Catadores informais representam mais de 75% da coleta de recicláveis em Curitiba; veja números


Das mais de 155 mil toneladas de resíduos sólidos recolhidos por ano, 83% vêm do trabalho dos coletores. Importantes para sustentabilidade local, eles enfrentam rotina dura e, na maioria das vezes, informal. Catadores informais representam mais de 75% da coleta de recicláveis em Curitiba
Pelos bairros de Curitiba, milhares de homens e mulheres atravessam as ruas da capital diariamente na busca por recicláveis. É a revenda desses resíduos que garante o mínimo para muitas famílias.
No município, os catadores representam 83,1% da coleta de material reciclável, conforme a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) – deste total, mais de 75% são trabalhadores informais, autônomos que, muitas vezes, não têm direitos trabalhistas. Veja infográfico abaixo.
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Entre os carrinhos que percorrem a capital, está o de Marcos Antônio Mendes, conhecido como Marquinhos. Ele, que tem 46 anos de idade, é natural Maringá, no norte do Paraná, e percorre 60 quilômetros diários na capital enquanto trabalha.
Marquinhos é catador de recicláveis há 8 anos em Curitiba
Reprodução/g1
Com jornada de 12 a 15 horas por dia, ele tem o Centro da capital como “escritório de trabalho”. Tudo o que ele coleta, troca em uma cooperativa que faz a separação dos resíduos, no bairro Jardim Botânico.
“Eu nunca cheguei a fazer as contas de quanto eu ganho, mas eu consigo sobreviver bem”, destaca.
Quando o carrinho de Marquinhos está cheio – podendo pesar até 400 quilos, segundo ele – o trabalhador dorme no veículo, pelas ruas da cidade. Segundo Marquinhos, ele prefere fazer isso porque voltar para casa, no bairro Prado Velho, seria ainda mais cansativo.
Na rotina árdua, Marquinhos encontra tempo para colecionar ursinhos que encontra enquanto procura por recicláveis. Amarrados à gaiola e fazendo companhia nas longas caminhadas dele, há personagens que marcaram a infância de muitos, como o Pica-Pau, Bob Esponja e Teletubbies.
Coleção de pelúcias do carrinho de Marquinhos
Reprodução/g1
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Informalidade sustenta coleta de recicláveis em Curitiba, mostram números
Dos mais de 155 mil de resíduos sólidos coletados por ano, estima-se que os catadores coletam 129 mil toneladas de materiais recicláveis na cidade, conforme a Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
Segundo a SMMA, os catadores são divididos em dois grupos na capital:
Catadores vinculados ao programa Ecocidadão, no qual recebem resíduos sólidos da coleta do “Lixo que Não é Lixo” para venda por meio de associações e/ou cooperativas e recebem um valor da prefeitura, oriundo da venda dos materiais separados em barracões que atendem esta etapa da cadeia do lixo.
Catadores informais, que não têm nenhuma ligação com a Prefeitura de Curitiba e trabalham de maneira autônoma pelas ruas da cidade.
O cenário atual é de que a coleta de material reciclável de Curitiba é, em números, sustentada pelos trabalhadores informais. Assim como Marquinhos, mais de três mil catadores atuam informalmente na capital, estima a prefeitura. Este grupo representa 75,4% da coleta de recicláveis por ano, também conforme o governo municipal.
No grupo de catadores adeptos ao Ecocidadão, são 900 membros que, anualmente, respondem por 7,7% da coleta de resíduos.
O que sobra é responsabilidade da prefeitura, que recolhe, em média, 26 mil toneladas dos resíduos por ano.
Confira o gráfico interativo da coleta de recicláveis em Curitiba de 2014 a 2024:
Coleta de recicláveis em Curitiba nos últimos 10 anos
‘Entregues à própria sorte’
Para Myrian Del Velcchio, doutora em meio ambiente pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), os catadores da cidade desempenham um papel fundamental na preservação do meio ambiente e sustentabilidade, mas, ao mesmo tempo, quando estão na informalidade, ficam “entregues à própria sorte” pela falta de direitos trabalhistas.
“Têm pessoas fazendo a catação em carros, kombis, em caminhonetes e que estão vendendo bem. Mas também existem pessoas que estão levando os filhos para catação e que estão dormindo no próprio carrinho porque não aguentam chegar em casa, estão exaustos”, relata.
Há o problema, também, da falta de segurança à saúde, característica da coleta. Os trabalhadores correm risco, por exemplo, de contaminação (quando ocorre o descarte errado, por parte da população, de antibióticos, seringas, cacos de vidro e lixo tóxico).
Para Myrian, a separação correta da população vai além da reciclagem e gera uma reação em cadeia. O trabalho reduz, por exemplo, a quantidade de lixo destinada aos aterros sanitários – atualmente, 34 mil toneladas de lixo da capital são destinados para o aterro de Fazenda Rio Grande por mês. Recentemente, o local foi alvo de embate judicial para expansão por conta do fim da vida útil que se aproxima.
Além disso, a separação apropriada dos resíduos contribui para a triagem em associações de reciclagem.
“A separação do lixo, cada vez mais caprichada, é um setor fundamental do carrinheiro, para vida útil do aterro, para triagem do lixo, para aproveitamento de embalagens e para reciclagem. Dá trabalho? Dá! Mas é uma questão ser civilizado”, aponta Myrian.
Segundo a Secretaria de Meio Ambiente, a atuação dos coletores vinculados ao Ecocidadão é crucial na capital, uma vez que eles são responsáveis pela separação e triagem de 100% dos recicláveis da coleta seletiva na cidade.
Além disso, com os programas de destino correto do lixo, 22,5% dos resíduos são reciclados no município – a média nacional de resíduos reciclados é de 3%, conforme a Secretaria de Meio Ambiente.
Em relação aos trabalhadores informais, a SMMA sinalizou que existe um esforço do poder público para incentivar a formalização desses profissionais. A pasta citou que irá assinar, ainda em março, o termo de adesão Conexão Cidadã, projeto para catadores informais. A pasta, entretanto, não detalhou como a proposta auxiliará esse público.
A SMMA também detalhou que uma opção para sair da informalidade é por meio da adesão ao Microempreendedor individual (MEI), que possui Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) onde catadores se encaixam e conseguiriam, por meio desta modalidade, viabilizar benefícios como previdência social.
“É um formato para que eles trabalhem de forma autônoma, mas por meio de associação ou cooperativa, o ganho nos valores agregados é muito maior e os benefícios também”, pontuou a pasta.
Mudança de vida pela reciclagem
Família de Luana quando ela coletava recicláveis
Arquivo pessoal
A busca por recicláveis marcou a trajetória de Luana Linhares, de 42 anos, que nunca tinha imaginado ser catadora de resíduos sólidos, mas seguiu a profissão por 14 anos. No tempo de catadora informal, a falta de uma rede de apoio obrigou que ela levasse os seis filhos para o trabalho, realizado pelas ruas da capital.
“Eu tinha medo de deixar eles sozinhos em casa – eles podiam brigar ou ir para rua – então eu deixava os maiores em casa e levava os menores comigo. Preferia eu mesma estar cuidando deles”, conta.
Luana é natural de Palmas, na região sul do Paraná, e veio para a capital em 2001. O motivo da mudança foi a cirurgia que uma das filhas, à época com 1 ano de idade, precisava fazer. A menina nasceu surda, muda e com a língua colada – que pode causar problemas na alimentação, respiração, fala e desenvolvimento dentário.
Para o tratamento da criança, Luana e o então marido decidiram ficar em Curitiba. Depois, ela se separou e, sozinha, encontrou na reciclagem a primeira oportunidade para sustentar a família.
Enquanto coletava os materiais recicláveis, a trabalhadora foi chamada para liderar um movimento de associação de catadores do bairro em que mora e, logo após, largou o carrinho e foi a mobilizadora do movimento dos catadores no Paraná por três anos.
Quando o projeto acabou, por conhecer o mundo da reciclagem, Luana começou a trabalhar como consultora de vendas em uma empresa do setor, na qual é responsável por fazer a compra de resíduos sólidos há 6 anos.
“Atualmente estou construindo minha casa, criei meus filhos e tenho netos. Tirei minha CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e tenho um carro”, conta.
Luana (de vermelho) na empresa de reciclagem
Arquivo/Reciclagem Capital
*Matheus Karam, estagiário do g1 Paraná, com supervisão de Caio Budel e Mariah Colombo.
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