Impasse entre comunidade indígena de José Boiteux e governo de SC envolve demandas antigas

A comunidade indígena se organizou em mais um protesto contra o governo catarinense na barragem de José Boiteux, no Alto Vale do Itajaí. A manifestação reúne líderes e membros das aldeias da região, que pedem o cumprimento de reinvindicações antigas, como a realização de obras e investimento na saúde.

Impasse entre comunidade indígena e governo de SC envolve reinvindicações antigas – Foto: Jonas Pitz/RBA TV/ND

Líderes indígenas afirmaram que ocupação da barragem ocorre após o não cumprimento do acordo firmado com o governo de Santa Catarina. Em entrevista para a NDTV Record de Blumenau, o cacique Brasílio Priprá detalhou os motivos na nova manifestação.

“O estado tem uma condena, uma dívida com o povo indígena sobre a barragem, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, que já vai fazer dez anos, e não cumpriu isso ainda. Estamos aí para negociar, para conversar, para ver o que dá para fazer para melhorar o atendimento desse povo indígena”, disse.

Indígenas alegam descumprimento de acordo e ocupam barragem em José Boiteux  – Foto: Arquivo pessoal/ND

O acordo referido pelo líder indígena ocorreu em outubro de 2015, que inclui a construção de pontes, casas e ações sociais dentro da comunidade, em troca da liberação para vistoria, manutenção e obras na Barragem Norte, em José Boiteux.

“Outra coisa que era interessante para nós também é fazer esse asfalto até José Boiteux e essa ponte grande para as comunidades poderem passar para ir ao trabalho, atender áreas de saúde e educação. Isso não está sendo feito”, afirmou Priprá.

O líder indaga ainda que os representantes esperam se reunir com o governo catarinense para reforçar as prioridades dos indígenas e resolver a situação.

Líderes indígenas pedem cumprimento de acordo

O ancião Willy Ndili, em entrevista para a RBA TV, disse que a construção da barragem acabou dividindo as comunidades indígenas dentro do próprio território.

“A barragem tocou essas famílias lá em cima, no outro lado do rio. Para sair, é muita dificuldade para eles. Então a nossa briga é essa. Nós não somos contra construir a barragem, desde que venha acertar as contas com o povo indígena”, afirmou.

Assim como o ancião, o cacique Setembrino Camlém disse que a comunidade não está contra o governo ou a Barragem Norte, que apenas esperam o cumprimento do acordo.

“Ele [governo] se manifestou dizendo que os recursos estão sendo repassados, que está tudo sendo certo, mas desde outubro de 2023, na última enchente, nada de obra foi feita para a comunidade indígena”, comentou.

No início do ano, foi assinada uma Ordem de Serviço que prevê a manutenção da Barragem Norte, com reforma nos sistemas de acionamento das comporta. O investimento previsto é de R$ 265 mil, com prazo de execução de dois anos.

Comunidade indígena acampou na barragem de José Boiteux em novo protesto contra o governo catarinense – Foto: Otávio Júnior/Defesa Civil/Divulgação/ND

A nova ocupação ocorreu um dia antes da vistoria e manutenção da barragem, que deveriam ser realizadas com apoio técnico da Celesc, nesta quinta-feira (6). Por meio de um ofício, a Secretaria da Proteção e Defesa Civil do Estado informou que a ação visava restaurar as condições de operacionalidade das comportas, além de permitir o destarte, a contenção e o amortecimento do volume de água das chuvas.

Devido à ocupação dos indígenas, a Defesa Civil comunicou que a vistoria foi cancelada.

“Em virtude da manifestação da liderança da Comunidade Indígena Xokleng e com o intuito de evitar eventuais adversidades, a manutenção prevista para o dia 6 de março de 2025, às 8h, referente aos serviços de inspeção e manutenção na Barragem Norte, foi cancelada. Agradecemos a compreensão e, assim que possível, comunicaremos a nova data para a realização da manutenção. Desde já, agradecemos a atenção e empenho das instituições envolvidas, renovando votos de estima e apreço”, informa o ofício, assinado pelo secretário Mário Hildebrandt.

Sede da barragem de José Boiteux amanheceu destruída

A sede da barragem de José Boiteux amanheceu destruída na manhã desta quinta-feira (6). Um vídeo feito no local mostra o que seria a casa de operações e o muro da estrutura em ruínas.

Parte da estrutura amanheceu destruída nesta quinta-feira (6) – Vídeo: Jonas Pitz/RBA TV/ND

Para a RBA TV, o cacique Setembrino alegou que, por volta das 2h30 da madrugada, membros da comunidade escutaram dois carros chegando ao local, e depois escutaram um grande barulho.

“Segundo a informação, ficaram pensando que poderia ser a polícia, como aconteceu da  outra vez, então não se aproximaram. Hoje de manhã que foram lá ver e estava tudo depredado. Não se sabe se foi feito por parte da comunidade ou por não indígena, não temos essa informação”, disse.

Ainda conforme o cacique, espera que a sociedade não critique a comunidade como se fossem eles que tivessem destruído a sede. “Se a comunidade quisesse fazer, já teria feito antes, porque já estão há anos morando aqui e até cuidando desse patrimônio”.

Sede da Barragem Norte amanheceu destruída - Jonas Pitz/RBA TV/ND

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Sede da Barragem Norte amanheceu destruída – Jonas Pitz/RBA TV/ND

MPF irá apurar o ato de vandalismo - Jonas Pitz/RBA TV/ND

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MPF irá apurar o ato de vandalismo – Jonas Pitz/RBA TV/ND

Estrutura é a maior barragem de contenção de cheias  - Jonas Pitz/RBA TV/ND

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Estrutura é a maior barragem de contenção de cheias – Jonas Pitz/RBA TV/ND

A Secretaria de Estado da Proteção e Defesa Civil de Santa Catarina classificou a destruição da estrutura como um “ato lamentável e desnecessário”. O governo reafirmou o compromisso com o diálogo e disse que “trabalha na busca por soluções que atendam tanto às necessidades da população indígena quanto a segurança hídrica do Vale do Itajaí”.

“A Secretaria reforça a importância do diálogo e da cooperação entre todas as partes envolvidas para garantir que as medidas adotadas contemplem o desenvolvimento da infraestrutura necessária e o respeito aos direitos da comunidade indígena”, disse em nota.

Parte da sede amanheceu destruída nesta quinta-feira (6) – Foto: Jonas Pitz/RBA TV/ND

O MPF (Ministério Público Federal) também emitiu uma nota em que informa que irá apurar os atos de vandalismo ocorridos na Barragem Norte por meio de uma investigação, para responsabilizar os culpados pela depredação do local.

“A depredação do patrimônio se deu em um contexto de acordos firmados com o governo de Santa Catarina. O MPF acredita que em breve estará tudo solucionado com o cumprimento das contraprestações pelas partes envolvidas. Nesse contexto, salienta-se que a situação da Barragem Norte envolve uma questão complexa, que se arrasta há décadas, e exige uma solução justa e equilibrada”, comunicou.

Conforme a nota, a estrutura é a maior barragem de contenção de cheias do país e foi construída em território indígena, o que causou danos patrimoniais, morais e culturais à comunidade da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ.

De acordo com o MPF, casas foram destruídas e alagadas, a água foi contaminada, o acesso à educação e à saúde foi dificultado pelas péssimas condições das estradas, e a perda de áreas agricultáveis impossibilitou o plantio para subsistência das famílias.

“O MPF reconhece a extrema importância da Barragem Norte em uma quadra marcada pelo aumento exponencial das crises climáticas, que impactam sobretudo a população do Vale do Itajaí .Nesse sentido, espera-se que o governo de Santa Catarina tome as medidas necessárias para cumprimento do acordo, garantindo o mínimo existencial aos indígenas, e que estes, por sua vez, cumpram sua parte, permitindo as obras de manutenção da barragem em seu território”, completou a nota.

Termo de compromisso para construir casas na comunidade indígena

Nesta manhã de quinta-feira (6), o governador Jorginho Mello esteve em Rio do Sul para a apresentação da 2ª edição do Programa Santa Catarina Levada a Sério + Perto de Você: Prestando Contas na região da Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí (Amavi).

O evento reuniu lideranças e gestores dos 28 municípios que compõem a Associação para apresentar investimentos, ações e resultados do Estado na região. Durante o evento, um termo de compromisso entre o Governo do Estado e Prefeitura de José Boiteux foi assinado.

O documento prevê a construção de 32 unidades habitacionais de alvenaria (57,12 m² cada), sendo 30 destinadas à reserva indígena e 2 para moradia de párocos. O investimento total é de R$ 3.656.378,88 em recursos estaduais.

As obras fazem parte de um processo proposto em 2003 pelo Ministério Público Federal e Comunidade Indígena, que determinou que a União Federal, Funai e o Estado de Santa Catarina fizessem melhorias nas aldeias indígenas de José Boiteux, para mitigar os danos provocados pela obra da barragem.

“Esse investimento não é apenas uma questão de infraestrutura, mas de respeito e compromisso com as famílias indígenas e com toda a população que depende da barragem para sua proteção”, disse Hildebrandt durante o evento.

Conforme a assessoria do governador Jorginho Mello, ele pode participar de uma reunião com as lideranças da comunidade indígena na sexta-feira (7), na cidade de Rio do Sul.

 

 

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