A inspiração judaica

Por Willian Douglas*

O 7/10 foi uma tragédia e desencadeou outrasArquivo pessoal

Presente na cerimônia alusiva aos 80 anos da libertação do campo de concentração de Auschwitz e refletindo sobre o 7/10, me vejo indagando sobre o desafio de ser apenas 0,2% da população mundial e, mais uma vez,assistir ao ressurgimento do antissemitismo.

Ser judeu é mais do que um título, uma etnia ou uma religião. É um caminho; trata-se de um estado de espírito.

O 7/10 foi uma tragédia e desencadeou outras. Foi mais uma ferida profunda na longa história de perseguições, mas não um fim, nem a última. O ataque não foi apenas um ato de terror. Foi a manifestação de algo mais profundo: a recusa de aceitar a existência de Israel e do povo judeu como nação soberana. O massacre foi seguido pela humilhação pública de reféns e pela celebração de civis que deveriam estar comprometidos com a construção de um futuro, mas que optaram por exaltar a destruição.

Porém, um judeu não é definido apenas pela vitória, e sim pela atitude e pela obstinada persistência diante da adversidade. Foi assim há 80 anos. Foi assim antes disso. E continua sendo assim agora.

Muitos acreditaram que dar autonomia à Faixa de Gaza poderia ser o embrião de dois Estados convivendo em paz. Mas confiar nisso foi um erro. Não porque a paz entre israelenses e palestinos seja impossível, mas porque ela exige um mínimo de reconhecimento mútuo — e não há paz possível com aqueles que desejam sua aniquilação. A autonomia não pode ser concedida a quem a utiliza para acumular armas, transformar escolas em depósitos de mísseis e cavar túneis ao invés de construir pontes. A destruição que os atingiu em 7/10 foi um golpe doloroso, mas não apagou o que significa ser judeu, nem destruiu o sonho de viver em segurança na sua terra ancestral.

O povo judeu sobreviveu ao nazismo. Aprendeu, cresceu e se fortaleceu. E aprendeu também que a história não se repete da mesma forma, mas seus padrões são previsíveis. Já sabem o que acontece com os sequestrados em campos de concentração, e por isso pagam qualquer preço para resgatá-los de Gaza.

A chama desse povo não pode ser extinta por um decreto, um massacre ou uma guerra. Não foi assim antes, não será assim nunca. Am Israel Chai.

Enquanto hordas de ditos intelectuais, políticos e artistas celebram como vitória o sequestro de bebês, os judeus seguem em frente. Não porque esquecem o passado, mas exatamente porque aprenderam com ele. Sobrevivência exige memória. Nunca esquecer é um imperativo. O 7/10 foi uma lição, um terrível aprendizado, jamais um ponto final. Trocar mulheres, civis e idosos por assassinos condenados só faz sentido para quem valoriza a vida. Para um país que — ao contrário do Hamas — preza pelo seu próprio povo.

O medo, a dor e a perda não definem um povo que insiste em existir. O que os define é a vontade de (sobre)viver e a resposta ao horror.

Eles ainda estão aqui, não apenas para honrar os que vieram antes, mas para guiar aqueles que virão. Dentro de suas fronteiras, judeus, muçulmanos, cristãos, drusos e beduínos compartilham o mesmo espaço. São vizinhos, colegas de trabalho, companheiros de exército, de universidades, de tribunais e hospitais. É assim que deveria ser em todo o Oriente Médio. Mas esse é um exemplo de coexistência que muitos fingem não ver.

Ser judeu nunca foi apenas sobre sobreviver. Sempre foi sobre viver. Sobre preservar sua tradição, sua língua, sua fé — e renová-las a cada revés.

Alguns países precisaram ser derrotados em várias guerras — que eles mesmos iniciaram — para finalmente celebrar a paz. Israel aprendeu a viver com vizinhos que, um dia, quiseram destruí-lo. O Egito aprendeu. A Jordânia aprendeu. Quem sabe um dia esse aprendizado alcançará o Irã e seus aliados? Quem sabe um dia o Hamas e o Hezbollah perceberão que nenhuma ideologia que glorifica a morte pode sustentar um futuro?

Espero que a coexistência de judeus e árabes dentro das fronteiras de Israel inspire, um dia, a mesma convivência fora da Terra Santa. Que inspire brancos e pretos. Que inspire hutus e tutsis. Que inspire estudantes universitários.

Você pode odiar, sequestrar, esfaquear ou matar um judeu. Mas não pode matar o judaísmo. Não pode matar o povo da Torá. Nunca esquecer. Nunca outra vez.

Que D’us guarde Israel. Que a paz venha para israelenses e palestinos de todas as religiões.

William Douglas é escritor, professor de Direito e cristão

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG
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