Justiça do Trabalho condena escola que descontava dízimo em contracheque de estagiária no ES


Segundo advogada, jovem foi coagida a destinar 10% de sua bolsa-auxílio ao pagamento da contribuição à igreja. Sede do TRT no Espírito Santo.
Fernando Madeira
A Justiça do Trabalho do Espírito Santo condenou uma escola de Vila Velha, na Grande Vitória, a restituir uma estagiária que teve o dízimo descontado indevidamente no contracheque durante cerca de um ano. A decisão não cabe mais recurso.
A estudante de pedagogia de 20 anos, que não quis ser identificada, trabalhou na instituição até maio de 2024. Segundo a advogada, a jovem foi coagida a destinar 10% de sua bolsa-auxílio ao pagamento da contribuição à igreja no momento em que assinou o contrato de trabalho.
A Escola Adventista do Ibes disse por meio de nota que existem precedentes judiciais reconhecendo a legitimidade do desconto do pagamento que os fiéis fazem às igrejas, e afirmou que o desconto de dízimo não ocorre de forma ilegal (veja a nota completa no fim do texto).
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Uma das advogadas responsáveis pelo caso, Luiza Alves, contou que esse foi o primeiro estágio da estudante, que exerceu uma vaga em que trabalhava com crianças no espectro autista.
“A estudante se sentiu coagida. Relatou que, quando foi assinar o contrato, explicaram: ‘aqui a gente faz o desconto, se você quiser assinar o contrato, tem que concordar’. Acredito que por ser o primeiro emprego, por ser muito jovem, a pessoa fica preocupada em falar que não quer”, avaliou a advogada.
O valor da bolsa-estágio começou em R$ 600, depois aumentou para R$ 1 mil, e o desconto foi sempre de 10%.
De acordo com a advogada, essa questão do dízimo foi a mais inusitada relatada pela jovem, mas não foi o único problema apontado. Também foi pedida a revisão do vínculo empregatício e indenização por danos morais, todos concedidos pelo juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) no Espírito Santo, Roberto José Ferreira de Almada.
“Ela ficou um período sem contrato e estava nessa condição quando foi dispensada. Esse tempo foi reconhecido como vínculo de emprego pelo juiz. […] Além disso, a escola ainda terá que ressarcir o que foi descontado em alguns dias em que a autora da ação apresentou atestado médico. A lei de estágio não é igual à CLT que fala que, quando você apresenta atestado, o dia é abonado e não descontado”, pontuou.
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O prazo final para pedido de recurso encerrou nesta segunda-feira (24), mas ainda não há definição de prazo para que a restituição dos valores seja paga, porque, segundo a advogada, é preciso aguardar as decisões sobre pedidos secundários do processo.
Luiza reforçou que não existe previsão legal para o dízimo, ainda que o trabalhador não fosse um estagiário.
“O dízimo é uma contribuição voluntária que é feita para igrejas ou ofertadas para instituições de caridade. A legislação prevê alguns descontos que são autorizados, como FGTS, vale transporte, contribuição sindical, só que o dízimo não tem previsão legal que autorize. Mesmo que o funcionário aceite, é ilegal. Ele pode fazer a doação diretamente, mas não descontada na folha. Podem até existir precedentes, porque depende do entendimento de cada desembargador, mas no processo da estudante, o juiz considerou ilegal e a escola não recorreu”, disse.
Veja a nota na íntegra da Escola Adventista do Ibes:
A Escola Adventista do Ibes esclarece que não efetua desconto de dízimo de forma ilegal. Existem diversos precedentes judiciais reconhecendo a legitimidade do desconto do dízimo. Como exemplo, citamos o Acórdão da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região do Estado do Espírito Santo, da lavra da Desembargadora Dra. Claudia Cardoso de Sousa, para quem:
“Na hipótese dos autos, então, malgrado não expressamente indicado na Súmula 342, do C. TST, não vislumbro qualquer ilegalidade nos descontos efetuados em folha de pagamento, a título de pagamento de dízimo. E nem se diga que os descontos não importariam em benefício aos trabalhadores, na medida em que a crença nos frutos advindos da oferta realizada evidencia interesse e benefícios de ordem religiosa, tão legítimos quanto os interesses materiais. Insta notar, ainda, que não há sequer alegação de vício na manifestação de vontade dos trabalhadores substituídos, sendo certo, outrossim, que consta dos autos relação de professores que solicitaram o referido desconto, bem como lista de professores que recusaram o desconto em questão (Id. dd8e0a4), o que sinaliza no sentido, como bem apontado pela magistrada de origem, de que o “desconto não é uma condição para se manter com o contrato ativo com a instituição reclamada. Ademais, espanca qualquer dúvida a permissão contida na Convenção Coletiva 2022/2023 (Id. 4ef91d3), em sua cláusula nona, para a realização de descontos, mediante autorização do empregado, tal como no caso em exame. O que se verifica é a tentativa do sindicato autor de generalizar a situação, sem se ater ao caso concreto. Apesar de o assunto ter sido amplamente debatido em outros Tribunais, as peculiaridades de cada caso devem ser analisadas, como nos autos, em que não há demonstração -sequer alegação – de vício de vontade nas manifestações juntadas pela reclamada. Ademais, não se trata de confusão entre fé e vínculo empregatício, uma vez que a liberdade religiosa é garantida em nosso ordenamento jurídico, cabendo a cada um escolher aquilo que considera benéfico para si, sendo irrelevante que o seu interesse ao optar pelo desconto tenha finalidade religiosa”. (Grifo nosso). (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Recurso Ordinário. Desembargadora CLAUDIA CARDOSO DE SOUZA, em 17/08/2023).
No caso acima, ficou provado que o desconto ocorre em respeito à manifestação livre e consciente do colaborador, sem que haja qualquer tipo de sanção para àqueles que são contrários. Outras decisões sobre o mesmo viés poderiam ser citadas. Portanto, o caso de uma colaboradora não reflete a totalidade do entendimento judicial. Acima de tudo, o respeito às decisões judiciais é essencial para a manutenção do Estado de Direito, garantindo a segurança jurídica, a estabilidade institucional e a observância dos princípios da justiça e da legalidade.
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