Brasil pode se beneficiar com tarifaço de Trump?


No primeiro mandato de Trump, quando o republicano desatou uma guerra comercial contra a China, o Brasil aproveitou a oportunidade para ampliar suas exportações para o país asiático. E agora? Comerciantes canadenses já começaram campanha estimulando a compra de produto nacional após tarifas americanas, mas entrada em vigor de tarifas foi adiada em um mês
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O tarifaço que Donald Trump prometeu durante a campanha à Casa Branca começou a valer parcialmente à 0h desta terça-feira (4/2), com alíquota de 10% sobre mercadorias chinesas que desembarcarem nos Estados Unidos.
México e Canadá, que também seriam alvo de taxação de 25% a partir de terça, viram o prazo ser postergado em um mês depois de negociações com o governo americano.
O Brasil por ora não está no alvo de Trump. Como a guerra comercial aberta entre outros países, o Brasil pode se beneficiar? Saiba mais ao longo deste texto.
A taxação ao México e ao Canadá foram suspensas depois de a presidente do México, Claudia Sheinbaum, e do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, comprometerem-se a reforçar o controle de suas fronteiras para barrar a passagem de migrantes sem documentação e drogas ilegais para os Estados Unidos.
Trump justificou a imposição das tarifas apontando para o suposto papel que os três países desempenham na epidemia de opióides americana.
México e Canadá, segundo ele, estariam permitindo a entrada de fentanil nos Estados Unidos por suas fronteiras e China seria responsável por enviar a matéria-prima para fabricação da droga.
A retórica tem relação com o instrumento que o republicano usou para implementar a medida, a Lei de Poderes de Emergência Econômica Internacional (IEEPA, na sigla em inglês), de 1977, que amplia os poderes do presidente sobre a regulamentação de uma série de transações financeiras em momentos de emergência internacional.
Em seu primeiro dia no cargo, Trump declarou estado de emergência na fronteira sul dos Estados Unidos e, agora, ampliou o escopo para emergência econômica.
Presidente do México negociou adiamento do início da vigência das tarifas
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Levando em consideração as promessas de campanha, o protecionismo da gestão Trump 2.0 promete ser uma versão com anabolizantes da primeira.
Enquanto candidato, o republicano falou em um aumento generalizado das tarifas de importação praticadas pelos Estados Unidos de 10% a 20% para todos os seus parceiros comerciais, de 60% para produtos da China e sobretaxas de mais de 100% em circunstâncias específicas.
As medidas não vieram em enxurrada logo depois da posse, como temiam alguns especialistas, o que nutriu a expectativa de que poderiam ser implementadas de forma mais gradual — e ajuda a explicar por que o dólar tinha perdido fôlego nos últimos dez dias.
O cenário mudou neste fim de semana, com a confirmação do início da vigência das tarifas.
Os mercados reagiram na segunda-feira (3/2), com fortalecimento do dólar e quedas expressivas de bolsas de valores pelo mundo — que, no entanto, foram ligeiramente contidas depois do anúncio da suspensão temporária de tarifas para Canadá e México.
A China reagiu anunciando tarifas de até 15% sobre alguns produtos americanos, como carvão e gás liquefeito de petróleo, e de 10% sobre petróleo, maquinário agrícola, picapes e alguns carros esportivos.
Até o momento, nada concreto em relação ao Brasil foi anunciado pelo presidente americano.
De um lado, alguns especialistas avaliam que o país não é alvo preferencial, porque não tem acordo de livre comércio com os Estados Unidos e tem déficit na balança comercial com o país — ou seja, compra mais produtos dos americanos do que vende para eles.
Trump expressou diversas vezes que enxerga o protecionismo como um mecanismo de correção para o que entende como uma injustiça na forma como o comércio global funciona, associando o déficit que os Estados Unidos têm na balança comercial, que chega a US$ 1 trilhão (R$ 5,8 trilhões), com uma situação em que os países estariam se aproveitando dos americanos.
Por outro lado, o Brasil é membro dos Brics, bloco que o republicano ameaçou com tarifas de 100% caso apoiem qualquer iniciativa de uso de moedas alternativas ao dólar.
Não existe plano de curto prazo para adoção de uma moeda única entre os membros.
Mas os países do bloco têm criado instrumentos para fazer transações comerciais em moeda chinesa, e o banco dos Brics tem concedido empréstimos em moedas alternativas ao dólar.
No primeiro mandato de Trump (2017-2021), quando ele desatou uma guerra comercial contra a China, o Brasil aproveitou a oportunidade para ampliar suas exportações para o país asiático.
E agora?
Bolsas de valores em todo o mundo recuaram em reação às medidas
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‘No longo prazo, todos sairemos perdendo’
De forma geral, a maioria dos economistas tem repetido que a política protecionista de Trump, se implementada de fato, deve ter impacto negativo tanto para os Estados Unidos quanto para o restante das economias no médio e longo prazo.
Olhando inicialmente para o mercado americano, de um lado o aumento de tarifas tende a encarecer os preços de diversos produtos, à medida que as empresas repassarem o aumento de custos para o consumidor final.
Os primeiros candidatos são os produtos agrícolas, já que os estoques de hortifruti rodam mais rápido do que os de produtos industrializados.
Caso as tarifas de 25% postergadas na terça passem de fato a entrar em vigor em um mês, em pouco tempo os americanos veriam avocados, tomates e morangos vindos do México, por exemplo, e a carne importada do Canadá subir de preço nas prateleiras dos supermercados.
Na outra ponta, além do aumento da inflação, as tarifas também podem acabar provocando redução da demanda de outros produtos, aqueles que ficarem caros demais para o bolso de parte dos americanos. Pode ser o caso, por exemplo, dos veículos importados tanto do México quanto do Canadá.
Como a economia global é integrada, ambos os efeitos reverberam em países além dos diretamente envolvidos no conflito.
O aumento da inflação geralmente vem acompanhada de alta dos juros pelo Federal Reserve (o Banco Central americano), o que normalmente encarece o dólar.
Avocado é um dos produtos que devem ficar mais caros nos EUA: 90% do total consumido no país tem origem no México, conforme os dados da USDA
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A redução da demanda por bens importados pelos americanos, por sua vez, significa menos exportações para seus parceiros comerciais.
À medida que esses países retaliam os Estados Unidos, como já sinalizaram Canadá, México e China, as empresas americanas também exportam menos, em um efeito cascata que diminui o fluxo global de comércio.
“Esse é um ciclo de alguns anos que desemboca em uma desaceleração global”, avalia o economista Fabio Silveira, sócio da consultoria MacroSector.
Livio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) e sócio da BRCG Consultoria, cita ainda outro possível efeito que considera especialmente preocupante: uma reação “em cadeia” das tarifas, que vai bem além dos países envolvidos e resvala em um cenário de “tarifação de todos contra todos”, dando início a uma “guerra comercial destrutiva”.
Ele dá um exemplo. O aumento de tarifas contra produtos da China poderia acabar gerando uma “sobra” de manufaturados chineses que chegariam a preços ainda mais baratos em outros mercados, como o Brasil e Alemanha, impelindo esses países a protegerem suas indústrias e a também reagirem com tarifas contra a China.
“No longo prazo, se as coisas continuarem como estão, sairemos todos perdendo no fim do dia”, completa Ribeiro.
Fábrica da GM em Ramos Arizpe, no México: veículos também podem ficar mais caros para o consumidor americano
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Oportunidades de curto prazo?
No curto prazo, contudo, pode haver janelas de oportunidade para o Brasil, avalia Arthur Pimentel, presidente do conselho de administração da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
México, Canadá e China, ele lembra, respondem por cerca de 43% de tudo o que os americanos importam.
“O Brasil pode aproveitar esse vácuo para fortalecer as trocas comerciais com os Estados Unidos”, avalia Pimentel.
Daiane Santos, professora da Faculdade de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), analisou os dados da balança comercial dos Estados Unidos para mapear quais setores poderiam eventualmente se beneficiar.
A especialista em comércio exterior olhou para os dez principais produtos exportados por Canadá e México para o mercado americano e para a pauta de exportação Brasil-Estados Unidos em busca de categorias onde os produtos brasileiros já têm penetração.
“Nas áreas em que o Brasil já tem fornecimento seria mais fácil estreitar a relação, já existe uma porta aberta”, argumenta Santos.
Nesse sentido, ela destaca os segmentos de petróleo, de combustíveis, de ferro e aço e de veículos automotores.
No caso de petróleo e combustíveis, por exemplo, o Canadá exporta 49,5% de tudo o que os Estados Unidos importam nessa categoria e o México, 9,4%, levando em consideração os dados de 2023 disponíveis na base de dados Comtrade.
Ainda que esses produtos tenham sido taxados com uma alíquota menor no caso do Canadá, de 10% (ao lado de outros itens de energia), com uma participação pequena nas importações americanas, de 3,12%, o Brasil poderia tentar aumentar os embarques.
O país tem uma participação maior nas importações americanas de ferro e aço, com 13,77% do total desembarcado.
É outra área em que pode tentar crescer em um eventual vácuo deixado por Canadá, que respondeu por 11,2% das importações desses produtos em 2023, e México (11,3%).
Veículos automotores seriam outra frente na qual o Brasil poderia buscar ampliar as exportações. Enquanto o país responde por 0,34% do total importado pelos Estados Unidos, o México tem uma participação de 34,1% e o Canadá, de 14,8%.
Especialistas veem oportunidade para o Brasil com produtos como o milho
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Livio Ribeiro, por outro lado, vê como limitadas as possibilidades de ampliação das exportações brasileiras para o mercado americano.
“Você tem toda uma estrutura de comércio que foi moldada na América do Norte lá atrás por conta do Nafta e hoje do USMCA”, justifica o economista, fazendo referência ao acordo de livre comércio entre Estados Unidos, Canadá e México.
No caso da cadeia automotiva, ele exemplifica, o parque fabril está espalhado entre os três países por causa do acordo regional de comércio, à semelhança do que acontece no Mercosul, com a cadeia distribuída entre Brasil e Argentina. Por isso, substituir qualquer um dos dois fornecedores não seria fácil.
“Em termos objetivos, se Trump de fato leva a cabo e coloca todas as tarifas, o USMCA acabou”, diz Ribeiro.
“Então, a gente tem que entender onde isso vai parar, se isso vai ser contestado no Congresso americano ou não, se os próprios produtores americanos não vão ‘dar um pulo da cadeira’ — porque, afinal, eles usam partes e peças que vêm do Canadá e do México”, acrescenta o economista.
“Isso é uma profunda desorganização das cadeias produtivas.”
A oportunidade, em sua visão, seria para ampliar ainda mais o comércio com a China, hoje o maior parceiro comercial do Brasil.
Mesmo que o país tenha aproveitado a guerra comercial do primeiro governo Trump justamente para aumentar a corrente de comércio com os chineses e já tenha hoje participação relevante nas importações de produtos como a soja (75% da commodity que chega ao país sai do Brasil), ele acredita que pode haver espaço para ampliar os embarques de outros produtos, como milho e sorgo.
Outro caminho, na avaliação de Fabio Silveira, da MacroSector, seria eventualmente procurar aumentar as exportações para Canadá e México, para ocupar o espaço deixado por produtos americanos se esses países de fato retaliarem o tarifaço de Trump.
O México, ele exemplifica, é o maior comprador de milho americano.
Mercado canadense comunica a interrupção da venda de bebidas americanas — ‘Pergunte-nos sobre ótimas alternativas canadeses e locais’, diz o folheto
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Brasil vai ser taxado?
Apesar de Trump ter mencionado a porosidade das fronteiras de México e Canadá para o fentanil como justificativa para o pacote inicial de tarifas, durante a campanha, ele reiteradamente expressou incômodo com o fato de que os Estados Unidos compram mais desses países do que exportam para eles.
O déficit comercial americano com Canadá e México vem de fato em uma crescente nos últimos anos, observa a economista Daiane Santos, tendo chegado a US$ 76 bilhões (R$ 441 bilhões) em 2023, no caso do Canadá, e US$ 156 bilhões (R$ 905 bilhões), no caso do México.
“Os Estados Unidos têm superávit com o Brasil, então se a justificativa for a tentativa de ‘harmonizar’ a balança comercial, o Brasil não estaria entre as prioridades em termos de tarifas”, avalia Santos.
“A questão da moeda única dos Brics é algo que se estuda há muito tempo, e acho que seja pouco provável que aconteça [no curto prazo]”, completa, justificando por que acredita que o Brasil não seria alvo nesse primeiro momento.
Livio Ribeiro pondera, por outro lado, que o fato de Trump já ter mostrado que as tarifas também podem ser usadas como instrumento de pressão política e não puramente econômico eleva o nível de incerteza.
Justamente pelo fato de o Brasil ser menos expressivo do ponto de vista econômico, ele conjectura, poderia haver um cenário em que poderia ser usado como “exemplo” para outros países, considerados mais relevantes pelos Estados Unidos de Donald Trump.
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