Gematria da Pobreza no Brasil

Gematria da Pobreza no BrasilImagem criada por IA

“A riqueza de uma nação é medida pelo que seus cidadãos produzem, não apenas em termos absolutos, mas em relação ao que outras nações conseguem.” – Adam Smith

A gematria, conceito forjado na tradição judaica, atribui valores numéricos às palavras para extrair significados ocultos ou conexões simbólicas. Neste artigo, tal ideia funciona como uma metáfora vigorosa: convida-nos a decifrar a “matemática” das políticas públicas e seus impactos sociais, como se cada dado fosse uma letra dotada de valor próprio, exigindo interpretação atenta para revelar verdades profundas sobre o desenvolvimento nacional. À semelhança do procedimento na gematria tradicional, onde cada letra pode desvelar sentidos que, à primeira vista, escapam à nossa percepção, estatísticas sobre investimentos, pobreza e políticas sociais no Brasil despontam como cifras que, devidamente interpretadas, podem expor tanto o impulso real de nosso progresso quanto retrocessos cuidadosamente disfarçados.

Paremos de nos iludir: há um indicador supremo que, com a exatidão de um relógio suíço, mede a confiança do mundo em nossa nação – a taxa de câmbio. Ela é o eco dos anseios de prosperidade, mas também do temor de que dívidas fiquem impagas, leis não sejam cumpridas e a competitividade seja apenas um mito. Quando uma moeda se corrói ao longo do tempo, não se trata de um sacrifício patriótico, mas de um alerta cristalino de desconfiança.

Imagine a hipótese de um respeitado fundo de pensão norte-americano, o “Global Secure Fund”, que em 2013 investiu US$ 30 bilhões no então promissor mercado brasileiro, quando o câmbio rondava R$ 2,00 por dólar, convertendo o aporte em R$ 60 bilhões. A estratégia era meticulosa, a expectativa otimista: um retorno real de 5% ao ano, com a previsão de resgatar por volta de US$ 48,89 bilhões depois de uma década de crescimento e estabilidade.

Contudo, a realidade revelou um desfecho bem diverso. Em 2023, o câmbio havia subido para mais de R$ 5,00 por dólar, indicando uma desvalorização média anual de cerca de 10%. Em termos nominais, o investimento ascendeu a R$ 97,7 bilhões. Porém, ao converter-se de volta para dólares, o montante final murchou para US$ 19,54 bilhões – muito aquém dos US$ 48,89 bilhões previstos. A perda real de US$ 29,35 bilhões, ou -4,3% ao ano, atesta o peso implacável que a desconfiança externa exerce sobre nosso destino econômico.

É natural que políticos governamentais se mostrem desconfortáveis diante de tais constatações. Mas nós, cidadãos, temos a responsabilidade de encarar a verdade: nosso propósito não é abrandar egos, e sim erradicar a pobreza de maneira definitiva e sustentável. Tome-se como exemplo hipotético o custo total de aproximadamente 1,5 trilhão de reais para o Bolsa Família em 20 anos. Estima-se que, nesse período, cada beneficiário tenha recebido algo em torno de 45 mil reais. E se, ao longo de duas décadas, esses recursos tivessem sido alocados em infraestrutura de saneamento, transporte, energia e, sobretudo, no desenvolvimento de capital humano? Teríamos hoje um país em patamar mais elevado de bem-estar para a população carente?

A resposta é simples: desconhecemos! Eis por que se torna fundamental conduzir políticas em menor escala, colher evidências, testar resultados, corrigir rumos e então ampliar o alcance. Carecer de humildade ao atropelar etapas ou formular políticas públicas apoiadas em suposições imprecisas pode ceifar vidas, desestabilizar lares e condenar o futuro de incontáveis jovens.

Em contrapartida, podemos observar o Vietnã: em apenas duas décadas, superou a devastação da guerra e a pobreza extrema para se tornar uma economia emergente das mais promissoras. Em 1993, cerca de 58% dos vietnamitas viviam abaixo da linha de pobreza; em 2020, tal proporção caiu para 5%, segundo o Banco Mundial. Essa guinada foi impulsionada por políticas públicas bem alinhadas, especialmente as reformas conhecidas como Đổi Mới, de 1986.

De acordo com dados preliminares do World Investment Report 2024, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o Brasil foi capaz de captar cerca de US$ 66 bilhões em Investimento Estrangeiro Direto (IED), mais que o dobro de sua participação do PIB Global em 2023. Entretanto, Singapura e Hong Kong receberam valores superiores em igual período, estimados em aproximadamente US$ 159 bilhões e US$ 112 bilhões, respectivamente (UNCTAD, 2024).

Quando se observa o IED per capita, a discrepância é ainda maior. No Brasil, o investimento por habitante permanece modesto em volta de 305 USD por brasileiro, enquanto em Singapura esse valor ultrapassa US$ 26 mil (Banco Mundial, 2023). Ao longo de pouco mais de 10 anos o Investimento Direto Estrangeiro caiu em quase 7%. Em outras palavras, em uma década não encontramos a fórmula para atrair mais investimentos. Qual seria o impacto na erradicação da pobreza se conseguirmos dobrar ou até quadruplicar o IED per capita? Por que não colocamos o assunto em pauta e como uma meta nacional, como temos com inflação e juros? 

A desvalorização do Real entre 2013 e 2023 tornou os ativos brasileiros, em tese, mais baratos para quem investe em dólar ou outras moedas fortes, o que poderia atrair maiores fluxos de IED. Contudo, o fato de o Brasil não ter experimentado um aumento significativo de investimentos no período, sugere que a percepção de riscos — políticos, econômicos e regulatórios — se intensificou o suficiente para inibir esses potenciais investimentos. 

Pesquisas indicam que investimentos significativos em infraestrutura têm um impacto substancial na geração de empregos. Por exemplo, o estudo “The Direct Employment Impact of Public Investment” realizado com dados de empresas de 41 países, coletados ao longo de 19 anos, mostrou que US$ 1 milhão investidos em infraestrutura essencial como eletricidade, estradas, hospitais, escolas, água e saneamento podem criar de 10 a 17 postos de trabalho em países emergentes. Aplicando essa estimativa ao contexto brasileiro, um outro estudo demonstrou que investimentos robustos em em infraestrutura para água potável e esgoto na economia nacional e local, considerando apenas três municípios do país, poderiam potencialmente gerar 11,9 milhões de empregos até 2033, além de melhorar a qualidade de vida e impulsionar o desenvolvimento econômico da população.

Assim, ao decodificarmos os números da pobreza no Brasil como se fôssemos praticantes de uma gematria moderna, deparamo-nos com escolhas que, em última análise, definiram os rumos de nosso progresso – ou a ausência dele. O exemplo vietnamita comprova que políticas públicas bem delineadas, aliadas à determinação de adotar um crescimento sustentável, podem transformar nações inteiras em poucas décadas. Já o Brasil segue aprisionado a intervenções imediatistas, frequentemente reativas, que aliviam sintomas de crises, mas não combatem suas raízes estruturais. Para romper com essa “ilusão de progresso” e dar o salto qualitativo de que tanto carecemos, precisaremos de coragem política, humildade para aprender com o mundo e ousadia para testar novas abordagens em escala crescente. Afinal, esses números que hoje descortinamos não são meras estatísticas econômicas, mas sim os alicerces do futuro que decidimos construir – ou deixar escapar.

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