Obra de Chico Buarque guia atriz Kelzy Ecard em ‘Meu caro amigo’, monólogo musical sobre uma polarização familiar


Kelzy Ecard protagoniza ‘Meu caro amigo’ como Norma, professora de história cuja vida tem como trilha sonora as músicas de Chico Buarque
Renato Mangolin / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE MUSICAL DE TEATRO
Título: Meu caro amigo
Texto: Felipe Barenco
Direção: Joana Lebreiro
Direção musical: Marcelo Alonso Neves
Elenco: Kelzy Ecard e João Bittencourt (piano)
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ O panorama político brasileiro dos últimos anos tornou o texto de Meu caro amigo mais atual em 2025 do que quando o monólogo musical entrou em cena em 2009.
O texto do dramaturgo Felipe Barenco expõe quadro de polarização familiar que evolui ao longo de seis décadas. O embate entre a professora de história Norma e o pai, militar conservador que apoiou a ditadura de 1964, tem como trilha sonora o cancioneiro de Chico Buarque, cantor e compositor fundamental da MPB e uma das vozes que mais tem se levantado, através da música, contra a tirania.
Em cena, emoldurada pela cenografia adornada por Dani Vidal e Ney Madeira com capas de álbuns do artista carioca, Norma habita a pele de Kelzy Ecard, atriz de grande carga dramática.
De volta ao cartaz na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em temporada no Teatro Firjam Sesi Centro que se estenderá até 25 de fevereiro, às segundas e terças-feiras, Meu caro amigo se escora no cancioneiro do compositor e no talento de Ecard, que canta Chico com o toque do pianista João Bittencourt, astuto ao imprimir tom jazzy no Samba do grande amor (1983).
Compositor que esculpiu obra de arquitetura teatral com precisão de ourives, Chico Buarque é o autor de canções vocacionadas para atrizes e cantoras – traço que potencializa a aptidão de Kelzy Ecard para interpretar a obra do compositor.
Aberto com Valsa brasileira (Edu Lobo e Chico Buarque, 1988), o roteiro musical do monólogo Meu caro amigo é degustado por Kelzy Ecard em tempo de delicadeza que se afina com a sensibilidade da direção de Joana Lebreiro.
E, por ser atriz, Ecard alcança os momentos de maior brilho quando dá voz a músicas mais densas como Olha, Maria (Antonio Carlos Jobim, Chico Buarque e Vinicius de Moraes, 1970), Valsinha (Chico Buarque e Vinicius de Moraes, 1970), Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973), Eu te amo (Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1980) – esta cantada pela intérprete na escada, à beira do palco – e Todo o sentimento (Cristovão Bastos e Chico Buarque, 1987), canção revivida na fase final do roteiro, como a trilha do arremate da relação difícil entre pai e filha.
A voz de Chico Buarque também é ouvida no espetáculo Meu caro amigo através da reprodução, em off, de trechos de gravações de músicas como a marcha A banda (1966) e a valsa João e Maria (1977, em dueto com Nara Leão).
Seja cantando o samba Quem te viu, quem te vê (1966) com a voz de uma menina de 12 anos, seja pontuando a letra de Mil perdões (1983) com cacos que marcam posição contra a violência conjugal sofrida pelas mulheres, Kelzy Ecard acompanha o arco da vida da personagem Norma com habilidade e a notória vocação para a cena.
Neste solo, cujo texto foi atualizado para abarcar os acontecimentos políticos de 2016, a atriz cumpre a sina divina de cantar Chico Buarque com reverência, mas também com a intimidade de detectar no compositor um caro amigo que sempre ofereceu a palavra certa, ao longo dos últimos 60 anos, para amenizar crises pessoais, familiares e políticas.
Kelzy Ecard canta músicas como ‘Mil perdões’ no monólogo ‘Meu caro amigo’, em cartaz no Rio de Janeiro às segundas e terças-feiras
Renato Mangolin / Divulgação
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