Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, magistrado aposentado de 67 anos, na verdade se chama Jos\u00e9 Eduardo Franco dos Reis, segundo Minist\u00e9rio P\u00fablico. O juiz aposentado de S\u00e3o Paulo que virou r\u00e9u na Justi\u00e7a sob a acusa\u00e7\u00e3o de falsidade ideol\u00f3gica e uso de documento falso prestou depoimento \u00e0 Pol\u00edcia Civil de S\u00e3o Paulo em 2 de dezembro de 2024 e, tr\u00eas dias depois, se mudou do endere\u00e7o onde vivia na capital paulista.
\nDesde ent\u00e3o, o paradeiro do juiz Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, de 67 anos \u2014 que na verdade se chama Jos\u00e9 Eduardo Franco dos Reis, segundo o Minist\u00e9rio P\u00fablico \u2014 \u00e9 desconhecido pelos investigadores.
\nNesta sexta-feira (4), o ju\u00edzo da 29\u00aa Vara Criminal de S\u00e3o Paulo expediu mandado de cita\u00e7\u00e3o para que Reis seja comunicado sobre a a\u00e7\u00e3o penal contra ele e possa apresentar defesa. A den\u00fancia foi recebida pela Justi\u00e7a na segunda-feira (31).
\nNa noite desta sexta, o Tribunal de Justi\u00e7a de S\u00e3o Paulo informou em nota que o presidente da Corte, Fernando Antonio Torres Garcia, “decidiu suspender administrativamente, at\u00e9 nova ordem, pagamentos de quaisquer naturezas” que seriam feitos ao juiz Wickfield (leia a nota na \u00edntegra abaixo).
\nNo depoimento \u00e0 pol\u00edcia, ele se apresentou como Jos\u00e9 Eduardo Franco dos Reis e disse que Wickfield \u00e9 seu irm\u00e3o g\u00eameo, que foi dado para ado\u00e7\u00e3o ainda crian\u00e7a (veja detalhes abaixo).
\nO g1 busca contato com o magistrado, mas n\u00e3o conseguiu localiz\u00e1-lo at\u00e9 a publica\u00e7\u00e3o desta reportagem.
\nA hist\u00f3ria
\nSegundo as investiga\u00e7\u00f5es, Reis nasceu em 16 de mar\u00e7o de 1958, conforme registro feito no cart\u00f3rio de \u00c1guas da Prata (SP). Em 1973, ele tirou RG com seu nome verdadeiro. J\u00e1 em 1980, obteve um RG com o nome falso de Wickfield apresentando uma certid\u00e3o de nascimento com dados falsos.
\nSempre com o nome de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, que dizia ser proveniente da nobreza brit\u00e2nica, Reis estudou direito na USP, prestou concurso e ingressou na magistratura paulista em 1995. Atuou como juiz por 23 anos, at\u00e9 se aposentar em abril de 2018.
\nA farsa apontada pela pol\u00edcia e pelo Minist\u00e9rio P\u00fablico come\u00e7ou a desmoronar em outubro de 2024, quando o juiz foi ao Poupatempo S\u00e9, no centro de S\u00e3o Paulo, tirar uma nova via do RG em nome de Wickfield.
\nAs impress\u00f5es digitais dele foram coletadas e comparadas eletronicamente no banco de dados da Pol\u00edcia Civil. Essa tecnologia passou a ser aplicada em 2014 a todas as pessoas que tiram RG em S\u00e3o Paulo.
\nA compara\u00e7\u00e3o das impress\u00f5es digitais apontou ind\u00edcios de que havia duas pessoas com marcas id\u00eanticas. Os investigadores, ent\u00e3o, passaram a analisar os documentos dessas duas pessoas e descobriram ser uma s\u00f3.
\nNa an\u00e1lise documental, os investigadores descobriram que as certid\u00f5es de nascimento de Reis e de “Wickfield” tinham o mesmo n\u00famero de registro no mesmo cart\u00f3rio do munic\u00edpio de \u00c1guas da Prata, mas o restante dos dados era diferente.
\nReis nasceu em 16 de mar\u00e7o de 1958; “Wickfield”, em 10 de mar\u00e7o daquele ano. Reis \u00e9 filho de Natalina e Jos\u00e9; “Wickfield”, de Anna Marie Dubois Vincent Wickfield e Richard Lancelot Canterbury Caterham Wickfield.
\nSurpresa na delegacia
\nEnquanto os investigadores aprofundavam as an\u00e1lises sobre a suspeita de duplicidade, o sistema do Poupatempo foi bloqueado automaticamente e impossibilitado de emitir uma nova via do RG de Wickfield.
\nO juiz, ent\u00e3o, foi informado pelo Poupatempo de que deveria ir ao Instituto de Identifica\u00e7\u00e3o para regularizar a situa\u00e7\u00e3o \u2014 o que \u00e9 praxe nos casos de suspeita de duplicidade, porque pode haver um engano do sistema.
\nAo chegar ao instituto em 2 de dezembro passado, o juiz foi interrogado pelo delegado Raphael Zanon da Silva. Ali, ele se apresentou como Jos\u00e9 Eduardo Franco dos Reis e disse trabalhar como artes\u00e3o.
\nAfirmou tamb\u00e9m que Wickfield \u00e9 seu irm\u00e3o g\u00eameo, que foi dado para ado\u00e7\u00e3o ainda crian\u00e7a. Segundo essa vers\u00e3o, Wickfield cresceu na Inglaterra, procurou Reis quando ambos j\u00e1 eram adultos e veio passar uma temporada no Brasil.
\nDurante essa temporada, Reis teria ido ao Poupatempo para solicitar um RG para o irm\u00e3o g\u00eameo.
\nA hist\u00f3ria, por\u00e9m, n\u00e3o convenceu a pol\u00edcia e o Minist\u00e9rio P\u00fablico. Tr\u00eas dias depois do depoimento, investigadores foram at\u00e9 o endere\u00e7o do juiz Wickfield, na Vila Mariana, zona sul da capital paulista, e ouviram do s\u00edndico do pr\u00e9dio que o magistrado havia se mudado sem informar para onde.
\nInvestigadores tamb\u00e9m foram at\u00e9 o endere\u00e7o declarado como sendo o de Jos\u00e9 Eduardo Franco dos Reis e n\u00e3o encontraram ind\u00edcios de que ele tenha vivido naquele local.
\nNo mesmo depoimento \u00e0 pol\u00edcia em dezembro de 2024, Reis foi questionado sobre duas mulheres identificadas pelos policiais como sendo suas irm\u00e3s. Ele respondeu “n\u00e3o se recordar” das duas mulheres.
\nA investiga\u00e7\u00e3o, contudo, reuniu documentos que comprovariam que, de 2022 para c\u00e1, o juiz doou um im\u00f3vel em Minas Gerais para uma de suas irm\u00e3s e vendeu um apartamento localizado em Guaruj\u00e1 (SP) para a outra.
\nN\u00e3o h\u00e1 ind\u00edcios de que essas transa\u00e7\u00f5es imobili\u00e1rias com as irm\u00e3s tenham envolvido outras irregularidades.
\nO que diz o Tribunal de Justi\u00e7a
\n“Em rela\u00e7\u00e3o ao juiz aposentado do Tribunal de Justi\u00e7a de S\u00e3o Paulo, acusado pelo Minist\u00e9rio P\u00fablico de usar identidade falsa, o TJSP informa que o presidente Fernando Antonio Torres Garcia decidiu, hoje (4), suspender administrativamente, at\u00e9 nova ordem, pagamentos de quaisquer naturezas que a ele seriam feitos.
\nO TJSP reitera que h\u00e1 quest\u00e3o pendente de aprecia\u00e7\u00e3o no \u00e2mbito jurisdicional e que o Poder Judici\u00e1rio n\u00e3o pode se pronunciar a respeito de efeitos de eventual condena\u00e7\u00e3o (artigo 36, inciso III, da Lei Org\u00e2nica da Magistratura \u2013 Lei n\u00ba 35\/79, que veda aos magistrados se manifestarem, por qualquer meio de comunica\u00e7\u00e3o, a respeito de processos pendentes de julgamento). Observe-se, por fim, que o processo tramita em segredo de justi\u00e7a”.<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"