Cientista brasileiro desenvolve cérebros em laboratório para pesquisar sistema nervoso


Pesquisa une conhecimento de indígenas da Amazônia com tecnologia espacial. Cérebros humanos se desenvolvem no laboratório da mesma forma que no ventre da mãe
Reprodução/TV Globo
O cérebro é nosso órgão mais complexo e também o mais difícil de ser estudado.
Ele se desenvolve no útero e não há ferramenta que possa acessar o que acontecer por lá. E, depois, fica protegido pelo crânio e qualquer interferência pode ser fatal.
Como, então, entender de que forma funciona o cérebro quando você realmente precisa entender?
“Eu tive meu filho Ivan, que tem um autismo profundo ou severo. Isso passou a me motivar mais ainda para acelerar as pesquisas. Eu quero realmente ajudar essas famílias a ter uma qualidade de vida melhor”, disse Alysson Muotri, professor e pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego.
Alysson Muotri estudou biologia em Campinas e fez doutorado em Genética na Universidade de São Paulo (USP). Depois, foi estudar na Universidade de Harvard e, agora, é pesquisador na Universidade da Califórnia em San Diego.
Para a pesquisa, ele precisava de amostras de células de crianças autistas como o filho dele.
“A gente criou o projeto Fada do Dente, onde as crianças mandam o dentinho de leite pra gente. Chega no laboratório, a gente isola as células da polpa e usa aquelas células para fazer o que a gente chama de reprogramação celular”, disse Alysson.
As células dos dentes são alteradas geneticamente e viram células cerebrais que se desenvolvem no laboratório da mesma forma que no ventre da mãe.
“E a partir daí, a gente cria esses minicérebros daquela pessoa”, explica o pesquisador.
Esse feito surpreendente já é uma janela para estudar os mistérios da nossa consciência.
Alysson mostrou os últimos resultados dessa pesquisa o numa palestra em Austin, no Texas, no South by Southwest, o maior festival de tecnologia e inovação do mundo.
“Tem uma série de medicamentos que a gente já descobriu que ajudam na melhor manutenção dessas redes neurais o cérebro humano, e diminuem os problemas até comportamentais”.
Alysson Muotri, professor e pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego
Reprodução/TV Globo
São drogas já aprovadas nos EUA para tratamento de epilepsia e autismo.
Mas a pesquisa avançou: os cérebros embarcaram num foguete Falcon X rumo ao espaço. Há anos está provado que os órgãos dos astronautas envelhecem numa velocidade surpreendente em viagens espaciais. A agência espacial americana queria entender por que, e o Alysson tinha suas próprias dúvidas.
“Para estudar um cérebro, por exemplo, que tem Alzheimer, eu precisaria esperar 70 ou 80 anos. Na estação especial, eu consigo chegar nesse estágio em um mês. Então, a gente usa a estação espacial como uma incubadora dos minicérebros e, quando eles voltam à Terra, eles envelheceram”.
Isso deu para ele outra ideia. Alysson foi para a Amazônia. Ali, perguntou para os sábios da floresta: o que vocês usam que é bom para a cabeça?
Eles nomearam uma série de plantas, e Alysson lançou na floresta robozinhos voadores minúsculos, drones biodegradáveis, que foram atrás das plantas no meio da mata e contaram onde elas estavam.
Ele recolheu as plantas, separou as moléculas, colocou nos cérebros do laboratório e mandou para o espaço, onde muito rapidamente será possível saber o efeito que elas têm no processo de demência.
O próprio Alysson já fez o treinamento de astronauta e deve ir para o espaço numa missão em 2026. Mas não quer ficar mais de 20 dias para não sofrer as consequências da deterioração das células.
Ao mesmo, construiu um robozinho que está aprendendo a andar. “Quem controla é o cérebro humano criado em laboratório”, explica Alysson.
Questionado se o cérebro humano um dia poderá ser um computador, Alysson disse que os pesquisadores trabalham nessa ideia de usar um cérebro humano criado em laboratório como um computador, o que, segundo ele, é chamado de inteligência de organoide.
“Pode eventualmente complementar ou até, em certas ocasiões, substituir a inteligência artificial como a gente tem”.
Uma mente brasileira brilhante, que, inspirada pelo filho, quebra barreiras do conhecimento, da mente. Mas sabe dos perigos que tanto avanço pode criar. É tudo tão rápido que parece que estamos vivendo um filme de ficção científica. Porque Alysson sabe qual é o ponto final de sua pesquisa.
“Eu acho que a gente vai criar um modelo de cérebro humano que vai ser consciente. A gente vai ter que aprender a lidar com isso. E o argumento que eu faço é a pesquisa está caminhando dessa forma para ajudar na qualidade de vida de milhões de pessoas que sofrem com doenças neurológicas. E se o custo disso é aprender a lidar com um organismo consciente, eu acho que vale a pena.”
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