Pesquisa genética, cuidados com animais e soluções ecológicas no agro: mulheres protagonizam estudos e ações em prol da ciência no interior de SP


No Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, o g1 conta histórias de biólogas, agrônomas, veterinárias e biotecnólogas do interior de São Paulo que transformam a sociedade à sua própria maneira. Mulher faz teste em laboratório
Reprodução/TV Globo
Seja dentro de laboratórios, no campo ou em sala de aula, os desafios da ciência permeiam a vida delas. Mulheres que ousam perguntar “por quê?” e “como?”, sem se deixar abater pelas dificuldades do caminho. São elas que transformam lágrimas de frustração em combustível para revolucionar campos do saber, escrevendo com traços persistentes o futuro da ciência brasileira.
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Não é de hoje que o protagonismo feminino na ciência traz resultados relevantes para a sociedade. No entanto, conquistar este espaço, predominantemente masculino, não é uma batalha fácil. Uma das pioneiras na ciência brasileira, Elisa Frota Pessoa, por exemplo, precisou contrariar o próprio pai, que via o casamento como único futuro possível para as meninas. Ela se tornou a segunda mulher a se formar em física no Brasil, em 1942, e fundou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.
Já Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil, formada em engenharia civil na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1945, andava com uma arma na cintura para se fazer respeitar no ambiente de trabalho.
Mulheres cientistas são decisivas para o avanço da humanidade
Histórias registradas ao longo dos anos evidenciam a dificuldade das mulheres em receber reconhecimento na ciência. Muitas vezes, elas tiveram seus nomes ignorados em grandes descobertas, e seu trabalho taxado como “não tão importante”.
A fim de dar voz para aquelas que, muitas vezes, não têm as mesmas oportunidades que os homens em suas áreas, e servir de inspiração para futuras gerações, o g1 reuniu, nesta terça-feira (11), Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, histórias de biólogas, agrônomas, veterinárias e biotecnólogas do interior de São Paulo que transformam a sociedade à sua própria maneira.
Determinação e resiliência
Mara Fulan atua como pesquisadora e coordena o programa de melhoramento genético da videira no IAC de Jundiaí (SP)
Arquivo pessoal
Mara Fernandes Moura Furlan é formada em agronomia na Universidade Federal da Goiás, com mestrado e doutorado em genética e melhoramento de plantas. Há 20 anos no Instituto Agronômico (IAC) de Jundiaí (SP), atua como pesquisadora e coordena o programa de melhoramento genético da videira. Segundo ela, a determinação e a resiliência são companheiras de longa data.
“Quando assumi a vaga de melhorista no IAC, alguns funcionários de campo comentaram que eu não permaneceria por muito tempo, mesmo porque era mulher. Mas, com o passar do tempo, com a mentoria do pesquisador Maurilo Monteiro Terra, fui criando meu próprio espaço. Não só continuei minha carreira de pesquisadora, mas fui diretora do Centro de Pesquisa por nove anos, além de mais cinco anos na diretora científica do Centro de Frutas. É questão de impor respeito e demonstrar competência”, afirma.
Mara é formada em agronomia na Universidade Federal da Goiás, com mestrado e doutorado em genética e melhoramento de plantas
Arquivo pessoal
Filha de pai pecuarista, a agrônoma conta que sua opção inicial era cursar zootecnia, e trabalhar com melhoramento genético de bovinos. No entanto, ela teve contato com a pesquisa de plantas e acabou se apaixonando pela área.
“Quando estava no último ano de agronomia, fui fazer meu estágio curricular em uma grande empresa de ferro níquel que tinha um reflorestamento grande e trabalhava com melhoramento de eucalipto, e me surpreendi. Foi aí que um professor meu, Edward Madureira, me convidou para fazer a seleção para o mestrado em melhoramento. Fiz, passei e, mesmo antes de me formar, já estava começando minha carreira de pesquisa”, conta.
Mara conta que teve contato com a pesquisa de melhoramento genético em plantas ainda na faculdade
Arquivo pessoal
Atualmente, Mara trabalha com avaliação da adaptabilidade de novas variedades de uvas viníferas em condições de São Paulo. Para ela, apesar de a ciência ainda ser um ambiente composto por muitos homens, as mulheres estão conquistando seus espaços com muito mérito e sucesso.
“Tenho amigas super competentes dentro do IAC e fora do IAC que são fontes de inspiração. Nunca pensei em desistir da carreira, sempre fui determinada e resiliente. Gostaria de ser inspiração para meninas e mulheres que sonham em se tornar pesquisadoras, pois estaria deixando meu legado, que é contribuir para a ciência, desenvolvimento, tecnologia e formação de recursos humanos”, diz.
Professora da UFU desenvolve projeto com alunas de escolas públicas de seis estados do Brasil
Movida pela curiosidade
Estefânia Vangelie Ramos Campos é formada em biotecnologia pela Universidade de Sorocaba (Uniso), e possui mestrado e doutorado em biologia funcional e molecular pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Com uma lista extensa de trabalhos, ela está entre os 100 mil cientistas mais influentes do mundo em 2024, de acordo com um estudo da Universidade de Stanford. A lista conta com 1.340 brasileiros e, destes, apenas 270 são mulheres, o que representa pouco mais de 20% do total (confira abaixo).
O estudo, encabeçado por John Ioannidis, analisou o total de publicações e citações de milhares de cientistas em todo o planeta. Para saber o gênero de cada pesquisador, o g1 desenvolveu uma aplicação autônoma que percorreu e analisou cada uma das 100 mil linhas do banco de dados.
Estudo da Universidade de Stanford mostra porcentagem de cientistas mulheres em cada uma das áreas de estudo
Arte/Mariele Santos
Com foco na agricultura, Estefânia realiza trabalhos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias inovadoras, baseadas em nanotecnologia, focados em criar soluções sustentáveis e eficazes para a emissão de substâncias.
“Ver essas tecnologias saírem o laboratório e gerarem impacto real no campo é extremamente gratificante. Eu sempre fui movida pela curiosidade, pela vontade de criar soluções que geram impacto positivo na sociedade. Durante a minha trajetória acadêmica e profissional, felizmente encontrei mentores e colegas que me apoiaram e me incentivaram a seguir em frente. E o reconhecimento do meu trabalho, e a certeza que a ciência tem o poder de transformar o mundo foram fundamentais para eu nunca desistir”, continua.
Estefânia Campos realiza trabalhos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias inovadoras, baseadas em nanotecnologia
Arquivo pessoal
A biotecnóloga também é uma das mentes à frente da startup B.Nano, da Unesp de Sorocaba (SP), que tem a missão de transformar o manejo agrícola por meio da nanotecnologia e a química verde, através do desenvolvimento de nanopartículas baseados em biopolímeros.
“Quando a gente fundou a nossa startup, eu comecei a participar de feiras e exposições no setor de agropecuária e agrícola. E me deparei com um desafio diferente. Quando se fala de agricultura, muitos homens, especialmente os agricultores mais renomados, ainda demonstram certa desconfiança em relação a mulheres nesse meio. Então, mesmo nós mulheres apresentando soluções inovadoras tecnicamente embasadas, nem sempre nós somos levadas tão a sério, com credibilidade”, completa.
Biotecnóloga também é uma das mentes à frente da startup B.Nano, da Unesp de Sorocaba (SP)
Arquivo pessoal
No entanto, Estefânia afirma que, mesmo com algumas dificuldades, as mulheres conseguem mostrar conhecimentos e resultados relevantes na área, o que contribui para que conquistem o próprio espaço. E que espera que seu trabalho possa servir de inspiração para meninas que sonham com um futuro na ciência.
“Cada vez mais nós vemos mulheres talentosas conquistando reconhecimento e influenciando decisões importantes. Eu acredito também que, com mais incentivo e representatividade políticos de equidade, esse cenário pode se transformar significativamente nos próximos anos. E o importante é que continuemos abrindo caminhos para as próximas gerações. Mostrando que a ciência é para todos, independente do gênero”, diz.
Estefânia está entre os 100 mil cientistas mais influentes do mundo em 2024, de acordo com um estudo da Universidade de Stanford
Arquivo pessoal
“Se minha trajetória, de alguma forma, puder inspirar outras meninas e mulheres a seguirem na ciência, é algo que vai me encher de orgulho. Eu quero mostrar que o conhecimento e a dedicação são ferramentas poderosas para superar qualquer obstáculo. E, para mim, ver mais mulheres ocupando espaço na pesquisa e na inovação é essencial para um futuro mais diverso e equilibrado”, finaliza.
Incentivo feminino
Associação Mata Ciliar, em Jundiaí (SP), tem time composto, em sua maioria, por mulheres
Arquivo pessoal
Desde 1997, o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres e o Centro Brasileiro para Conservação dos Felinos Neotropicais da Associação Mata Ciliar realiza ações para a conservação da biodiversidade em Jundiaí.
Para que isso seja possível, um time de mulheres, entre elas, veterinárias, biólogas e gestoras ambientais, trabalha incansavelmente. Lá, até os mascotes que acompanham a equipe nas tarefas do dia a dia são “meninas”: a cadela Felipa e a gata Cotó.
Giulia Verdini Mencarini é bióloga e faz parte da equipe da Mata Ciliar desde 2019
Arquivo pessoal
Giulia Verdini Mencarini é bióloga e faz parte da equipe da Mata Ciliar desde 2019. Durante este período, houve momentos em que precisou lidar com comentários machistas. Mas, segundo ela, o amor e a dedicação ao trabalho tiveram um papel fundamental ao longo de sua jornada profissional.
“Já ouvi alguns antigos colegas de trabalho questionarem se eu conseguiria estar nessa posição, se eu conseguiria manejar animais de grande porte, carregar caixas, sempre tendo minha capacidade diminuída por ser mulher. O que me fez não desistir foi a paixão pela área”, conta.
A bióloga reforça que estar em um ambiente repleto de mulheres é motivo de orgulho. “O sentimento é de pertencimento. É muito gratificante saber que as mulheres estão conquistando mais espaço nesse meio, com uma equipe, em sua maioria, feminina. Isso só destaca o quanto há mulheres capazes na área ambiental e na ciência”, afirma.
Lucicleide Maria de Souza Barbosa é estudante de gestão ambiental que trabalha na área de educação ambiental
Arquivo pessoal
Para Lucicleide Maria de Souza Barbosa, estudante de gestão ambiental que trabalha na área de educação ambiental e produção de mudas de árvores nativas, trabalhar ao lado de outras mulheres é uma fonte de inspiração e, ao mesmo tempo, de conforto.
“O diálogo é mais fácil, as decisões, o planejamento… Principalmente quando precisamos colocar tudo em prática. Por sermos de áreas diferentes, a dinâmica pode parecer complicada, mas uma sempre compartilha conhecimentos com as outras. Isso acaba servindo de inspiração para outras mulheres que, às vezes, só precisam de um incentivo de outra mulher”, afirma.
“O gênero não determina sua força e sua capacidade. Espero que eu possa ser uma inspiração para qualquer uma que quiser estar na área. Elas devem saber que são capazes de estar onde quiserem, independente de qualquer obstáculo e desafio que possam enfrentar”, finaliza Giulia.
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