RJ2 descobriu que funda\u00e7\u00e3o falida venceu edital ‘atestando’ trabalhos feitos quando estava inativa, e que documento usado para conseguir o contrato com o Fundo da Mata Atl\u00e2ntica foi assinado por homem que hoje \u00e9 o presidente do conselho deliberativo da pr\u00f3pria funda\u00e7\u00e3o. A Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade informou nesta ter\u00e7a-feira (15) que vai abrir uma sindic\u00e2ncia para apurar o contrato com a Funda\u00e7\u00e3o S\u00e3o Francisco de Assis.
\nO an\u00fancio acontece um dia ap\u00f3s o RJ2 denunciar que funda\u00e7\u00e3o, que at\u00e9 pouco tempo era um canil falido, conseguiu um contrato para gerir o Fundo da Mata Atl\u00e2ntica ap\u00f3s apresentar atestados de supostos servi\u00e7os prestados anteriormente, mas num per\u00edodo em que estava inativa.
\nA reportagem (veja no v\u00eddeo e no texto abaixo) tamb\u00e9m revelou que o homem que concedeu um dos atestados, hoje, \u00e9 o presidente do conselho deliberativo da pr\u00f3pria S\u00e3o Francisco de Assis.
\nFunda\u00e7\u00e3o que gere recursos do Fundo Mata Atl\u00e2ntica era canil falido antes de vencer edital
\nVinculado \u00e0 Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, a Funda\u00e7\u00e3o da Mata Atl\u00e2ntica arrecadou quase R$ 400 milh\u00f5es no \u00faltimo ano. A verba \u00e9 de compensa\u00e7\u00f5es ambientais pagas por empresas e que se tornam recursos p\u00fablicos. Quem faz a gest\u00e3o desses recursos \u00e9 a funda\u00e7\u00e3o, uma organiza\u00e7\u00e3o filantr\u00f3pica, sem fins lucrativos.
\nDias de pen\u00faria
\nAntes do novo contrato, a funda\u00e7\u00e3o viveu anos de pen\u00faria e dias de c\u00e3o. As doa\u00e7\u00f5es para os cachorrinhos minguaram enquanto as d\u00edvidas cresceram. Os funcion\u00e1rios foram demitidos at\u00e9 n\u00e3o sobrar ningu\u00e9m.
\n“Tivemos grandes dificuldades em manter\u2026 chegamos a ter 400 cachorros l\u00e1 e gatos. S\u00f3 nos restou, ent\u00e3o, atender do pr\u00f3prio bolso, com dificuldades extremas\u201d, conta Carlos Evaristo da Silva, ex-presidente da funda\u00e7\u00e3o.
\nCarlos Evaristo tentava fechar as portas desde 2009. Mas, como se trata de uma funda\u00e7\u00e3o, dependia de aval do Minist\u00e9rio P\u00fablico. A solu\u00e7\u00e3o foi passar a funda\u00e7\u00e3o a outros controladores, o que ocorreu em 2021.
\nTransforma\u00e7\u00e3o a jato
\nEm 2021, a funda\u00e7\u00e3o foi passada a novos controladores ap\u00f3s um chamado do Minist\u00e9rio P\u00fablico e viveu uma transforma\u00e7\u00e3o r\u00e1pida e controversa.
\nCom a nova gest\u00e3o, a funda\u00e7\u00e3o rapidamente come\u00e7ou a concorrer a contratos milion\u00e1rios no governo do estado \u2013 e ganhar.
\nUm documento, de outubro de 2021, representou a virada de chave. O atestado de capacidade t\u00e9cnica entregue ao governo garantiu \u00e0 funda\u00e7\u00e3o a vit\u00f3ria na disputa para gerir o milion\u00e1rio Fundo da Mata Atl\u00e2ntica. Nele, consta que a funda\u00e7\u00e3o deu consultoria ambiental durante a concess\u00e3o do Campo Ol\u00edmpico de Golfe para a CRF Empreendimento e Participa\u00e7\u00f5es.
\nAtestado de capacidade t\u00e9cnica
\nReprodu\u00e7\u00e3o
\nUm outro documento, que faz parte de um relat\u00f3rio feito pela funda\u00e7\u00e3o e tamb\u00e9m entregue ao Governo do RJ, afirmava que a S\u00e3o Francisco de Assis havia dado a consultoria ambiental durante a concess\u00e3o do Campo Ol\u00edmpico de Golfe, entre 2014 e 2021.
\nCarlos Evaristo, que foi presidente at\u00e9 a troca de gest\u00e3o, em 2021, afirma que n\u00e3o houve nenhum trabalho ambiental nessa \u00e9poca. Ele diz que n\u00e3o havia atividade desde 2015.
\n\u201cTava fechada. Tinha l\u00e1 apenas um vigia. Eu desconhe\u00e7o essa parte. Porque, como n\u00e3o tinha mais o que fazer, entreguei a documenta\u00e7\u00e3o toda \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o do Minist\u00e9rio P\u00fablico.\u201d
\nContradi\u00e7\u00f5es e declara\u00e7\u00f5es
\nA concess\u00e3o do Campo Ol\u00edmpico de Golfe ocorreu em 2018, quando a funda\u00e7\u00e3o estava abandonada e lacrada. Foi o que atestaram agentes do MP em uma vistoria \u00e0 funda\u00e7\u00e3o naquele ano: “Os port\u00f5es de acesso ao im\u00f3vel estavam lacrados com correntes e cadeados, num aspecto de abandono”.
\nAt\u00e9 os atuais gestores se contradizem a respeito do suposto trabalho de consultoria ambiental do campo de golfe.
\nEm novembro de 2021, a nova gest\u00e3o declarou ao governo do estado, em um atestado sobre balan\u00e7os de contabilidade, que a funda\u00e7\u00e3o esteve sem atividades \u2013 inativa \u2013pelos \u00faltimos tr\u00eas anos consecutivos, e que ainda estava retomando as atividades operacionais.
\nO edital de chamamento do governo para gerenciar o Fundo da Mata Atl\u00e2ntica exigia que o candidato tivesse experi\u00eancia pr\u00e9via em gest\u00e3o de projetos ambientais e que comprovasse ter gerido no m\u00ednimo R$ 20 milh\u00f5es em projetos nos dois anos anteriores \u2013 o que seria imposs\u00edvel, j\u00e1 que a pr\u00f3pria funda\u00e7\u00e3o declarou que as atividades estavam interrompidas nos \u00faltimos anos.
\nNa nota desta segunda-feira, procurada pelo RJ2, a funda\u00e7\u00e3o disse que, em 2020, foi reativada e reestruturada, ampliando a atua\u00e7\u00e3o em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s quest\u00f5es ambientais, e que, a partir de ent\u00e3o, se tornou habilitada a participar de concorr\u00eancias de gest\u00e3o de fundos de conserva\u00e7\u00e3o ambiental, como o da Mata Atl\u00e2ntica.
\nS\u00f3 que apenas em 2021 foi assinado com o MP o acordo da reestrutura\u00e7\u00e3o organizacional da funda\u00e7\u00e3o.
\nAtestado assinado por conselheiro
\nOutro fato chama a aten\u00e7\u00e3o: o homem que assinou o atestado de capacidade de t\u00e9cnica que garantiu \u00e0 funda\u00e7\u00e3o o contrato milion\u00e1rio para gerir o Fundo da Mata Atl\u00e2ntica foi Carlos Favoreto, presidente do Campo de Golfe Ol\u00edmpico.
\nHoje, ele \u00e9 tamb\u00e9m presidente do conselho deliberativo da Funda\u00e7\u00e3o S\u00e3o Francisco de Assis. Ou seja, quem afian\u00e7ou a capacidade da funda\u00e7\u00e3o \u00e9 a mesma pessoa que hoje comenda a funda\u00e7\u00e3o.
\nFavoreto \u00e9 engenheiro agr\u00f4nomo e fez carreira em empresas de constru\u00e7\u00e3o civil, saneamento, minera\u00e7\u00e3o e engenharia ambiental.
\nFundo de compensa\u00e7\u00e3o
\nO preside \u00e9 quem assina os relat\u00f3rios de gest\u00e3o do Fundo da Mata Atl\u00e2ntica, que \u00e9 abastecido por empresas que podem causar algum dano ambiental, como mecanismo de compensa\u00e7\u00e3o.
\n\u201cCada empresa, grande, um projeto, faz um EIA-Rima [sigla para Estudo de Impacto Ambiental], e vai 0,5% pro Fundo da Mata Atl\u00e2ntica. Pode e deve ser usado pra cinco coisas: regulariza\u00e7\u00e3o fundi\u00e1ria, instalar sede e subsede, plano de manejo, demarca\u00e7\u00e3o do parque, fiscaliza\u00e7\u00e3o\u201d, explica Carlos Minc, deputado estadual (PSB-RJ) e ex-ministro do Meio Ambiente.
\nO fundo carrega uma responsabilidade enorme, do tamanho de seu cofre: foram quase R$ 400 milh\u00f5es destinados \u00e0 gest\u00e3o operacional apenas em 2024.
\nS\u00f3 que as centenas de milh\u00f5es de reais geridas pela funda\u00e7\u00e3o s\u00e3o dif\u00edceis de achar. No site, h\u00e1 poucas informa\u00e7\u00f5es sobre os recursos, contrariando o que determina a Lei do Fundo Mata Atl\u00e2ntica.
\n\u201cEu vi os relat\u00f3rios, eles s\u00e3o imprecisos, porque grande parte dos projetos fala \u2018em curso\u2019. Mas alguns \u2018em curso\u2019 desde 2017, 2018… N\u00e3o tem uma informa\u00e7\u00e3o clara da onde que vem os recursos e qual \u00e9 o n\u00edvel de andamento. Em muitos parques, falta guarda-parque, falta instrumentos de comunica\u00e7\u00e3o, a demarca\u00e7\u00e3o n\u00e3o foi conclu\u00edda\u201d, questiona Minc.
\nAuditoria ambiental em Arraial do Cabo
\nA suposta consultoria ao Campo de Golfe Ol\u00edmpico n\u00e3o foi a \u00fanica alegada pela Funda\u00e7\u00e3o S\u00e3o Francisco de Assis para ganhar a gest\u00e3o do Fundo Mata Atl\u00e2ntica.
\nA funda\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m afirma ter realizado uma auditoria ambiental no Porto do Forno, em Arraial do Cabo, em apenas dois dias: 31 de setembro e 1\u00ba de outubro de 2021. Um detalhe, no entanto, escapou ao calend\u00e1rio: setembro n\u00e3o tem o dia 31.
\nO valor declarado pelo servi\u00e7o \u00e9 de R$ 3,6 milh\u00f5es, mas no portal da transpar\u00eancia da cidade n\u00e3o h\u00e1 nenhum contrato ou pagamento registrado.
\nA funda\u00e7\u00e3o disse, em nota, que fez levantamento e execu\u00e7\u00e3o da pr\u00e9-auditoria e apresentou projeto de coopera\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica \u00e0 autoridade portu\u00e1ria, mas que, de fato, n\u00e3o houve nenhum empenho ou pagamento \u00e0 funda\u00e7\u00e3o.
\nMudan\u00e7a de sede e aluguel elevado
\nDe uns anos para c\u00e1, a funda\u00e7\u00e3o mudou muito e se mudou. Saiu de um s\u00edtio, em Pedra de Guaratiba, para a Barra da Tijuca. Entre 2023 e 2024, a sala era alugada por R$ 8.450 mensais.
\nEm janeiro deste ano, a funda\u00e7\u00e3o se mudou para o andar de baixo, com o aluguel passando a ser R$ 100 mil por m\u00eas. A propriet\u00e1ria da sala \u00e9 a empresa Lefel Holding e Participa\u00e7\u00f5es, que tem entre os s\u00f3cios Carlos Favoreto, presidente do conselho deliberativo da funda\u00e7\u00e3o.
\nA pol\u00edtica de aquisi\u00e7\u00f5es e contrata\u00e7\u00f5es da pr\u00f3pria funda\u00e7\u00e3o veda a contrata\u00e7\u00e3o de entidades cujos administradores e s\u00f3cios sejam parentes at\u00e9 terceiro grau de conselheiros, diretores, gerentes ou coordenadores da funda\u00e7\u00e3o. No caso de Favoreto, nem parente \u00e9: \u00e9 o pr\u00f3prio presidente do conselho.
\nA funda\u00e7\u00e3o disse, por nota, que a mudan\u00e7a f\u00edsica aconteceu por necessidades estruturais de um espa\u00e7o maior porque outros projetos foram concentrados em um s\u00f3 local. Afirmou tamb\u00e9m que o valor do aluguel retirado do Fundo da Mata Atl\u00e2ntica \u2013 R$ 9 mil \u2013 n\u00e3o foi alterado.
\nVictor Accioly, especialista em Direito Administrativo, comenta: “\u00c9 sempre preocupante uma pessoa jur\u00eddica contratar outra que tenha v\u00ednculo direto. A autocontrata\u00e7\u00e3o \u00e9 sempre um risco.”
\nO que dizem os citados
\nO RJ2 convidou Carlos Favoreto para uma entrevista, mas ele disse que a resposta viria apenas por nota.
\nSobre o aluguel da sala, a Funda\u00e7\u00e3o S\u00e3o Francisco de Assis disse que n\u00e3o h\u00e1 ilegalidade, j\u00e1 que o pre\u00e7o praticado est\u00e1 dentro do valor de mercado e foi aprovado pelo MP. Declarou tamb\u00e9m que, na \u00e9poca em que Favoreto assinou o atestado de capacidade t\u00e9cnica, ele n\u00e3o tinha cargo na funda\u00e7\u00e3o.
\nNa nota, a funda\u00e7\u00e3o negou que tenha elaborado o trabalho de planejamento para a concess\u00e3o do campo de golfe em 2014 \u2013 ao contr\u00e1rio do que declarou ao estado.
\nA funda\u00e7\u00e3o declarou tamb\u00e9m que n\u00e3o era apenas um canil sem trabalhos relacionados ao meio ambiente antes da nova gest\u00e3o assumir. E que antes de ganhar o edital do Fundo da Mata Atl\u00e2ntica, houve dois projetos nesse sentido. O antigo presidente, no entanto, admitiu que n\u00e3o havia nenhum trabalho ambiental (veja a \u00edntegra abaixo).
\nVeja a nota do Governo do RJ:
\n“A Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade informa que a Funda\u00e7\u00e3o S\u00e3o Francisco de Assis participou de um chamamento p\u00fablico em 2021, quando cumpriu os requisitos e foi declarada apta a participar da concorr\u00eancia com base nos dados dispon\u00edveis e nos documentos apresentados. Qualquer indica\u00e7\u00e3o de irregularidade ser\u00e1 investigada com a abertura de um processo administrativo, o que pode descredenciar a institui\u00e7\u00e3o.
\nA secretaria tamb\u00e9m destaca que todos os projetos s\u00e3o aprovados pelos administradores da C\u00e2mara de Compensa\u00e7\u00e3o, tendo ainda a Caixa Econ\u00f4mica como gestora financeira.
\nAtualmente, a Funda\u00e7\u00e3o S\u00e3o Francisco de Assis administra R$ 144,2 milh\u00f5es, incluindo projetos em execu\u00e7\u00e3o como o Programa Estadual de Apoio \u00e0s Reservas Particulares do Patrim\u00f4nio Natural (RPPN) – Fase VI, o fortalecimento das a\u00e7\u00f5es de prote\u00e7\u00e3o, monitoramento e fiscaliza\u00e7\u00e3o nas Unidades de Conserva\u00e7\u00e3o Estaduais e a aquisi\u00e7\u00e3o de ve\u00edculos para Unidades de Conserva\u00e7\u00e3o Municipais.”<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"