Riscos para a população e para a ciência: entenda os impactos da saída de um país da OMS


Rompimentos fazem a instituição perder investimento em pesquisa, a existência de mecanismos de cooperação internacional impede que as consequências sejam mais graves. O logo da Organização Mundial da Saúde (OMS) é visto fora da sua sede em Genebra.
Martial Trezzini/Keystone via AP
Mais do que uma decisão política, a saída de países da Organização Mundial da Saúde (OMS) pode trazer consequências preocupantes à saúde global.
➡️Na quarta-feira (5), a Argentina se tornou o segundo país a anunciar o rompimento com a organização em menos de uma semana. A medida aconteceu dias depois dos Estados Unidos decidirem sair da OMS.
De acordo com Mariângela Simão, que foi diretora-geral adjunta da Organização Mundial de Saúde (OMS) para Acesso a Medicamentos e Produtos Farmacêuticos entre 2017 e 2022, o impacto da saída dos dois países é diferente, muito pelo poder econômico e geopolítico que os EUA têm.
Mas, ambos os rompimentos trazem problemas tanto para a organização como para a população dos próprios países. (entenda mais abaixo)
“Na área de saúde, achar que você sozinho vai resolver seus problemas é de uma insensatez imensa”, alerta Simão, que atualmente é diretora-presidente do Instituto Todos pela Saúde (ITpS).
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Perda científica e ameaça à população
Antes de entender as consequências do rompimento de países com a OMS, é preciso lembrar que o processo não é tão simples quanto parece. Isso porque a saída não é imediata ao anúncio.
O processo demora cerca de um ano. Por esse motivo, por exemplo, a primeira tentativa de Donald Trump de retirar o país da organização foi frustrada – uma vez que o pedido foi feito em 2020 e, com o novo governo americano assumindo em 2021, a medida foi revertida.
No caso desse novo anúncio, a tendência é que se concretize, já que foi uma das primeiras medidas do segundo mandato do presidente americano.
👉Com a saída dos EUA, Mariângela destaca três principais consequências:
Perda de investimento em programas da organização
Se tratando de um dos países fundadores e um dos grandes financiadores da OMS, a saída tende a enfraquecer financeiramente alguns programas desenvolvidos pela organização.
Enfraquecimento da cooperação internacional para pesquisas
Além do poder econômico, os EUA também têm grandes instituições de pesquisa públicas e privadas que contribuíram para uma maior segurança da saúde global.
Assim, pode haver uma maior dificuldade na cooperação para pesquisas envolvendo outros países pela ausência do recurso científico do país.
Ameaça à saúde dos demais países
Com o rompimento com a organização, possíveis problemas sanitários, como surtos de novas doenças ou epidemias, podem se tornar mais difíceis de serem monitorados – e consequentemente impactarem outros países.
“Nenhum país é uma ilha, é impossível você separar um problema de um país e não levar em conta que pode afetar outros países”, alerta Simão.
➡️ Ao lamentar a decisão do presidente Donald Trump, a OMS ressaltou justamente a importância dos EUA para a erradicação de doenças em outros países.
No caso da saída Argentina, a médica sanitarista avalia que o prejuízo acaba sendo mais interno do que externo, com ameaça à saúde da população argentina.
“Ao sair de uma organização que preza não só por trabalhar com as melhores evidências científicas, mas também avaliar possíveis surtos de doenças e consequências para outros países, você coloca a própria população em risco”, avalia.
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Cooperação internacional
Apesar dos anúncios de saída da organização, a existência de alguns mecanismos de cooperação internacional impede que as consequências sejam mais graves.
Mariângela cita, por exemplo, a existência do Regulamento Sanitário Internacional (RSI), que tem como objetivo prevenir, controlar e responder à disseminação internacional de doenças.
Apesar de ser um documento publicado pela OMS, é um tratado internacional independente da vinculação à organização. Ou seja, se o país foi signatário do regulamento, deve continuar seguindo as regras estabelecidas, mesmo que não faça mais parte da organização – como é o caso dos EUA e da Argentina.
🚨Esse documento é o que estabelece os critérios para declarar uma emergência de saúde pública de interesse internacional.
Outro ponto que pode ajudar no monitoramento de doenças ou possíveis surtos, apesar do rompimento com a organização, são os acordos entre países.
“O Brasil e a Argentina, por exemplo, têm uma relação bilateral. Assim, suponho que no caso de um surto, existem mecanismos que podem ajudar a enfrentar a ação de maneira mais coordenada, como a OPAS”, comenta Simão.
➡️A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) é a organização internacional de saúde pública para as Américas. Mesmo funcionando como um escritório regional da OMS, a saída da OMS não implica uma saída automática da OPAS, por ser uma entidade autônoma.
Ainda que o rompimento dos países gere preocupação, Mariângela acredita que o sistema multilateral é forte e consegue se adaptar, mesmo com a perda de investimento.
“O sistema multilateral permite que todos tenham voz. […] Pensar que se resolver problemas de saúde sozinho é de uma postura arrogante e certa ingenuidade. Nenhum país dá conta sozinho”, afirma a médica.
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