Mais de mil pessoas estão na fila por atendimento psicológico em Rio Branco e MP monta relatório sobre saúde mental no estado


Busca por atendimento psicossocial aumentou após pandemia, avaliam autoridades. O MP, por meio do Natera, tem se reunido com estado e município. Mais de mil pessoas estão na fila por atendimento psicológico em Rio Branco e MP monta relatório sobre saúde mental no estado
Tácita Muniz/G1
O período pós-pandemia aumentou os casos de depressão em todo país. Uma pesquisa da Covitel, no ano passado, mostrou que a doença aumentou em 41% em todo o país e esse impacto pôde ser visto no número de atendimentos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), por exemplo. No Acre, com o objetivo de mensurar isso e também pontuar melhorias no atendimento psicossocial do estado e município, o Ministério Público Estadual (MP-AC) elaborou um documento que quantifica o aumento dessa demanda no estado.
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O Núcleo de Apoio e Atendimento Psicossocial (Natera) fez um estudo sobre esse aumento. Segundo os dados, o Samu atendeu, em 2019, 18 mil chamados relacionados à saúde mental. Já em 2021, esses registros aumentaram para 21.195. Porém, no ano passado, esses chamados fecharam em 31.757 – um aumento de 50% em um ano.
A coordenadora administrativa do Natera, Bruna Oliveira, pontua que durante a apuração para o levantamento, o que foi percebido é que essa rede de atendimento, que começa nas pontas, no atendimento primário, precisa ser fortalecida.
“Como nosso núcleo é de apoio e assistência psicossocial, recebemos muitas pessoas e famílias que vêm à procura de internações compulsórias, que vêm atrás de uma solução para questões de saúde mental, porém, a gente tem visto que a judicialização desses casos não é suficiente. A gente tem visto que a rede de atendimento à saúde mental está bem fragilizada, a própria política estadual de saúde mental está fragilizada”, pontua.
Saúde municipal tem cerca de mil pessoas aguardando atendimento psicológico
Saúde Municipal
Mil pessoas na fila
Antes de chegar aos casos graves, esse paciente pode e deve contar uma rede de apoio psicossocial e de saúde que deve ser oferecida ainda na atenção primária. Analdemyra Moreira, coordenadora da rede de atenção psicossocial da Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco, pontua que existem algumas portas de entradas no serviço, mas garante que a demanda é muito maior do que o que é oferecido.
Segundo ela, é inegável que a pandemia puxou esse aumento e agora, em parceria com o Ministério Público, estão correndo atrás de se adequar e atender os casos que cabem ao setor primário. Com oito psicólogos atendendo em unidades de referência em saúde na capital, ela diz que há uma fila de mil pessoas aguardando o serviço, algumas delas esperando há 3 anos pelo atendimento.
“Hoje temos uma média de mais de mil pessoas aguardando na fila de atendimento psicossocial. Com relação ao atendimento da psicologia específico, nós temos uma nota técnica que as psicólogas devem usar e aí a gente estima quantos atendimentos aquele paciente pode precisar e depois desse tempo, continuam sendo acompanhados até serem liberados”, explica.
A permanência dessa pessoa nesse atendimento depende do diagnóstico e o tempo adequado para cada quadro. Desta fila, segundo a coordenadora, há pacientes aguardando atendimento desde 2020.
Capacitação
Nos casos graves, de surtos e crises, a porta de entrada é no Samu. Bruna Oliveira, do Natera, disse que o primeiro relatório foi feito na rede de urgência e emergência porque foi detectado que o paciente era atendido no Samu, estabilizado, mas, para seguir o tratamento havia alguns empecilhos. Então, o objetivo é melhorar toda a rede e não apenas um atendimento isolado.
“Em muitos dos casos, quando o Samu atendia, havia o primeiro atendimento, mas chegava na UPA os profissionais não tinham habilidades para lidar com uma pessoa que chegou lá como tentativa de suicídio, por exemplo. O médico muitas vezes dava uma medicação e alta. O que acontece? No dia seguinte, a pessoa estava lá novamente”, pontua.
Bruna diz que, seguindo o fluxo corretamente, ao ser estabilizado e fazer os primeiros exames em uma unidade de saúde, esse paciente precisa ser encaminhado para acompanhamento.
“A pessoa precisa de um atendimento mais especializado com psiquiatra e precisa dar continuidade a esse atendimento. O profissional da UPA vai regular o paciente para os leitos de saúde mental que ficam no pronto-socorro, mas muitos não chegam a ser regulados e não passam por avaliação psiquiátrica”, destaca.
Falta medicamentos importantes no Hospital de Saúde Mental do estado
Reprodução/Rede Amazônica Acre
Falta de estrutura
Há 18 leitos de saúde mental no pronto-socorro de Rio Branco, sendo oito masculinos, seis femininos e quatro destinados a adolescentes. Com relação a psicólogos no estado, são 54, e cinco psiquiatras.
Já no Hospital de Saúde Mental do Acre, que fica em Rio Branco, só no passado foram 30.156 atendimentos, entre consultas ambulatoriais, atendimentos de emergência, internações, atendimento com psicólogos e atendimento de serviço social.
Porém, em relação ao estado, essa estrutura ainda deixa a desejar. “Nos leitos também há dificuldades, falta de equipe, a estrutura dos leitos acaba sendo insuficiente. Há ainda o fato desse leitos serem de porta aberta, que não podem prender o paciente, e a gente vê que a equipe não tem preparo para dar atenção ao paciente, que muitas vezes sai de lá e a equipe não vê. Não tem um certo manejo em saúde mental, estava faltando medicamentos, medicamentos importantes para estabilização de casos em crises. Imagina, se no leito de saúde mental está faltando medicamento, como a pessoa vai estabilizar”, destaca Bruna.
Além disso, foi constatado internações muito breves, que fogem da orientação. “Não precisa nem ser especialista para entender que um medicamento, para ele começar a fazer efeito, ele leva um certo tempo, então como que em menos de 48 horas, um paciente recebe uma alta, sendo que o próprio remédio psiquiátrico não começou nem fazer efeito. Então, tem certas condutas médicas que a gente também descreveu que precisavam ser analisadas, então, em cada dispositivo desse a gente conseguiu identificar muitas falhas e muita necessidade”, reforça.
Exemplo disso, é que em maio deste ano, o Hosmac chegou a ter falta de dez tipos de medicamentos. De Sena Madureira, interior do estado, uma paciente, que preferiu não se identificar, conversou com a equipe da Rede Amazônica Acre e relatou o sufoco enfrentado. Ela saiu de casa para pegar medicação no Hosmac, mas, ao chegar na unidade, soube que não havia remédio e teve que voltar de mãos vazias.
“Estou em crise porque é muito caro esse remédio e não tenho. Tomo seis tipos de remédios e vitaminas e tenho um só”, criticou na época.
Rede primária fragilizada
Essa alta demanda no setor de alta complexidade, segundo Bruno, também é reflexo da fragilidade no setor primário, visando a prevenção e acompanhamento dos casos.
“O que também interfere nessas questões de rede de urgência e emergência, a própria rede de atenção primária elas estão bem precarizadas. Ainda não aderiram na questão da saúde mental, da prevenção e, quando esses casos não são vistos na atenção primária, eles explodem apenas na média e alta complexidade, que é o que tem acontecido no nosso estado. E nossa intenção é fazer esse mesmo trabalho na porta das unidades primárias para fazermos o mesmo trabalho com a secretaria municipal de saúde em Rio Branco, queremos mostrar números, dados e melhorar essa política pública voltada para a saúde mental. Muitos casos podiam ser atendidos na atenção primária se ela tivesse sido organizada, mas o Estado acaba atendendo tudo.
Veja como funciona o atendimento de saúde mental no Estado e Município
Reprodução/MP-AC
Alta demanda
Analdemyra Moreira, coordenadora da rede de atenção psicossocial da Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco reconhece a alta demanda, mas esclarece também que há um esforço da rede municipal de atender esses pacientes. Segundo ela, está previsto a contratação de, pelo menos, 10 psicólogos a mais para reforçar essas equipes.
“Há casos graves atendidos pela rede de atenção psicossocial que é pelo CAPs Samaúma, que atende casos graves e persistentes. Quando uma pessoa está em sofrimento intenso e é atendida pelo Samu, ela sai de lá do PS ou das UPAs, com encaminhamento para serviço especializado. E o Caps Samaúma é porta aberta, ao chegar lá, a pessoa passa pelo atendimento e fazem encaminhamento”, pontua.
Além dessas consultas, há também grupos terapêuticos e atividades complementares que são executadas por multiprofissionais.
“Nossa oferta é pequena porque realmente aconteceu um episódio. Não estamos de braços cruzados, mas, infelizmente, por conta da pandemia essa situação se agravou muito.
Há também o serviço para atender pessoas em situação de rua, em uso de álcool, crack e outras drogas, que são concentrados no Consultório na Rua, que faz atendimentos itinerantes e no Centro Pop.
MP entregou relatório a representantes da saúde
Clóvis Pereira/MP-AC
Restruturação da rede psicossocial
O tema foi alvo de debate em audiência pública na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) e também o relatório foi entregues às autoridades de saúde, entre elas, o secretário da pasta, Pedro Pascoal, que reconheceu que é preciso uma reformulação e atenção maior a esse serviço no estado.
O gestor diz que a saúde mental foi esquecida pelo poder público e que agora é necessário ter esses números para reavaliar o serviço.
“A saúde mental é subdimensionada e temos menos profissionais do que precisamos, e, a nível nacional, nós levantamos que essa situação de falta de capacitação, treinamento e até mesmo estruturamento da rede psicossocial é uma realidade. A rede de cuidados psicossociais foi, de certa maneira, esquecida. Tivemos agravamento durante e pós pandemia, que estão deixando sequelas na população e agora é o momento para reavaliar fluxos, talvez organizar unidades, organizar algumas unidades assessoras, unidades extras, Hosmac, trabalhar a política antimanicomial. Enfim, é um trabalho conjunto entre MP, secretaria de Saúde e um ponto que estou vendo muito é que o Ministério Público vem se tornando cada vez mais parceiro”, avalia.
10 anos de Natera
O Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) celebrou este ano os 10 anos de criação do Núcleo de Apoio e Atendimento Psicossocial (Natera). O órgão auxiliar atua no atendimento de pessoas, famílias e grupos que tem questões relacionadas ao uso prejudicial e/ou abusivo de álcool e outras drogas, bem como demais questões de saúde mental e outras vulnerabilidades e riscos sociais que afetam a dimensão psicossocial.
Criado pelo Ato n. 33/2013 da Procuradoria-Geral de Justiça do MPAC e instituído pela Lei Complementar n. 291/2014, o Natera não substitui os serviços públicos de proteção social ou de atenção psicossocial, mas trabalha em conjunto com as redes de atendimento para aproximar a demanda identificada aos órgãos de atendimento do poder executivo.
Nos últimos três anos até o começo de 2023, o Natera fez mais de 8,3 mil atendimentos. Sendo que em 2022, esse número também bateu recorde, com 4.386 atendimentos.
VÍDEOS: g1

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