Projeto de proteção a tartarugas-da-Amazônia monitorou quase meio milhão de ovos em 8 anos, em RR


Projeto Quelônios da Amazônia (PQA) conseguiu monitorar 471,2 mil ovos no estado desde 2017. Ação ajuda tartarugas-da-Amazônia a chegarem em segurança nos rios. Filhotes de tartarugas-da-Amazônia em praia no Baixo Rio Branco
Caíque Rodrigues/g1 RR
Ajudar as tartaruguinhas logos após o nascimento, o momento de maior vulnerabilidade. Este é o objetivo do Projeto Quelônios da Amazônia (PQA), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Criado para tirar os quelônios (como são chamados os répteis de casco) do perigo de extinção, o trabalho monitorou 471,2 mil ovos nos últimos em 8 anos em Roraima.
O PQA está presente em Roraima desde 1990, há 35 anos. Para chegar ao número de quase meio milhão de ovos, servidores do projeto atuam para encontrar, catalogar e supervisionar os ninhos que as tartarugas abrem nas areias das praias na época de desova. No ciclo de 2024-2025, foram mais de 100 mil ovos, um recorde até agora.
A partir disso, o projeto calcula a data do nascimento dos filhotes para chegar à ao ápice do projeto que é: acompanhar o nascimento dos filhotes e supervisionar para que nada aconteça no trajeto do ninho até a água.
Neste breve percurso, a tartaruga recém-nascida está exposta a predadores naturais, como urubus, falcões, onças e lontras, que podem interromper o ciclo de vida. No entanto, a principal ameaça vem do ser humano: o tráfico de tartarugas, praticado por criminosos conhecidos como “tartarugueiros”. Eles capturam tanto os animais quanto os ovos para revenda.
Filhotes de tartarugas-da-Amazônia antes da soltura no Rio Branco, em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
🐢 Quelônio é todo réptil de casco, o que inclui jabutis, tracajás e cágados. O maior entre os que vivem fora da água salgada é a tartaruga-da-Amazônia, que na fase adulta pode chegar a 1 metro de comprimento e pesar até 65 kg. Além disso, vivem até 100 anos.
🥚 Os ovos são colocados nos ninhos e se desenvolvem sozinhos, sem a presença das tartarugas. Cada fêmea coloca entre 90 a 150 ovos por ninho. Quando os filhotes nascem, eles vão sozinhos até a água — momento em que se tornam presas fáceis. É nesta fase que o PQA age para garantir a segurança deles.
As estáticas não são boas para as tartarugas que nascem aos montes. A cada mil filhotes, apenas um sobrevive . Por isso, há a preocupação do PQA sobre a necessidade de proteção à espécie. Em Roraima, o projeto monitora ninhos no Baixo Rio Branco, região onde há 16 comunidades ribeirinhas – o acesso é feito apenas por horas navegando pelo rio ou por avião.
E o projeto tem trazido resultados. O ciclo reprodutivo deste ano, que começou em setembro de 2024 ainda não foi fechado porque ainda estão nascendo tartaruguinhas nos tabuleiros, mas já ultrapassa os 100 mil filhotes, o que impressionou os pesquisadores.
O número de ovos é quase o dobro do registrado no ciclo 2023-2024, quando foram registrados mais de 57 mil ovos, e ultrapassa o recorde anterior registrado em 2020-2021, de mais de 95 mil. Veja no gráfico abaixo.
“O maior problema é o tráfico de tartarugas. Aqui, na nossa área, encontramos menos casos porque nossa presença constante inibe um pouco essa atividade. Mas fora da nossa região, o tráfico é intenso”, explicou o coordenador do PQA em Roraima, Rui Bastos.
📌Passo 1: encontrar os ninhos
PQA ajudando filhotes de tartarugas-da-Amazônia a sairem do ninho em praia no Baixo Rio Branco
Caíque Rodrigues/g1 RR
O acampamento do PQA em Roraima fica na região do Baixo Rio Branco, distante 8 horas de barco saindo de Caracaraí, descendo pelo principal rio do estado. Atualmente, a equipe do projeto tem nove pessoas, entre funcionários do Ibama e pessoas da região que atuam na logística. A equipe atua de maneira permanente e se reveza a cada 15 dias.
Os trabalho mais intenso começa quando se inicia o período da desova das tartarugas. Geralmente, começa em setembro e vai até dezembro. As mamães saem das águas e escolhem um local de praia (chamado de tabuleiro pelos pesquisadores) para construir os ninhos – elas abrem vários buracos na areia.
“Durante o período de reprodução, catalogamos e identificamos os ninhos, registrando a data de postura dos ovos e o número de ninhos em cada praia”, explica o técnico administrativo do Ibama e coordenador de campo do programa, Licinio Cavalcante.
Placa colocada nos ninhos pelos pesquisadores do PQA em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Ao identificar os ninhos e número de ovos, os servidores colocam uma placa com informações sobre a data em que foi encontrado e a previsão para o nascimento dos bebês. O período de desova ocorre durante três meses.
🪹 Passo 2: cuidar dos ninhos
Tartaruga-da-Amazônia saindo do ovo em praia no Baixo Rio Branco, em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Após encontrar os ninhos, os pesquisadores vão diariamente até os locais para ver se nada de errado aconteceu. A ideia é afugentar os traficantes de tartarugas com a intensa presença do Ibama.
“Os tartarugueiros se aproveitam das fêmeas nas praias para roubar os ovos e destruir os ninhos. Nosso trabalho é não deixar isso acontecer”, explica Rui Bastos.
Os ninhos monitorados neste ano foram, em sua maioria, encontrados em uma ilha conhecida como Maú, no Rio Branco. Na desova deste ano, o projeto catalogou 120 ninhos de tartarugas-da-Amazônia.
👋 Passo 3: ajudar a chegar até a água
Tartaruga-da-Amazônia filhote protegida pelo Programa Quelônios da Amazônia (PQA)
Caíque Rodrigues/g1 RR
Após cerca de dois meses, os ovos eclodem. Neste momento, começam a “brotar” filhotes de tartarugas de dentro da areia. Cada ninho tem cerca de 90 a 100 ovos, o que transformou a ilha de Maú em um verdadeiro universo de tartaruguinhas.
As equipes do PQA acompanham de perto os ninhos. Eles recolhem o máximo de filhotes que conseguem – afinal, são milhares – e afugenta os predadores naturais. A ideia é fazer com que o máximo de filhotes consiga chegar até a água em segurança.
Os filhotes não são soltos numa única região. Eles são levados para outras praias, dispersando do local onde vários outros estão nascendo e atrapalhando os predadores.
“Isso evita a predação por animais terrestres e aves. Os urubus comem muitos filhotes, animais terrestres também comem e, dentro da água, os peixes maiores são os principais predadores. A nossa ideia é aumentar taxa de sobrevivência desses filhotes até que cheguem à fase adulta”, explica Rui.
Filhotes de tartarugas-da-Amazônia em praia no Baixo Rio Branco
Caíque Rodrigues/g1 RR
Quando chegam na água, os filhotes precisam se virar sozinhos. Neste momento, o PQA não possui controle sobre a segurança e eles podem virar presas de outros répteis como jacarés e até de peixes maiores.
Para se protegerem, os filhotes passam os primeiros anos em pequenos grupos. Eles chegam à fase adulta após 30 anos. A expectativa de vida na natureza é de 100 anos.
Reprodução peculiar
Mais de 100 mil tartarugas-da-Amazônia nascem em projeto de proteção e crianças ribeirinha
As estratégias reprodutivas desses animais são, no mínimo, curiosas. O biólogo especialista em comportamento animal pela Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Bessa, explica que, em ecologia, há duas estratégias de ciclo de vida, chamadas de: R e K.
Nos ciclos em K, as fêmeas têm poucos filhotes, cuidam muito bem deles e fazem de tudo para que a maioria sobreviva, como uma onça pintada, por exemplo. Já os em R têm muitos filhotes que morrem aos montes até crescerem – o caso das tartarugas.
“As estratégias de ciclo de vida R e K são modelos que descrevem como as diferentes espécies se adaptam a seus ambientes e como maximizam seu sucesso reprodutivo”, explica o biólogo especialista em comportamento animal pela Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Bessa.
Ele destaca que houve um período que as tartarugas-da-Amazônia foram consideradas uma espécie em extinção, mas devido à projetos como o PQA, atualmente registram baixo risco de extinção.
“Sua estratégia consiste em produzir o máximo de descendentes possível, com a expectativa de que alguns sobrevivam, sendo a sobrevivência dos descendentes mais dependente de fatores ambientais do que do cuidado parental”, explicou o professor.
Crianças ribeirinhas conhecem o projeto
Crianças ribeirinhas participação da soltura de mais de 5 mil filhotes de tartarugas-da-Amazônia
Caíque Rodrigues/g1 RR
O PQA comemorou a quantidade de filhotes que conseguiu ajudar neste ano. Por isso, de forma inédita, convidou crianças ribeirinhas para fazerem parte da soltura como forma de destacar a proteção da espécie.
O g1 esteve no acampamento do PQA e acompanhou a ação que teve participação inédita de alunos da escola municipal Vovó Tetinha, em Santa Maria do Boiaçu, na região de Santa Fé, município de Rorianópolis.
As 25 crianças começaram a aprender sobre os quelônios dentro da sala de aula cerca de uma semana antes da soltura. Eles ganharam cartilhas informativas sobre as espécies, participaram de aulas lúdicas e fizeram desenhos dos animais. Por fim, estiveram presentes na soltura de mais de 5 mil tartaruguinhas.
O superintendente do Ibama em Roraima, Diego Bueno, participou da ação e enfatizou a importância do PQA na conservação das tartarugas-da-Amazônia e na educação ambiental para a proteção da espécie na região do Baixo Rio Branco.
“É uma experiência emocionante e gratificante. Ver a empolgação das crianças ao acompanhar a soltura dos filhotes é muito especial. Essas atividades ajudam a conscientizar as novas gerações sobre a importância de preservar a fauna amazônica e garantir a sobrevivência dessas espécies”.
O projeto tem com o apoio da Companhia Independente de Policiamento Ambiental (Cipa), que monitora atividades ilegais e medeia conflitos com pescadores e ribeirinhos. A Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente também oferece apoio, combatendo crimes ambientais.
Programa ajuda a salvar tartarugas ameaçadas por caça ilegal no sul de Roraima
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