A luta das mães que precisam levar seus filhos para trabalhar no carnaval do Rio: ‘Tive que ir de resguardo com ele’, diz ambulante


Segundo dados da Riotur, mais da metade das 56 mil pessoas que se inscreveram para trabalhar como ambulantes nos desfiles de rua para este ano são mulheres com idade entre 20 e 40 anos. 56% dos ambulantes inscritos para trabalhar como ambulantes no Rio são mulheres de 20 a 40 anos
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O carnaval do Rio de Janeiro é um espetáculo que atrai milhões de pessoas para a cidade. Por trás desta festa exuberante, há um grupo de trabalhadoras essenciais: as mulheres ambulantes, e sobretudo, as mães.
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Segundo dados da Riotur, mais da metade das 56 mil pessoas que se inscreveram para trabalhar como ambulantes nos desfiles de rua para este ano são mulheres com idade entre 20 e 40 anos. Cerca de 15 mil conseguiram as autorizações para trabalhar de forma regulamentada na cidade.
Esta estatística destaca a importância da presença feminina nesse setor e as particularidades de suas experiências. A flexibilidade do trabalho ambulante é um dos atrativos para muitas mulheres, especialmente aquelas que precisam conciliar a vida profissional com a maternidade.
O g1 ouviu trabalhadoras que contribuem para a cultura carioca e desempenham um papel fundamental na economia informal do Rio. Elas relataram os desafios significativos que vivem.
Aline Gomes, além de vendedora de rua, é produtora cultural e fundadora do “Garagem Delas”, um espaço cultural localizado no Centro do Rio. Ela conta que a ideia surgiu da necessidade de um local seguro para guardar os produtos e carrinhos de bebida, até que surgiu a ideia de começar a realizar eventos, que emprega principalmente mulheres.
“Minha mãe era ambulante e eu a ajudei quando era mais nova. Após deixar um emprego violento, a rua me acolheu. Comecei a trabalhar na Praça Tiradentes, levando meus filhos pequenos comigo. O carnaval é crucial para a nossa renda, mas conciliar a maternidade com o trabalho nas ruas é desafiador. As condições são difíceis, mas a gente se ajuda”, disse Aline.
Aline destaca a importância do carnaval para a renda das ambulantes, mas também os desafios de trabalhar em condições precárias e conciliar a vida familiar.
“O caçula nasceu em janeiro e carnaval, eu estava perdendo todos os ensaios de bloco na rua. Pensei: ‘se eu perder essa oportunidade, agora só o ano que vem’. Eu tive que trazer meu caçula. Um calor e molha a criança para tentar refrescar. Tive que ir de resguardo e com ele para trabalhar.”
Aline trabalha como ambulante há 8 anos e se tornou produtora cultural realizando eventos no ‘Garagem Delas’, no Centro do Rio
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Já Luana Osório, de 27 anos, é mãe solo de quatro meninas e exerce essa atividade há 15 anos. Ela diz que a atividade permite conciliar a criação das filhas com o trabalho. No entanto, durante as férias escolares, a conciliação se torna ainda mais desafiadora.
“Uma vez chegaram a denunciar pro conselho tutelar, mas eu realmente não tinha com quem deixar”, relata Luana.
A advogada popular Anna Cecília Faro Bonan, do Movimento Unido dos Camelôs (Muca) do Rio e pesquisadora da PUC-Rio, ressalta a necessidade de políticas públicas para garantir os direitos das trabalhadoras ambulantes.
“Elas, muitas vezes, são julgadas ou recebem até denúncias no Conselho Tutelar, quando o próprio Estado não dá alternativa para os cuidados dessas crianças, enquanto elas precisam trabalhar.”
Para Victor Belart, pesquisador de Comunicação, Arte e Cidade da UERJ, a produção cultural da cidade está diretamente ligada aos vendedores ambulantes, que se organizam com uma rede familiar.
“É uma atividade que normalmente envolve famílias. São famílias, vizinhos, ou também primos, relações históricas que trabalham juntos porque os pais sempre levaram as crianças consigo e eles aprenderam o ofício desde cedo. Muitos vendedores ambulantes se inserem na rede de músicos de rua, seja de roda de samba, seja de carnaval. É um ofício que se retroalimenta assim”.
Para Aline, trabalhar com os filhos é uma necessidade.
“Como eu, dezenas de mulheres acabam tendo que trazer seus filhos. A gente precisava ter mais políticas públicas. Não somos uma minoria. A gente faz parte da economia, a gente vota, mas a gente sempre tem que se virar”, afirma Aline.
Sofia é filha de Luana, mãe de 4 crianças que precisou levá-las para trabalhar consigo durante as férias escolares
Arquivo pessoal
Procurada pelo g1, a Prefeitura do Rio informou que a Secretaria de Políticas para Mulheres e Cuidados (SPM-Rio) mantém ações para fortalecer o empreendedorismo feminino por meio da Rede Empreendedora Carioca.
“Atualmente, a Rede oferece uma série de iniciativas, como cursos de capacitação gratuitos realizados nas Casas da Mulher Carioca e nas Salas da Mulher Cidadã, além de oportunidades de exposição de produtos e serviços em eventos como a Feira Delas”, disse a prefeitura em nota.
A prefeitura também disse que a secretaria mantém uma importante parceria com a ONG Colo de Mãe, que reúne mais de 500 mulheres empreendedoras ambulantes, em sua maioria chefes de família.
“Essas iniciativas têm como objetivo proporcionar qualificação, networking e visibilidade para os empreendimentos liderados por mulheres cariocas”.
A SPM-Rio informou que incentiva as interessadas a se cadastrarem na Rede Empreendedora Carioca. As inscrições são abertas periodicamente e divulgadas nas redes sociais da Secretaria.
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