Adepol pede afastamento do delegado-geral de Polícia Civil e mais denúncias revelam situação crítica nas delegacias do AC


Associação afirmou que “conduta ilibada” é essencial para quem está à frente da Polícia Civil e pediu do MP e Aleac ‘posicionamento mais enérgico’. José Henrique Maciel foi denunciado por tráfico de influência, assédio moral e sexual, além de perseguições dentro da corporação
Dhárcules Pinheiro/Sejusp
Nos últimos dias, o cenário da Polícia Civil do Acre tem sido marcado por denúncias que levaram a Associação dos Delegados de Polícia Civil do Acre (Adepol-AC) a pedir o afastamento do delegado-geral, José Henrique Maciel.
Em nota, a entidade manifestou seu descontentamento e declarou que vai buscar o Ministério Público do Acre (MP-AC) e a Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) para um “posicionamento mais enérgico” sobre os problemas que assolam a instituição.
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O MP-AC informou que está à disposição e aguarda o envio das informações pela Adepol. O g1 também entrou em contato com a Aleac para saber se tem conhecimento sobre a nota da associação e se vai tomar alguma medida e aguarda resposta até última atualização desta reportagem.
A Adepol enfatizou a necessidade de gestores públicos apresentarem conduta ilibada e condenou qualquer ato que vá contra os interesses dos delegados e da instituição. (veja nota na íntegra abaixo)
“Em relação a esses fatos trazidos a público na Assembleia Legislativa e publicados na imprensa, a categoria deliberou de forma uníssona por procurar junto à mesa diretora da Aleac e o Ministério Público informações para um posicionamento mais enérgico. A categoria entende que para o exercício da função pública a conduta ilibada é essencial e sua ausência implica falta de representatividade e total incompatibilidade com o que se espera de quem está à frente dos rumos da Polícia Civil”, disse a nota.
No último dia 20, o MP-AC instaurou um procedimento de notícia de fato para apurar denúncias de de possíveis irregularidades na utilização de veículos acautelados pela Justiça à Polícia Civil. A decisão, assinada pelo promotor de Justiça Rodrigo Curti, e publicada no Diário Oficial Eletrônico do MP-AC desta sexta, diz que o procedimento é para fins de “comprovar ou não a existência de indícios de irregularidades possíveis irregularidades” na utilização destes veículos.
O procedimento foi instaurado e também faz menção à reportagem do g1 publicada no dia 19 de outubro, onde foi veiculada uma conversa gravada entre um agente de Polícia Civil e o delegado, que também fala sobre a utilização destes veículos.
O ano foi 2020 e o agente foi chamado após ser ouvido em uma investigação sobre um suposto esquema de ‘rachadinha’ feito por Maciel, mas que foi arquivada. Ele chegou a ser afastado da delegacia geral por dois anos, mas retornou em 2022.
Em vídeo transmitido na Aleac, deputada Michele Melo denunciou condições de delegacias
Mais denúncias
A deputada estadual Michele Melo (PDT) fez novas denúncias a respeito da Polícia Civil do estado durante sessão dessa quarta-feira (25) na Assembleia Legislativa do Acre, acrescentando ainda mais combustível a essa polêmica.
A parlamentar exibiu vídeos que revelam condições precárias nas delegacias do estado. As imagens demonstram a ausência de água nos bebedouros e a falta de papel higiênico nos banheiros de várias repartições policiais. Michele denunciou ainda a falta de infraestrutura e negligência com os veículos oficiais da Polícia Civil.
“Recebemos a denúncia dos agentes, peritos, policiais, de que nas repartições não havia água nos bebedouros, não havia papel higiênico nos banheiros, falta de infraestrutura e nós fomos em loco comprovar. Como vocês podem ver, nós temos um verdadeiro descaso com algumas repartições da Polícia Civil. De fato, nós comprovamos que na Delegacia da Mulher não havia papel higiênico, nem água nos bebedouros. Na polícia científica, nós encontramos carros da polícia criminal totalmente a mercê do tempo, sem manutenção. Encontramos uma Polícia Civil sem cuidado e sem infraestrutura”, declarou a deputada.
A Polícia Civil informou que as novas denúncias feitas pela deputada são “inverdades” e que, pode ser que tenha acontecido “de forma pontual” de faltar água ou papel higiênico em delegacia que não tenha requisitado esses insumos ao departamento responsável.
“Não procede essa informação. Com relação à infraestrutura, nos últimos dois anos, a Polícia Civil com o apoio do Governo do Estado foi uma das forças de segurança que mais construiu prédios públicos. Teve a construção da Deam, que é um prédio referência no Estado, teve a construção da delegacia de Manoel Urbano, a construção da delegacia de Sena Madureira, teve a delegacia da Mulher em Cruzeiro do Sul, e a delegacia de Mâncio Lima. Todas as regiões foram contempladas com delegacias novas e as que não foram contempladas, foram reformadas ou estão sendo, como é o caso de Rodrigues Alves. Então, a deputada falta com a verdade e ela não mostra o que temos de bom na instituição Polícia Civil”, afirmou a assessoria.
Mais denúncias revelam situação crítica nas delegacias do Acre
Reprodução
Um funcionário da Polícia Civil no interior do Acre, que preferiu não ser identificado, expôs a difícil realidade da delegacia de Sena Madureira. Segundo ele, a unidade enfrenta uma escassez de recursos básicos, como falta de um escrivão de carreira, interrupção no fornecimento de internet e instabilidade no sistema elétrico.
“Estamos sem escrivão de carreira na delegacia de Sena Madureira. Mesmo caso de Cruzeiro do Sul. Tivemos o fornecimento de internet interrompido meses atrás, creio eu por falta de pagamento. Desde que fui admitido na instituição ainda não se resolveu o fornecimento de água potável, o sistema elétrico da unidade também não tem estabilidade e vi muito condicionadores de ar avariados. Conseguimos a doação de internet por alguns meses de um empresário local. Também falta impressoras e computadores em alguns setores da unidade”, disse o servidor.
Governo não vai exonerar delegado
No início da semana, em nota, o governo voltou a defender o delegado-geral e declarou que não há há qualquer decisão ou tratativa, no âmbito do Sistema de Segurança Pública e do Gabinete do governador, para exoneração.
“Qualquer mudança na equipe de governo só será feita a partir de deliberação do governador do Estado do Acre, Gladson de Lima Cameli, a quem compete, constitucionalmente, o poder e a determinação para admissão, designação ou demissão de membros do seu secretariado. Informa ainda que não procedem especulações sobre a demissão ou substituição do delegado-geral de polícia, Henrique Maciel”, diz a nota.
Procedimento do MP-AC
No procedimento instaurado o MP-AC, foi solicitado pela Promotoria de Justiça Especializada de Tutela do Direito Difuso à Segurança Pública, em um prazo de 10 dias, as seguintes informações à Direção Geral de Polícia Civil:
Relação de todos os veículos acautelados com a especificação das placas, dos modelos, dos locais onde se encontram, a finalidade da utilização e os nomes e lotação dos servidores responsáveis;
Cópia da legislação e/ou de atos administrativos que disciplinem a utilização desses veículos.
Denúncia
O delegado-geral de Polícia Civil José Henrique Maciel é alvo de denúncias de tráfico de influência, assédio moral e sexual, além de perseguições dentro da corporação. A deputada Michelle Melo (PDT) apresentou, também em sessão na Aleac do dia 18 de outubro, documentos que mostram o pagamento de R$ 211 mil solicitados de maneira indevida por Maciel. Ele nega.
Conforme os relatos apresentados pela parlamentar, em 2018, quando ainda não era delegado-geral, Maciel redigiu uma petição inicial para receber por 13 dias de férias das quais ele não usufruiu. Quando a Justiça retornou a solicitação, Maciel informou que desejava desistir da ação. Em 2020, ainda conforme a denúncia, ele conseguiu um acordo extrajudicial com a Procuradoria Geral do Estado (PGE-AC) para receber a quantia.
De acordo com Michelle, essa movimentação mostra que o delegado quis “furar a fila” dos precatórios. Geralmente, os precatórios são pagos a servidores quando eles se aposentam e ainda possuem férias ou licenças das quais não usufruíram, e existe uma ordem para esse pagamento, e os servidores precisam aguardar a vez.
A Polícia Civil divulgou uma nota, assinada por Maciel, na qual repudiou as alegações feitas pela deputada. A publicação negou que os recursos recebidos pelo delegado sejam precatórios.
“Esclareço, que não recebi nenhum valor por meio de precatórios. Na verdade, foi celebrado um acordo extrajudicial com a PGE, no segundo semestre de 2020, oportunidade em que foram auferidos valores, objeto de uma ação judicial no ano de 2018. Insta ressaltar que os acordos extrajudiciais são oferecidos pela PGE a todos os servidores públicos que demandam o Estado e não foi uma ação isolada para benefício próprio, como declarou a deputada”, diz o texto.
Após as denúncias, a reportagem entrou em contato com o governo para questionar se tem conhecimento e se alguma investigação foi iniciada, mas, segundo a assessoria do governo, a nota do delegado-geral já condiz com o posicionamento da gestão. Sobre medidas administrativas que podem ser tomadas, o governo não respondeu.
Áudio
Áudios revelam conversa entre delegado-geral e servidor da Polícia Civil
O g1 teve acesso a uma série de denúncias envolvendo o delegado-geral, desde assédio moral à perseguições dentro da Polícia Civil.
Na época, mesmo diante dos impasses, o governo disse em nota que confiava na idoneidade e competência do delegado-geral para exercer a direção da Polícia Civil. No áudio que o g1 teve acesso, o delegado intimida o servidor dizendo que tem informações de supostas irregularidades que ele não foi atrás, diz que vai transferir delegados e que não há ninguém para ir contra ele, que é o delegado geral. (Ouça trechos acima)
Uma sequência de áudios mostram o delegado falando frases do tipo:
“Tu [agente] de férias abasteceu o carro [viatura]. Eu tenho documento, cara e eu não fui atrás disso, fora as coisas que eu não fui atrás”
“Pedro Henrique [delegado] não movi uma palha contra ele, tenho provas e não é pouca não, mas são muitas. Eu dou oportunidades”
“Nenhum agente vai querer enfrentar o delegado -geral por besteira, não existe”
“Posso te pegar, ter um dinheiro no orçamento, ir pegar tua ficha, ver onde fez tua opções e te jogar em um município desse aí, Thaumaturgo, Porto Walter, não posso? Mas, não fiz. Tiro R$ 8 a R$ 10 mil do orçamento e pago, vai atrapalhar tua vida para c…”
“Na Defla eu ia te tomar aquele carro, o delegado-geral da Polícia Civil ia te tomar aquele carro, porque aquele carro tá no nome da Polícia. Não tem negócio de cautela, tá no nome da polícia e quem é o representante da polícia, aqui, o papai. Eu sou representante da polícia. Ainda não usei o meu peso da caneta de delegado-geral, não. Tu tem uns 3 anos da polícia, por aí, estou só te dizendo um seguinte. Acho isso uma sacanagem [denúncia rachadinha], sem prova nenhuma, até porque se tivesse prova, já tinham colocado na imprensa pra me f… Eu não gosto de deslealdade”
Além disso, na denúncia recebida pelo g1, há notícias de servidores afastados com problemas psicológicos que sofreram assédio moral e também sexual.
E assim, como ele mesmo diz em um dos áudios que pode transferir o servidor para atrapalhar a vida dele, as informações apontam que ele faz isso com certa frequência, como forma de demonstrar poder. A denúncia também aponta que existe uma esquema para que as coisas ocorram de forma sigilosa e abafar impasses.
Sobre essas denúncias, Maciel também nega qualquer prática inadequada. Ele confirmou ter conversado com o servidor sobre a denúncia de rachadinha, mas disse que, à época, seu objetivo era saber quais eram as alegações contra ele. Ainda conforme o delegado-geral, as denúncias eram infundadas, e que a conversa foi gravada sem seu consentimento.
Em relação aos relatos de que persegue servidores que discordam dele e de assédio moral e sexual, ele também nega. Maciel afirmou não ter conhecimento dos casos, e disse que precisaria saber quem é cada servidor para esclarecer o que houve. Ele argumenta ainda que, muitas vezes, conversas rotineiras com servidores podem ser entendidas como assédio.
Após a publicação da reportagem, a Associação dos Delegados de Polícia Civil do Acre (Adepol-AC) publicou uma nota pública repudiando os diálogos dos áudios. Já o Sindicato dos Policiais Civis do Acre (Sinpol-AC) disse que situação deve ser devidamente apurada.
Nota da Adepol na íntegra
A Associação dos Delegados de Polícia Civil do Acre – ADEPOL/AC, reunida em assembleia extraordinária na manhã desta terça-feira, com o objetivo de se posicionar acerca das graves notícias envolvendo a gestão da Polícia Civil, com participação recorde dos seus membros, deliberou à unanimidade por desaprovar propostas que são contrárias aos interesses dos delegados e da instituição, além de reforçar a sua postura de intransigente oposição a favorecimentos e atos não condizentes com a figura de um gestor público.
Em relação a esses fatos trazidos a público na Assembleia Legislativa e publicados na imprensa, a categoria deliberou de forma uníssona por procurar junto à mesa diretora da Aleac e do Ministério Público informações para um posicionamento mais enérgico.
A categoria entende que para o exercicio da função pública a conduta ilibada é essencial e sua ausência implica falta de representatividade e total incompatibilidade com o que se espera de quem está à frente dos rumos da Polícia Civil.
VÍDEOS: g1

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