Loucos pela paz

Muito embora Israel tenha experimentado alguns breves momentos de “paz” ao longo desta guerra (quando estiveram vigentes o primeiro acordo de cessar-fogo em novembro de 2023 e o atual, iniciado em 19 de janeiro deste ano), a enorme tensão vivida no país nunca cedeu de fato um milímetro sequer. Viver essa guerra tem sido, para mim, um doloroso experimento antropológico – que não recomendo a ninguém -, no qual pude perceber quantas camadas de informação, de angústia, de breves alegrias ede cansaço um conflito bélico envolve.

Entendo que, vistas de longe, as guerras parecem um fio contínuo e monótono de eventos que se repetem. Esta ideia está muito longe da verdade: cada instante e cada evento trazem em si uma enorme carga de emoção e redireciona completamente os acontecimentos e o destino das pessoas. Tudo reverbera em tudo.

(Como disse Sagui Dekel-Chen, refém libertado no último sábado, durante seus 500 dias de cativeiro ele contou o tempo em “instantes”, e não em dias ou semanas. E lembro aqui que ocorrem nesse momento, segundo o monitoramento do portal Geneva Academy, mais de 110 conflitos armados no mundo, muito embora todos os olhares se foquem apenas em Israel x Hamas e, inexplicavelmente em menor grau, Ucrânia x Rússia.)

Também entendo hoje que todas as emoções desse período não são puras ou fáceis de serem descritas. A confusão de sentimentos é uma norma, uma mistura simultânea de dor e prazer, alegria e tristeza, ganho e perda. Os exemplos são fartos: celebramos a libertação do refém Yair Horn (que tem também nacionalidade argentina) arrasados com o fato que seu irmão Eitan continua preso nos túneis; comemoramos a libertação de Eli Sharabi tentando não imaginar o que ele sentiu ao tomar conhecimento de que suas duas filhas e sua esposa foram assassinadas no dia da invasão do Hamas. Ele só foi informado disso após sua libertação, dias atrás.

O esquelético Eli Sharabi, no centro: depois de 498 dias de cativeiro, ele volta para um lar vazioDivulgação

Tentamos acreditar que venceremos a guerra enquanto lidamos com a morte, em batalha, de quase 850 jovens soldados.

A próxima quinta-feira há de ser um novo dia de luto nacional, pois serão entregues os corpos de quatro reféns mortos em cativeiro, entre eles Shir e seus dois bebês ruivinhos, Kfir e Ariel. Saberemos não apenas quem morreu (Hamas nunca ofereceu confirmação de vida, morte ou condição física de nenhum refém), mas como morreu. E isso faz enorme, enorme diferença.

Os corpos de Shiri e seus bebês, Kfir e Ariel, raptados de suas casas em 7 de outubro de 2023, serão entregues a Israel amanhãDivulgação

Há também esperança no ar

Os israelenses estão esperando loucamente a paz chegar: 75% da população querem a continuação do cessar-fogo e o fim da guerra. Felizmente há muito mais do que dor e lamento no ar, e a resiliência típica do israelense – ou, melhor dizendo, do povo judeu – faz com que se vislumbrem chances reais de um futuro melhor e não muito distante no tempo, espera-se.

A promessa do presidente Donald Trump de que o Hamas deixará de controlar Gaza traz enorme esperança ao israelense, especialmente porque as decisões dele não esbarram nas infernais questões políticas internas de Israel.

O norte do país, duramente atacado pelo Hezbollah a partir do Líbano, está por agora silencioso e a população de lá tenta juntar energias para voltar às suas cidades e vilarejos após mais de 15 meses de abandono.

Prédio destruído por mísseis do Hezbollah, em Kiriat Shmona.Miriam Sanger

O sul está sendo reconstruído e um bom sinal disso, embora trágico, é o fato de muitas famílias estarem trasladando os corpos dos entes perdidos no 7.10.23 para cemitérios locais (todos foram enterrados em outros, no centro do país, em função da guerra). Isso diz muito sobre as intenções de retorno dos sofridos moradores da região.

Por fim, até o momento 24 reféns dessa primeira fase do acordo foram trazidos de volta do inferno para a luz do sol. Começar a entender o que passaram ao longo de tantos meses é tremendamente doloroso – mas assisti-los envolvidos pelos abraços e beijos dos seus traz muitas e muitas lágrimas de agradecimento por chegarmos finalmente a este dia.

Sinto que é hora de recitar uma bênção especialmente bonita do judaísmo que diz “Ba-ruch A-tá A-do-nai E-lo-hei-nu Me-lech há-o-lam she-he-chee-ya-nu v’ki-yi-ma-nu Vi-hi-gui-ya-nu-liz-man ha-zé”: “Bendito sejas, Eterno nosso D’us, Rei do Universo, que nos concedeu vida, nos sustentou e nos permitiu chegar a esse momento.”

Que venham outros assim.

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