Além do navio Mara Hope: Conheça a história por trás dos naufrágios no mar de Fortaleza


Há pelo menos dez naufrágios registrados por pesquisadores em Fortaleza. No Ceará, o número chega a quase 100. Fortaleza tem pelo menos dez naufrágios registrados por pesquisadores
Quem mora em Fortaleza, provavelmente já reparou na proa de um barco encalhado nas proximidades da Praia de Iracema. É o Mara Hope, navio que há 40 anos integra a paisagem marítima da capital cearense. Sendo um dos poucos naufrágios visíveis do Ceará, a embarcação é um ponto de curiosidade. No entanto, o navio está longe de ser o único com um destino inesperado nas águas cearenses.
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Há, pelo menos, dez naufrágios registrados por pesquisadores em Fortaleza. Em todo o Ceará, o número chega a quase 100. Por trás dos cascos deixados no mar, há histórias curiosas, mistérios e até tragédias.
Há pelo menos dez naufrágios em Fortaleza registrados no Atlas de Naufrágios do Ceará
Louise Dutra/SVM
Parte dessas informações são contadas no “Atlas de Naufrágios do Ceará”, elaborado por Marcus Davis, mestre em Ciências Marinhas Tropicais e mergulhador profissional, e Augusto César Bastos, arqueólogo subaquático e membro do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará. Publicado em 2015, a obra reúne material fotográfico e documental dos navios e é baseada em informações da Marinha e de jornais locais.
“Os navios ficam perdidos no fundo do mar e ficam como cápsulas do tempo”, destaca Marcus.
O Atlas não apenas mapeia embarcações submersas, mas também resgata memórias que, de outra forma, poderiam ser esquecidas no fundo do mar. Cada navio carrega consigo um passado único, marcado por desafios, acidentes e, em alguns casos, mistérios não totalmente esclarecidos.
Naufrágios são registros guardados da história. Através deles podemos compreender melhor nossos hábitos, nossas tecnologias e tipos de embarcações. É através deles que se torna possível reconstruir a história, quase sempre trágica, com mortes e perda de cargas e embarcações.
A seguir, conheça algumas das histórias contadas pelos pesquisadores e os detalhes que tornam esses naufrágios parte da identidade marítima do Ceará.
Rose (1897)
A barcaça Rose, de origem alemã, afundou no Recife Grande, em Fortaleza, no ano de 1897. Embora registrada pela Marinha do Brasil, havia poucas informações sobre a embarcação, como a causa do acidente, carga transportada e tripulação.
Até que em março de 2010, um mergulhador localizou os destroços de Rose no fundo do mar, incluindo âncoras, correntes e fragmentos de metal. A confirmação de que aquelas estruturas pertenciam à barcaça alemã veio após um pescador encontrar um sino no local dos destroços. Uma limpeza no objeto revelou um nome gravado em letras estilizadas: Rose.
Estruturas de madeira do Rose, com a ponta de um cravo de bronze no centro da estrutura à direita.
Mar do Ceará/Divulgação
Cearense (1897)
O local conhecido como “Poço da Draga” provavelmente recebeu esse nome devido à presença de uma draga, embarcação utilizada para a remoção de sedimentos do fundo marinho, nas proximidades da região.
Trata-se de um navio com mais de 100 metros de comprimento, equipado com duas caldeiras, embora sua estrutura esteja desmantelada. O registro da embarcação, incluindo sua posição, está presente nos arquivos da Marinha.
Pesquisadores acreditam que o naufrágio teria ocorrido em 1897. A área ao redor abriga uma rica vida marinha, sendo um ponto de interesse para mergulhadores. No entanto, as condições de visibilidade subaquática, que costumam ser limitadas ao longo do ano, tornam o mergulho na região desafiador.
Naufrágio da Santa Edwiges (1913)
O caso recebeu o nome de “Naufrágio da Santa Edwiges” pelos pesquisadores devido a proximidade com a estátua.
Marcus Davis/Divulgação
No início do século XX, o Poço da Draga, em Fortaleza, servia como um ancoradouro natural para várias embarcações, incluindo o vapor Rio Formoso, da Companhia Pernambucana de Navegação. Em 1913, essa embarcação teria encalhado nas proximidades do que hoje é o hotel Marina Park.
Quase um século depois, mergulhadores da equipe Mar do Ceará, guiados por pescadores locais, descobriram estruturas de aço submersas em frente à estátua de Santa Edwiges e acreditam que os destroços pertenciam ao Rio Formoso. Na época (2010), foram encontradas uma proa inclinada para a praia e um hélice parcialmente enterrado que coincide com as estimativas de comprimento da embarcação.
Embora o naufrágio estivesse em ruínas, estruturas como cabeços de amarração e partes do leme ainda eram visíveis. A ausência de metais nobres no hélice protegeu a embarcação de saqueadores, segundo Marcus Davis.
Beny (1969)
Navio naufragou no dia 18 de janeiro de 1969 enquanto ancorado para reparos no Porto do Mucuripe.
Marcus Davis/Divulgação
O navio cargueiro Beny, que pertenceu a uma empresa de navegação paulista, partiu do Maranhão em junho de 1968 com destino a Salvador, transportando um carregamento de sal. Contudo, ao navegar nas proximidades de Fortaleza, o cargueiro enfrentou problemas nas máquinas e lançou âncora ao largo do Porto do Mucuripe.
Alguns meses depois, a embarcação foi ancorada dentro da enseada e ficou à espera de reparos, mas nada foi feito. Até que no dia 18 de janeiro de 1969, o cargueiro começou a pender, inclinar-se e afundar, no termo náutico. A tripulação até tentou remover a carga, numa tentativa de salvar o Beny, mas no dia seguinte ele estava completamente submerso.
Amazonas (1981)
Peças de cristal encontradas após o naufrágio.
Mar do Ceará/Divulgação
O navio mercante Amazonas chegou ao Porto do Mucuripe em 2 de novembro de 1981 já em condições desafiadoras. A embarcação apresentava problemas nas bombas de esgotamento e, ao se aproximar da entrada do porto, já estava adernada, até que pendeu completamente durante o trajeto. 
Grandes toras de madeira e contêineres foram despejados no mar. Dentro das caixas, estavam produtos industrializados da zona franca de Manaus e peças de cristal. Boa parte do conteúdo foi saqueada pela população. 
Mara Hope (1985)
Conheça o Mara Hope, navio petroleiro encalhado em Fortaleza há quase 40 anos
O Mara Hope é um navio petroleiro espanhol que naufragou na costa de Fortaleza em 6 de março de 1985. A embarcação teve pelo menos dois destinos inesperados.
O primeiro ocorreu em 1983. Enquanto estava ancorado em Port Neches, no Texas, para uma reforma, o Mara Hope sofreu um incêndio na casa de máquinas. Devido ao risco de explosão, moradores locais e tripulantes foram evacuados, mas ninguém se feriu. Após o incidente, o petroleiro foi considerado inoperante e, em 1984, foi rebocado para Kaohsiung, Taiwan, para desmonte.
Embarcação onde estava mulher foi encontrada vazia próximo ao Mara Hope, no litoral de Fortaleza.
Thiago Gadelha/SVM
No entanto, em 6 de março de 1985, durante a viagem, o rebocador Sucess II, que levava o Mara Hope, enfrentou problemas mecânicos em águas brasileiras e teve que ancorar no estaleiro da Indústria Naval do Ceará, em Fortaleza. Em 21 de março de 1985, com a maré alta e uma forte tempestade, o Mara Hope se soltou e ficou à deriva até encalhar em um banco de areia perto da Praia de Iracema.
Apesar das tentativas de movê-lo, o navio permaneceu preso devido à profundidade e ao tamanho do banco de areia. Há também uma versão não confirmada de que o rebocador teria soltado as amarras, deixando o petroleiro à deriva.
Naufrágio do Titanzinho (1986)
Barco afundou em agosto de 1986
Marcus Davis/Divulgação
O Naufrágio do Tintanzinho recebeu esse nome devido à localização do acidente, que aconteceu a 4 quilômetros de distância de um paredão de pedras chamado Titanzinho. No local, está submerso um barco de pesca com cabine na proa feito de aço com aproximadamente 8 metros de comprimento e 3 de largura.
Segundo pescadores, a embarcação se chamava Marajó e afundou em agosto de 1986. O barco teria deixado o Porto para colocar manzuás (armadilhas artesanais para a pesca de lagostas), mas devido à má distribuição da carga, a embarcação teria entrado em um “buraco de mar” e encalhado. Não houve vítimas fatais.
Seawind (2012)
Trajeto do Seawind no Brasil foi marcado por polêmicas
Kid Júnior/SVM
O Seawind foi um navio cargueiro que pertencia a uma companhia de navegação da Bulgária, apesar de carregar uma bandeira panamenha. O trajeto da embarcação pelo Brasil foi marcado por controvérsias.
Com atrasos salariais que se arrastavam há meses, o navio, carregado com granito, partiu do porto de Vitória, no Espírito Santo, com destino à Itália. Durante a viagem, a tripulação enfrentou a escassez de suprimentos, e quando o navio fez escala em Salvador para reabastecimento, as condições pioraram, incluindo falhas mecânicas causadas por crustáceos que obstruíram o sistema de refrigeração dos motores.
Sem comida e quase sem água potável, o comandante Nicolay Simeonov decidiu ancorar em Fortaleza. A situação, no entanto, estava longe de ser resolvida. A empresa proprietária do navio ofereceu passagens de volta para casa, mas os marinheiros teriam que abrir mão das dívidas trabalhistas pendentes.
Quatro tripulantes aceitaram a oferta e retornaram à Bulgária;
outros três foram enviados à Bulgária devido a problemas médicos;
seis marinheiros permaneceram no navio, aguardando que a justiça trabalhista brasileira retivesse o navio como garantia do pagamento de seus salários, passaram três meses em condições precárias, com escassez de comida e obrigados a pescar para sobreviver.
Somente após três meses, os marinheiros conseguiram deixar o navio e retornar para casa, e representantes do sindicato local passaram a assumir a embarcação.
Dívida do Seawind chegava a US$ 565 mil
TV Verdes Mares
O navio, no entanto, não teve um fim imediato. Em junho de 2012, quase um ano após a saída dos últimos tripulantes búlgaros, o Seawind começou a afundar lentamente. Acredita-se que a corrosão e os crustáceos tenham provocado infiltrações, possivelmente no sistema de refrigeração já comprometido. Em 29 de junho de 2012, o navio afundou completamente, sem causar vítimas ou danos ambientais significativos.
Na época, a Capitania dos Portos apresentou uma outra hipótese para o naufrágio. O navio teria uma carga de 40 mil toneladas e teria afundado devido ao excesso de carga.
Segundo a Capitania, o navio ficou retido e ancorado em Fortaleza devido a diversas irregularidades, incluindo uma dívida de US$ 565 mil. Antes de afundar, a Capitania dos Portos tinha planos para leiloar o navio e a mercadoria para que a empresa pudesse pagar as dívidas.
Naufrágio da Ponte
Apelidado de “Naufrágio da Ponte”, o caso de uma embarcação avistada por Marcus Davis no início da década de 2010 é cheio de mistérios. “Conversando com pescadores e mergulhadores da região, soube da existência de uma hélice e algumas ferragens junto à Ponte Metálica, a uns vinte metros da praia”, conta.
A visibilidade é quase zero na maior parte do ano, segundo o mergulhador, devido à proximidade com a praia e o movimento constante das ondas. “É um navio de ferro, com uns cinquenta metros de comprimento e uns quatros ou cinco de largura. Está com a proa virada para a praia e a Ponte Metálica, fazendo um ângulo de cerca de 60 graus. O naufrágio está completamente desmantelado e repousa sobre formações coralíneas a estibordo”, detalha. Não há detalhes sobre a origem da embarcação ou quando ocorreu o naufrágio.
Navio do Aterrinho
O Naufrágio do Aterrinho foi localizado por Marcus Davis em 2010 no lado leste do espigão entre a Praia de Iracema e a Praia do Aterrinho. Trata-se de um pequeno barco de pesca afundado a aproximadamente 6m de profundidade.
A cabine de comando já não existia mais na época em que a embarcação foi encontrada, assim como o motor, leme e hélice. Somente o casco de aço, com cerca de 10m de comprimento, permanecia no fundo do mar.
Segundo Marcus, um caçador submarino que costumava mergulhar na região informou que o pequeno barco provavelmente bateu em recifes submersos próximos a praia e afundou rapidamente.
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