Mariene de Castro reabre a roda em show no Rio para louvar o matriarcado do samba do Recôncavo Baiano


Mariene de Castro
Patrícia Burlamaqui / Divulgação Circo Voador
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Dona da casa
Artista: Mariene de Castro
Data e local: 1º de fevereiro de 2025 no Circo Voador (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★ 1/2
♬ “Já deu meia-noite, meu povo?”, perguntou Mariene de Castro para o público que sambava na pista fervida do Circo Voador. Sim, já dera meia-noite e, portanto, já era domingo, 2 de fevereiro, dia de Iemanjá. Foi a deixa para a cantora baiana cair no samba Dois de fevereiro (1957), composto por Dorival Caymmi (1914 – 2008) para saudar Iemanjá, orixá das águas.
Ao longo das mais de duas horas do show Dona da casa (2024), Mariene de Castro celebrou Iemanjá e vários orixás das religiões de matriz afro-brasileira. O samba Oxóssi (Roque Ferreira, 2004) e o ijexá É d’Oxum (Gerônimo Santana e Vevé Calazans, 1985) marcaram belas presenças no roteiro, por exemplo.
Contudo, o mote do show que chegou à cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de sábado, 1º de fevereiro, quase dois meses após a estreia em Salvador (BA) em 8 de dezembro, foi o samba de roda do Recôncavo Baiano.
Como a artista explicou no palco, Dona da casa é homenagem ao matriarcado do samba da Bahia. O samba de prato e faca cujas tradições são levadas adiante pelas sambadeiras do Recôncavo – região banhada por cidades como Santo Amaro da Purificação (BA), Cachoeira (BA) e Bom Jesus da Lapa (BA) – personificadas pelas mulheres ribeirinhas que, nas brechas do trabalho para o sustento da família, rodam as saias na cadência desse samba que espalham a ancestralidade afro-indígena do Brasil.
Show caloroso, de alta temperatura mantida pela voz e pelas percussões incandescentes da banda, Dona da casa se revelou prato cheio para Mariene de Castro, que seguiu roteiro repleto de iguarias do samba de roda. Assim que pisou no palco do Circo Voador, após o público ouvir lenda iorubá na voz de senhora baiana em prólogo que se revelou longo demais aos ouvidos de público amontado em uma pista, Mariene encadeou refrãos de sambas de roda em extenso pot-pourri.
A cantora estava em casa. Decorado com projeções que expunham em cores vivas imagens animadas da cultura afro-baiana, o show Dona da casa entrou em cena 20 anos após álbum, Abre caminho (2004), em que a artista pediu passagem com sambas da Bahia em roteiro dominado por composições do baiano Roque Ferreira.
Músicas do repertório desse álbum de estreia – como Ilha de maré (Walmir Lima e Lupa, 1977) e Raiz (Roberto Mendes e J. Velloso, 1992), lançadas originalmente nas vozes das cantoras Alcione Gal Costa (1945 – 2022), respectivamente – reapareceram no roteiro de Dona da casa com o costumeiro poder de sedução.
É que, em essência, Dona da casa se alimentou basicamente do roteiro do primeiro show de Mariene de Castro a ganhar projeção nacional, Santo de casa, originado do citado álbum Abre caminho e captado em 2009 para a edição de disco ao vivo lançado em 2010.
Ainda assim, apareceram músicas menos recorrentes nos shows da cantora. Árvore (Edson Gomes, 1992) foi plantada sem a habitual cadência do reggae, em feitio de oração, como celebração da mãe natureza.
A participação de Pretinho da Serrinha no show do Rio gerou bloco com sambas cariocas como Sorriso aberto (Guaraci Sant’anna, o Guará, 1988), mas sagazmente aberto com Alguém me avisou (1980), uma das incursões da pioneira bamba carioca Dona Ivone Lara (1922 – 2018) pela cadência do samba da Bahia.
Como de praxe, Mariene abriu espaço na roda para o ijexá, gênero que ditou o balanço de temas envolventes como Ponto de Nanã (Roque Ferreira, 2004), Agradecer e abraçar (Gerônimo Santana e Vevé Calazans, 1995) e o já mencionado É d’Oxum.
Mais para o fim do show, entre outros trechos de samba de roda, a cantora deu voz ao samba de quadra Ê baiana (Baianinho, Ênio Santos Ribeiro, Fabrício da Silva e Miguel Pancrácio, 1971) – já abordado por Mariene no álbum ao vivo Ser de luz – Uma homenagem a Clara Nunes (2013) – e a um sucesso do cantor baiano Raimundo Sodré, A massa (1980), parceria de Sodré com Jorge Portugal (1956 – 2020).
Mesmo com baixo teor de novidade para seguidores de Mariene de Castro, o show Dona da casa se revelou eletrizante porque o canto da artista é ardente. Com aliciante presença cênica, a sambadeira Mariene de Castro mais uma vez se confirmou força da natureza, uma dona do dom e do palco que fica em casa quando canta o samba e outros ritmos da Bahia.
Bookmark the permalink.