Ouvidor, Rio Branco, Praça Onze, Primeiro de Março: veja imagens dos principais ‘palcos’ do carnaval do Rio ao longo da história


Ruas testemunharam a evolução do carnaval do Rio e receberam ranchos, sociedades, blocos e escolas de samba. Fotos da Hemeroteca da Biblioteca Nacional revelam como eram os primeiros carros alegóricos. Conheça os principais ‘palcos’ do carnaval do Rio ao longo da história
Constantemente descrito como maior escritor brasileiro de todos os tempos, Machado de Assis se envolveu no fim do século XIX em uma campanha contra o alargamento da Rua do Ouvidor, no Centro. Em um texto, ele fez um apelo: “Alargai outras ruas, todas as ruas, mas deixai a do Ouvidor assim mesmo – uma viela, como lhe chama o Diário [de Notícias], – um canudo”.
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Olhando o tamanho da Ouvidor até hoje em dia é difícil imaginar, mas naquela altura, a rua já tinha sido por várias décadas, o coração do carnaval do Rio. Apesar de suas dimensões de “canudo”, ela é considerada por historiadores o primeiro “palco” midiático do carnaval do Rio, recebendo inclusive desfiles com alegorias das sociedades – grupos inicialmente organizados por jovens da então elite intelectual, que desde a década de 1850 faziam cortejos principalmente no Centro, inclusive com alegorias puxadas por cavalos.
Imagem do jornal ‘Careta’ mostra a Avenida Rio Branco cheia aguardando desfiles do Clube dos Democráticos e dos Fenianos em 1916
Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil
Depois da Rua do Ouvidor, várias vias – principalmente do Centro e bem maiores que ela – se consolidaram como os principais “imãs” de foliões de diversas partes da cidade – embora também existisse carnaval -e muito – em outros bairros.
O g1 separou imagens que ajudam a contar a história de cada uma desses principais palcos. Veja abaixo:
Rua do Ouvidor
A Ouvidor foi uma das ruas de maior prestígio do Rio antigo
Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Grupo de foliões fantasiados na Rua do Ouvidor
Arquivo Pessoal/Rafael Cosme
Grupo se diverte em um carnaval na Rua do Ouvidor
Arquivo Pessoal/Rafael Cosme
Apesar do tamanho, a Rua do Ouvidor seguiu como uma das vias protagonistas do carnaval do Rio até alguns anos depois da inauguração da Avenida Rio Branco, em 1904. Em um texto de 1908, o escritor João do Rio ainda falava que na Rua do Ouvidor “não se podia andar”.
“Era provável que do largo de S. Francisco à rua Direita dançassem vinte cordões (…), rufassem duzentos tambores, (…), gritassem 50 mil pessoas. A rua convulsionava-se como se fosse fender, rebentar de luxúria e de barulho”, acrescentou.
Historiadores e artistas ao longo do século XIX já descreviam a rua como um dos pontos do Rio que recebiam as brincadeiras do período chamado entrudo – antes mesmo do carnaval ter a música como um de seus focos principais.
Ao longo daquele século, a rua se estabeleceu como uma das mais “chiques” do Rio, recebendo lojas, escritórios, cafés, entre outros, principalmente depois da chegada da família real portuguesa.
Segundo o historiador Felipe Ferreira, professor da Uerj que tem como um de seus objetos de pesquisa o carnaval, outros estabelecimentos foram decisivos para atrair grupos quando a festa começou a se organizar em forma de cortejos, ao longo daquele século. “Várias redações de jornais ficavam na Rua do Ouvidor. Então, grupos como sociedades e outros que desfilavam, quando queriam ser vistos, passavam por ali”, explica.
Os dias de glória do carnaval da Ouvidor foram lembrados pelo Salgueiro no enredo “Me amasso se não passo pela Rua do Ouvidor”, de 1991, de Sereno, Luiz Fernando e Diogo, interpretado por Quinho na Sapucaí. Hoje, a rua não sedia nenhum desfile do carnaval de rua, apesar de fazer esquina com a Primeiro de Março, que recebe megablocos. Entretanto, ao longo do ano recebe rodas de samba e lançamentos de livros.
Avenida Rio Branco
Imagem do jornal ‘O Careta’ mostra a Avenida Rio Branco cheia durante desfiles do Clube dos Democráticos e dos Fenianos
Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil
A Avenida Rio Branco já viveu todas as fases imagináveis do carnaval do Rio desde sua inauguração em 1904, quando ainda se chamava Avenida Central. Já recebeu desfiles de corsos (carros com foliões ricos fantasiados que jogavam confetes e faziam outras brincadeiras), grandes sociedades, de ranchos (grupos organizados que desfilavam apresentações com alegorias e orquestras de sopros), cordões (geralmente descritos como organizações mais caóticas com muitos instrumentos percussivos), blocos e escolas de samba.
Pesquisador de fotos imagens de arquivos pessoais sobre a memória do Rio, Rafael Cosme esbarra com frequência em registros da via. “É interessante observar que há fotos de desfiles e blocos organizados, mas a Rio Branco também era o grande centro para foliões que iam em grupos pequenos ou sozinhos para a rua fantasiados se divertir”, lembra.
Nos anos 60, a avenida foi palco da rivalidade dos blocos Cacique de Ramos e Bafo da Onça, nascidos respectivamente em Ramos e no Catumbi. Também recebeu durante muitos anos o desfile do Cordão da Bola Preta, considerado o bloco mais antigo em atividade no carnaval do Rio e que atualmente sai na Primeiro de Março.
Imagem do jornal ‘O Careta’ mostra corso na Avenida Rio Branco em 1916
Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil
Foliões se divertem na Avenida Rio Branco
Arquivo Pessoal/Rafael Cosme
Praça Onze e Presidente Vargas
Praça Onze de Junho, no Centro do Rio, em 1922
Augusto Malta/Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Praça Onze de Junho, no Centro do Rio, em 1929
Guilherme Santos/Acervo Instituto Moreira Salles
Desfigurada pela inauguração da Avenida Presidente Vargas há 80 anos, a Praça Onze era um lugar importante da memória da população negra do Rio. Tratava-se não apenas da praça em si, mas de uma região perto do Cais do Valongo – principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil e nas Américas, que integra desde 2017 a Lista do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
A região recebeu também ex-escravizados que vieram para a cidade, então capital, de outros estados e regiões do estado após a abolição. Pontos importantes nessa dinâmica eram as casas das “tias” baianas, como Ciata, onde se consolidaram as primeiras composições registradas como sambas.
Foi na Praça Onze que aconteceram, nas décadas de 1930, os primeiros desfiles das escolas de samba. Largos e praças da região abrigavam várias sedes de ranchos e blocos, além de servir de ponto de encontro religioso, cultural e de associações de trabalhadores.
Mesmo após a demolição de vários quarteirões da região para a Avenida Presidente Vargas na década de 1940, o carnaval continou tendo uma relação com a área. A própria nova avenida recebeu desfiles e, depois, a concentração das escolas que entram até hoje na Marquês de Sapucaí.
Carnaval da Praça Onze em um dos primeiros desfiles
Arquivo Pessoal/Rafael Cosme
Desfile na Praça Onze
Arquivo Pessoal/Rafael Cosme
Carnaval de 1966 na Avenida Presidente Vargas
Arquivo Pessoal/Rafael Cosme
Avenida Presidente Antônio Carlos e Primeiro de Março
Atuais palcos dos desfiles dos megablocos a Avenida Presidente Antônio Carlos e a Rua Primeiro de Março também têm relação antiga com o carnaval. A Presidente Antônio Carlos, por exemplo, abrigou três desfiles das escolas de samba na década de 70.
A história dessas vias, porém, é mais antiga que qualquer desfile formal. A Primeiro de Março, por exemplo, é tida como uma das ruas mais antigas do Rio. Inicialmente, dava para o mar e era chamada de Praia da Cidade. Depois, que a região foi aterrada, passou a ser chamada de Rua Direita da Praia de Nossa Senhora do Monte do Carmo, ou simplesmente, Rua Direita. Só virou Primeiro de Março em 1875.
Desfile na Avenida Presidente Antônio Carlos em 1973
Arquivo Pessoal/Rafael Cosme
Carnaval na Avenida Presidente Antônio Carlos em 2023
Fernando Maia/Riotur
Ranchos, sociedades e cordões
Desde aproximadamente a metade do século XIX, as ruas acima, vias próximas e outras regiões da cidade foram ocupadas por formas mais organizadas de curtir o carnaval – desde os primeiros séculos da época colonial já existia um conjunto de brincadeiras conhecido como “entrudo”, trazido por portugueses e inspirados por festas europeias que aconteciam antes da quaresma.
Essas formas de organização deixaram heranças que escolas de samba e blocos usam até hoje.
Imagem de 1916 do jornal O Careta mostra carro alegórico dos Fenianos na Rua da Carioca, no Centro do Rio
Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil
Sociedades – Surgiram aproximadamente na década de 1850, em meio a uma forte campanha na imprensa da época contra brincadeiras do entrudo – principalmente a guerra de “limões de cheiro” entre foliões, rotulada como prática “selvagem”. Eram grupos formados por jovens, principalmente homens da chamada elite intectual e financeira na época. Introduziram os carros alegóricos no Centro do Rio, além de elementos de cenografia, com a participação de profissionais do teatro. Apesar do caráter elitista das organizações, caíram no gosto do povo, que gostava de ver as alegorias, mulheres que eram destaques nelas, e uma ou outra crítica social. As chamadas Grandes Sociedades eram o Clube dos Democráticos, Fenianos e Tenentes do Diabo. Ao longo das décadas seguintes, bairros da Zona Norte e outras regiões do Rio também criaram suas sociedades. A música em geral era de bandas militares contratadas.
Ranchos – Eram grupos também altamente organizados, mas tinham o caráter mais popular em sua formação, assim como maior presença de mulheres. Os desfiles de rancho tinham inspirações em cortejos religiosos que já existiam em outros lugares do Brasil e foram introduzidos no Rio pelo baiano Hilário Jovino, criador do “Reis de Ouros”, na Zona Portuária, e vários outros ranchos. Os ranchos traziam instrumentos de corda e sopro e inovações como mestres-sala e porta-estandartes. O mais famoso foi o Ameno Resedá, que chegou a se apresentar para o presidente Hermes da Fonseca no Palácio Guanabara em 1911.
Cordões- Eram grupos com desfiles em um formato mais livres do que as sociedades e ranchos, mais parecidos com os blocos atuais, e vários deles tinham um foco maior na percussão. A historiadora Maria Clementina Pereira Cunha observa em sua obra “Ecos da Folia” que vários dos cordões tinham origem em organizações sociais e trabalhistas dos membros. Alguns grupos alimentavam também rivalidades. Houve perseguição da imprensa do fim do século XIX e início do século XX com esse tipo de grupo.
Foliões do Ameno Resedá em 1923, no jornal ‘O Careta’
Acervo Fundação Biblioteca Nacional
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