primo jogar videogame, algo que faziam rotineiramente, contou a m\u00e3e dele.
\n\u201cFoi dando o hor\u00e1rio [de ele voltar para casa], e eu comecei a mandar mensagem para ele. Em um certo momento, a mensagem foi visualizada, mas n\u00e3o foi respondida. Eu liguei e tamb\u00e9m n\u00e3o me atenderam. Quando foi mais ou menos umas 22h, me ligaram do celular dele falando que estava detido na delegacia. A\u00ed eu fiquei doida e liguei para o pai dele\u201d, relembra.
\nA mulher foi com o ex-marido at\u00e9 a delegacia e encontrou os jovens dentro da viatura. Quando questionou o filho sobre o que estava acontecendo, Vinicius disse que j\u00e1 roubava h\u00e1 um tempo para ajudar a fam\u00edlia. “S\u00f3 que a gente v\u00ea sinais desse tipo de coisa, ele nunca apareceu com dinheiro nem nada”, relatou a m\u00e3e.
\nSomente quando estava internado na Funda\u00e7\u00e3o Casa, no dia seguinte, Vinicius contou o que realmente tinha ocorrido. Segundo a mulher, ele estava com medo de sofrer repres\u00e1lias dos policiais, por isso assumiu o roubo.
\n“Ele contou que n\u00e3o tinha feito aquilo. Bateram nele falando que iam mat\u00e1-los se eles n\u00e3o falassem que tinham pegado o carro. Falaram que o meu filho estava dirigindo, mas ele nem sabe dirigir […] Ele falou que colocaram a arma no joelho deles, porque estavam algemados. O tempo todo coagindo e amea\u00e7ando.”
\nAo g1, a m\u00e3e de Henrique tamb\u00e9m compartilhou que percebeu que algo de errado havia ocorrido quando chegou ao 49\u00b0 DP. \u201cEle estava no porta-mala com o Vinicius. Henrique com o rosto todo machucado. O policial deu um murro na cara dele. O pesco\u00e7o todo vermelho, porque ele enforcou Henrique”, descreve.
\nHenrique tamb\u00e9m s\u00f3 contou \u00e0 fam\u00edlia que n\u00e3o tinha roubado o carro quando j\u00e1 estava internado na Funda\u00e7\u00e3o Casa.
\nDurante o registro do B.O., os policiais o levaram at\u00e9 um pronto-socorro da regi\u00e3o. No trajeto, o adolescente contou \u00e0 m\u00e3e que recebeu novas amea\u00e7as: \u201cSe voc\u00eas n\u00e3o falarem o que a gente falou, a gente vai matar voc\u00ea e seu amigo, e jogar l\u00e1 atr\u00e1s no rio”.
\n“Os meninos nunca passaram por isso. Eles v\u00e3o falar o que est\u00e3o mandando para n\u00e3o acontecer nada com eles. Ele ficou com trauma. Eu olhava para o meu filho, e ele tremia e chorava. Eu disse: ‘Fica em paz que Deus vai fazer Justi\u00e7a. Voc\u00ea n\u00e3o vai pagar pelo que voc\u00ea n\u00e3o fez”‘.
\nAdolescentes foram abordados no muro de uma escola municipal na Zona Leste de SP
\nReprodu\u00e7\u00e3o
\nVers\u00e3o dos PMs
\nNa delegacia, os policiais apresentaram uma vers\u00e3o diferente do que foi registrado pelas imagens das c\u00e2meras corporais e de seguran\u00e7a. O cabo Freitas e o soldado Vianna contaram que estavam em patrulhamento, quando viram um carro na contram\u00e3o da Rua Bandeira de Aracambi.
\nSegundo os PMs, o ve\u00edculo era ocupado por tr\u00eas suspeitos: Vinicius, Henrique e um terceiro jovem que n\u00e3o foi identificado. Os agentes ent\u00e3o emparelharam a viatura com o ve\u00edculo, e os ocupantes teriam descido do carro para fugir.
\nFreitas correu atr\u00e1s do terceiro suspeito, por\u00e9m n\u00e3o conseguiu det\u00ea-lo. Enquanto o soldado Vianna \u2014 com aux\u00edlio de mais dois policiais \u2014 conseguiu apreender Vinicius e Henrique.
\nNa delegacia, o PM afirmou que os adolescentes ca\u00edram no ch\u00e3o durante a fuga e se lesionaram levemente, al\u00e9m de refor\u00e7ar que “n\u00e3o houve qualquer tipo de agress\u00e3o aos menores”. O soldado Vianna ainda disse que feriu um dos bra\u00e7os ao cair na persegui\u00e7\u00e3o.
\nAbsolvi\u00e7\u00e3o
\nSegundo Daniel Rosario, advogado de defesa de Vinicius, o depoimento dos policiais e as imagens da ocorr\u00eancia apresentaram uma s\u00e9rie de inconsist\u00eancias:
\nOs adolescentes estavam conversando e andando no momento da abordagem, ou seja, n\u00e3o houve persegui\u00e7\u00e3o a p\u00e9;
\nOs ferimentos dos estudantes n\u00e3o foram provocados por queda, e as les\u00f5es no bra\u00e7o de Vinicius s\u00e3o arredondadas e t\u00eam caracter\u00edsticas de queimadura;
\nImagens da bodycam mostram que eles foram agredidos e torturados;
\nVinicius e Henrique n\u00e3o sabem dirigir.
\nEm outubro do ano passado, o Tribunal de Justi\u00e7a absolveu Vinicius e Henrique diante da aus\u00eancia de provas sobre a participa\u00e7\u00e3o dos adolescentes na pr\u00e1tica infracional an\u00e1logo ao roubo.
\nAudi\u00eancia de instru\u00e7\u00e3o
\nNesta quinta, os cinco policiais v\u00e3o passar pela primeira audi\u00eancia de instru\u00e7\u00e3o. Como o caso tramita em segredo, a Justi\u00e7a Militar n\u00e3o divulgou outros detalhes.
\nProcurada, a Secretaria da Seguran\u00e7a P\u00fablica informou a policial foi transferida para o 5\u00b0 Batalh\u00e3o de Choque “onde est\u00e1 trabalhando de forma supervisionada para aprender o servi\u00e7o desempenhado pela unidade”. Os demais PMs est\u00e3o trabalhando em servi\u00e7os administrativos do 38\u00b0 Batalh\u00e3o.
\nO advogado Jo\u00e3o Carlos Campanini, respons\u00e1vel pela defesa dos PMs Freitas, Jord\u00e3o e Gilmar, informou que ir\u00e1 se manifestar somente ap\u00f3s o final da audi\u00eancia de instru\u00e7\u00e3o.
\nJ\u00e1 a advogada Fl\u00e1via Artilheiro, que defende o soldado Vianna, declarou que “todo cidad\u00e3o, policial ou n\u00e3o, deve ser considerado presumidamente inocente at\u00e9 senten\u00e7a condenat\u00f3ria com tr\u00e2nsito em julgado”.
\nO g1 tenta contato com a defesa da cabo Virg\u00ednia.<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"