Segundo den\u00fancia apresentada pelo MPSP, o juiz aposentado Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield se chama na verdade Jos\u00e9 Eduardo Franco dos Reis. O Minist\u00e9rio P\u00fablico de S\u00e3o Paulo denunciou um juiz aposentado por uso de documento falso e falsidade ideol\u00f3gica. Segundo a acusa\u00e7\u00e3o, o juiz enganou por 40 anos “quase a totalidade das institui\u00e7\u00f5es p\u00fablicas” utilizando um nome fict\u00edcio, ao mesmo tempo em que manteve sua verdadeira identidade.
\nAs raz\u00f5es para a suposta vida dupla s\u00e3o “at\u00e9 agora desconhecidas”, segundo a Promotoria.
\nA trama foi investigada pela Pol\u00edcia Civil de S\u00e3o Paulo ap\u00f3s o magistrado tentar tirar uma nova via do RG com o nome falso em outubro do ano passado, em um Poupatempo na capital paulista.
\nO g1 busca contato com o juiz, mas ainda n\u00e3o havia conseguido at\u00e9 a \u00faltima atualiza\u00e7\u00e3o desta reportagem. O processo corre em segredo de Justi\u00e7a.
\nAto de aposentadoria do juiz foi publicado em 2018.
\nReprodu\u00e7\u00e3o\/Di\u00e1rio de Justi\u00e7a Eletr\u00f4nico de S\u00e3o Paulo
\n‘Wickfield’
\nA den\u00fancia do Minist\u00e9rio P\u00fablico foi apresentada \u00e0 29\u00aa Vara Criminal de S\u00e3o Paulo em 27 de fevereiro deste ano.
\nSegundo as investiga\u00e7\u00f5es, o juiz aposentado Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, de 67 anos, na verdade se chama Jos\u00e9 Eduardo Franco dos Reis.
\nCom a personalidade fict\u00edcia, ainda de acordo com a den\u00fancia, Reis estudou direito na USP na d\u00e9cada de 1980, prestou concurso e ingressou na magistratura paulista na d\u00e9cada seguinte.
\nTribunal de Justi\u00e7a de S\u00e3o Paulo
\nAntonio Carreta\/TJSP
\nAo longo da carreira, sempre com o nome falso, Reis assumiu v\u00e1rios cargos ligados ao Tribunal de Justi\u00e7a de S\u00e3o Paulo, como o de Coordenador do N\u00facleo Regional da Escola Paulista da Magistratura em Serra Negra (SP).
\nComo juiz, atuou em varas c\u00edveis, nas quais proferiu milhares de decis\u00f5es, segundo o portal do Tribunal de Justi\u00e7a. As senten\u00e7as eram assinadas como “Edward Albert Lancelot D C Caterham Wickfield”.
\n“Wickfield” se aposentou em abril de 2018, segundo registro no “Di\u00e1rio da Justi\u00e7a Eletr\u00f4nico” do estado.
\nAscend\u00eancia nobre
\nEm 23 de dezembro de 1995, reportagem da “Folha de S.Paulo” noticiou que filhos de estrangeiros haviam passado no concurso de juiz naquele ano.
\n“Outro filho de imigrantes \u00e9 Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, 37, descendente de nobres brit\u00e2nicos e futuro juiz em Limeira”, relatava o texto.
\n“Wickfield” contou ao rep\u00f3rter que havia morado at\u00e9 os 25 anos na Inglaterra e que era neto de um magistrado ingl\u00eas.
\n“Embora seu av\u00f4 tenha sido juiz no Reino Unido, ele garante que o precedente familiar n\u00e3o o ajudou no concurso. ‘Conhe\u00e7o pessoas com um passado muito tradicional que n\u00e3o passaram'”, continuava a reportagem.
\nNa verdade, segundo a den\u00fancia do Minist\u00e9rio P\u00fablico, conforme o registro de nascimento de Jos\u00e9 Eduardo Franco dos Reis, feito no cart\u00f3rio de \u00c1guas da Prata (SP) em 17 de mar\u00e7o de 1958, seus pais tinham nomes bem brasileiros: Vitalina e Jos\u00e9.
\nA personalidade fict\u00edcia teria sido criada em 19 de setembro de 1980, quando Reis conseguiu tirar RG em nome de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield.
\nNesse documento, ele declarou ser filho de Richard Lancelot Canterbury Caterham Wickfield e Anna Marie Dubois Vincent Wickfield. N\u00e3o fica claro na den\u00fancia se essas pessoas existiram.
\nConforme a investiga\u00e7\u00e3o, Reis conseguiu o primeiro documento falso apresentando “um certificado de dispensa de corpora\u00e7\u00e3o emitido pelo Ex\u00e9rcito Brasileiro, uma carteira de Servidor do Minist\u00e9rio P\u00fablico do Trabalho e uma Carteira de Trabalho e Previd\u00eancia Social”, al\u00e9m de t\u00edtulo de eleitor.
\n“Tais documentos, \u00e0 \u00e9poca, n\u00e3o contavam com quaisquer dispositivos gr\u00e1ficos ou materiais de seguran\u00e7a, sendo facilmente falsific\u00e1veis”, explica a den\u00fancia feita pelo promotor Maur\u00edcio Salvadori.
\n“Com a c\u00e9dula de identidade e demais documentos, sob a persona fict\u00edcia de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, o denunciado Jos\u00e9 Eduardo Franco dos Reis, dentre outros poss\u00edveis usos da documenta\u00e7\u00e3o ideologicamente falsa em atos da vida civil, ingressou no curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de S\u00e3o Paulo, onde se formou em 1992. Em 1995, foi aprovado no concurso de Juiz de Direito, passando a exercer a magistratura at\u00e9 a aposentadoria”, diz a den\u00fancia.
\nAcusa\u00e7\u00e3o
\nA Promotoria acusa Reis de ter cometido os crimes de falsidade ideol\u00f3gica e uso de documento falso por tr\u00eas vezes cada um. As investiga\u00e7\u00f5es conseguiram listar concretamente tr\u00eas momentos em que o juiz emitiu documentos com dados falsos:
\nem agosto de 2021, em um documento do Departamento Estadual de Tr\u00e2nsito;
\nem setembro de 2020, no Registro Nacional de Ve\u00edculos Automotores;
\nem outubro de 2024, quando foi tirar nova via da carteira de identidade em S\u00e3o Paulo.
\nFoi ent\u00e3o que a pol\u00edcia conseguiu identificar a fraude a partir da compara\u00e7\u00e3o das impress\u00f5es digitais de Reis e de “Wickfield”, com as novas tecnologias dispon\u00edveis.
\nAo final da den\u00fancia, o Minist\u00e9rio P\u00fablico pediu aos \u00f3rg\u00e3os competentes que cancelem os documentos de Reis com o nome falso, incluindo o CPF em nome de Wickfield.
\nA Promotoria tamb\u00e9m pediu medidas cautelares alternativas \u00e0 pris\u00e3o, como a entrega do passaporte do denunciado e a proibi\u00e7\u00e3o de ele se ausentar da cidade onde mora.<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"