Parente da mandioca e da mamona, árvore amazônica guarda seiva vermelha e poder medicinal


Entre os povos tradicionais, o sangue-de-dragão é usado para tratar feridas, úlceras gástricas e até infecções bacterianas. Uso excessivo e prolongado pode causar efeitos adversos no ser humano. Látex vermelho da árvore Croton lechleri é conhecido como sangue-de-dragão
César María Aguilar Gómez/iNaturalist
De cor intensa e propriedades medicinais promissoras, o látex vermelho da Croton lechleri — conhecido como sangue-de-dragão — guarda uma história cheia de mistério e potencial terapêutico.
Essa árvore majestosa, nativa da América do Sul, pode atingir até 20 metros de altura e é facilmente reconhecida pelas folhas em formato de coração e pela resina que é liberada quando seu tronco é cortado.
A espécie pertence à família Euphorbiaceae, mesma da mandioca e da mamona. No Brasil, sua ocorrência natural é restrita ao Acre, mas ela também é encontrada na Bolívia, Colômbia, Peru e Equador.
Espécie pertence à família Euphorbiaceae, a mesma da mandioca e da mamona
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A principal atração da Croton lechleri é seu látex vermelho translúcido, composto por substâncias químicas como polifenóis, diterpenos e alcaloides — sendo a taspina o mais concentrado deles.
Segundo a botânica Carol Ferreira, as propriedades medicinais anti-inflamatórias, analgésicas e cicatrizantes conhecidas podem estar relacionadas a esses compostos.
“Na medicina tradicional amazônica, o sangue-de-dragão é usado para tratar feridas, úlceras gástricas e até infecções bacterianas. Estudos in vitro reforçam seu potencial, mostrando efeito cicatrizante, anti-inflamatório, antitumoral e antibacteriano — especialmente contra a Helicobacter pylori, uma bactéria que se localiza no estômago do ser humano”, explica a especialista.
Na medicina tradicional amazônica, o sangue-de-dragão é usado para tratar feridas, úlceras gástricas e até infecções bacterianas
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Ainda assim, Carol alerta para a necessidade de estudos mais completos que mostrem as doses corretas, a toxicidade e os efeitos na saúde humana.
“O uso excessivo e prolongado pode causar efeitos adversos como anemia, prisão de ventre e, em casos extremos, cegueira”, destaca Carol. Como as pesquisas clínicas ainda são escassas, o uso deve ser cauteloso.
Cultivo e cuidado com a extração
O ambiente ideal para o crescimento da árvore são solos férteis e úmidos, à margem de rios e riachos.
“Ela é considerada uma espécie florestal pioneira, podendo ser integrada a sistemas agroflorestais e jardins domésticos”.
Ambiente ideal para o crescimento da árvore Croton lechleri são solos férteis e úmidos, à margem de rios e riachos
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De acordo com Carol, a extração sustentável do látex é fundamental para preservar a planta.
“Para evitar a derrubada da árvore, a coleta pode ser feita com pequenos cortes em formato de espinha de peixe no tronco”, ensina Carol, com base em orientações do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Além disso, é obrigatório obter licença de manejo junto a órgãos ambientais antes de qualquer extração.
Outro alerta importante é sobre a adulteração: alguns vendedores misturam resinas de outras plantas, o que pode ser perigoso para a saúde. “Um teste simples é esfregar o látex no braço; se formar uma espuma cremosa abundante, é sinal de que é puro”, recomenda Carol.
Árvore sangue-de-dragão é facilmente reconhecida pelas folhas em formato de coração
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Entre lendas e confusões botânicas
A seiva vermelha não é exclusividade da Amazônia. O nome sangue-de-dragão também é usado para outras plantas, como a Dracaena cinnabari, da ilha de Socotra, no Iêmen, espécie famosa desde a Antiguidade e ameaçada devido as mudanças climáticas, pastoreio excessivo e exploração madeireira.
A ilha é apelidada de “Galápagos do Índico”, pois abriga várias espécies de plantas e animais endêmicos.
A árvore sangue-de-dragão que ocorre na Amazônia é muito confundida com a sangue-de-dragão (Dracaena cinnabari) que ocorre na ilha de Socotra, no Iêmen (foto)
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“Embora a origem mais antiga do nome venha da ilha de Socotra, várias espécies de famílias diferentes produzem resinas avermelhadas e são chamadas assim”, explica Carol.
Existem ainda lendas fascinantes sobre a origem da seiva vermelha. No hinduísmo, ela seria fruto da batalha entre um dragão e um elefante.
Já na mitologia grega, teria surgido do sangue do dragão Ladon, morto por Hércules ao roubar as maçãs de ouro do Jardim das Hespérides.
Existem lendas fascinantes sobre a origem da seiva vermelha no hinduísmo e na mitologia grega
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Enquanto isso, a Dracaena cinnabari enfrenta ameaças sérias em seu habitat, principalmente devido às mudanças climáticas, à exploração madeireira e ao pastoreio excessivo.
O futuro do sangue-de-dragão
O interesse comercial pelo sangue-de-dragão vem crescendo, o que acende um alerta para práticas predatórias.
“Em algumas regiões, já há relatos de extrativismo excessivo, o que pode ameaçar a biodiversidade local”, aponta Carol.
Para combater isso, parcerias entre comunidades, ONGs, setor privado e órgãos governamentais são essenciais para incentivar o manejo sustentável.
Sangue-de-dragão é uma árvore majestosa, nativa da América do Sul e que pode atingir até 20 metros de altura
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E o futuro é promissor: além dos usos tradicionais, novos estudos têm investigado aplicações inéditas da planta.
“Existe um medicamento experimental derivado do Croton lechleri em fase de testes clínicos para tratar a diarreia relacionada à AIDS”, revela Carol.
Se confirmados, esses resultados podem colocar o sangue-de-dragão no centro de avanços importantes da medicina natural.
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