‘Medo da morte’, jogo com goleiro na linha, Paulistão no RJ e hospital em arena: coronavírus deixou marcas no esporte da região


Morador de Sorocaba (SP), Paulo Roberto Santos ficou internado e precisou de oxigênio quando treinava o Santo André. São Bento disputou jogo com 17 desfalques por Covid-19 e só um reserva na Série C, e arena sediou hospital de campanha com 84 leitos. São Bento arranca empate com o Criciúma na Série C do Brasileiro
O novo coronavírus, que há cinco anos era declarado como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), atingiu também o esporte, com a paralisação de treinos e campeonatos, realização de jogos sem público e desafios que marcarão para sempre as vidas de técnicos, atletas e dirigentes.
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Como o treinador Paulo Roberto Santos, de 64 anos. Morador de Sorocaba (SP), ele comandava o Santo André quando viveu e venceu, fora dos gramados, o maior desafio de sua vida.
Durante a pandemia, dois treinadores conhecidos do futebol paulista morreram por conta da Covid-19: Marcelo Veiga, que comandava o São Bernardo, em 14 de dezembro de 2020, e Ruy Scarpino, do Amazonas FC, ex-Ituano e Atlético Sorocaba, em 3 de março de 2021.
Vinte dias depois, em 23 de março, Paulo Roberto foi internado em um hospital de Sorocaba com quadro de pneumonia viral em virtude da infecção por Covid-19, após cinco dias de sintomas.
Técnico Paulo Roberto Santos e filhas, no momento da alta do hospital
Arquivo pessoal
O agravamento do quadro levou ao comprometimento entre 50 e 75% da capacidade respiratória dos pulmões e o treinador precisou do auxílio de oxigênio, ficando hospitalizado por oito dias até ter alta.
“Foi um momento angustiante, desesperador e de muito medo da morte. Uma sensação que não desejo para ninguém durante o período de internação. Acho que aquele momento me fez entender que a vida vai embora em um sopro. Passa um filme em segundos. Familiares, profissão, tudo indo embora sem que você possa fazer nada”, relembra o atual técnico do São José (SP).
Paulo Roberto Santos treinava o Santo André em 2021
Rodrigo Corsi/Agência Paulistão
Paulo Roberto Santos fazia parte do grupo de risco da doença pela idade (tinha 60 anos) e também por conta de uma cirurgia no coração realizada em 2018.
Na época, por acreditar ter sido infectado pelo coronavírus na concentração de um jogo do Paulistão, o técnico foi contrário ao retorno das atividades esportivas, mas a Federação Paulista de Futebol (FPF) acabou fazendo a liberação no início de abril de 2021, após a adoção de um novo protocolo de segurança sanitária.
Seu trabalho no Santo André foi interrompido no fim daquele mês porque a doença o debilitou com perda de peso, e os médicos não o liberaram para trabalhar à beira do campo ou dando treinos. O clube alegou “impossibilidade clínica do exercício das funções”.
“Naquele momento, percebemos o quanto Deus age em nossas vidas quando temos fé e pessoas que nos amam. A vida mudou, nasci novamente e passei a dar muito mais valor à vida, familiares e aos verdadeiros amigos”, analisa o técnico sobre o que viveu no período, expressando gratidão pelos profissionais do hospital e aos dirigentes do São Bento, equipe que treinou entre 2014 e 2018 e 2023 e que prestaram todo o auxílio a ele naquele momento difícil.
Emoções opostas
Edson Vieira comandou o São Bento entre fevereiro de 2020 e abril de 2021
Neto Bonvino/Bento TV
O técnico Edson Vieira comandou o São Bento entre fevereiro de 2020 e abril de 2021 e viveu emoções opostas. Ele estreou na nona rodada da Série A2, quando o time patinava na tabela e ocupava a zona do rebaixamento, e engatou quatro vitórias consecutivas até a paralisação do campeonato, em 16 de maio.
Foram cinco meses de jogos suspensos, com o retorno dos treinos com bola ocorrendo em 1º de julho, mediante protocolos sanitários.
Para que os atletas não ficassem parados, os preparadores físicos mantinham a programação de exercícios em dia com eles por videoconferência, como relembra Fábio Bahia, capitão da equipe em 2020 e 2021.
“O Clebinho [Cleber Vaz] nos passava as atividades e eu também fazia treinos subindo escadas no condomínio onde moro. Foi muito difícil, diferente para todos nós, porque desde muito novos vivemos a rotina de treinos e concentrações e nos vimos sem tudo isso de uma hora para outra. Mas, através da tecnologia, conseguimos nos manter em forma e superar aquilo.”
Sem poder entrar em campo, alguns times tiveram que desmanchar e remontar elencos inteiros. Apesar das dificuldades, o São Bento conseguiu manter seus jogadores, ficar com o vice-campeonato do Paulista Série A2 e alcançar o objetivo de retornar à elite do Paulistão. Mas a alteração do calendário fez com que o clube tivesse de disputar a Série A2 simultaneamente à Série C do Campeonato Brasileiro.
“O São Bento não tinha condições de jogar duas competições e tinha uma única chance de subir para a Série A1. E eu me vi em uma Série A2 e em uma Série C. Tem que ter elenco, dinheiro. Se não subíssemos [para a elite do Paulista], entraríamos em uma decadência muito grande em que não saberíamos o que poderia acontecer”, pontua Edson Vieira.
17 desfalques por Covid e goleiro na linha
Jogadores do São Bento protestam antes do jogo contra o Criciúma
Neto Bonvino/Bento TV
Foi no Brasileiro Série C que ocorreu o episódio mais emblemático da pandemia para o esporte da região. No dia 26 de outubro de 2020, duas semanas após a final do Paulista Série A2, o São Bento foi a campo para enfrentar o Criciúma, no estádio Walter Ribeiro (CIC), em Sorocaba, com apenas 12 atletas disponíveis, e arrancou um empate sem gols.
15 jogadores haviam testado positivo para Covid-19, dois tinham sintomas da doença, um estava suspenso e outros três estavam lesionados. Mesmo assim, a CBF negou o pedido de adiamento da partida. Antes de a bola rolar, ainda vestindo as máscaras, os atletas fizeram um protesto.
“Foi muito complicado. Com 21 desfalques, esperávamos que o jogo fosse cancelado, e, quando foi confirmado o jogo, todos se desesperaram. Havia o medo de acontecer algo mais grave. Foi assustador [a CBF] deixar acontecer a partida”, recorda Fábio Bahia, um dos desfalques daquela noite. “Minha mãe havia vindo me visitar em Sorocaba e era do grupo de risco. Quando saiu o teste e eu estava positivado, eu fiquei com muito medo de acontecer algo com ela, com minha esposa e meus filhos”, relembra.
Lucas Macanhan foi o único reserva do São Bento contra o Criciúma
Neto Bonvino/Bento TV
O único reserva no banco era o goleiro Lucas Macanhan. Ele teve de ser usado como atacante durante os últimos dez minutos do segundo tempo, no lugar do atacante Coutinho.
“Com uma vitória naquele jogo, a gente não teria caído, teria caído o Criciúma. Nunca imaginávamos que a CBF iria permitir aquele jogo. Foi um momento muito duro que o São Bento passou. Eu não queria cair com o São Bento, porque eu preguei isso ao clube em 2013, sonhar com o Campeonato Brasileiro, é onde está o maior patrimônio dos clubes”, lamenta Edson Vieira, que hoje comanda a Inter de Bebedouro.
Em menor escala de gravidade, outras equipes experimentaram situações parecidas, como o Novorizontino, quando o técnico Roberto Fonseca, quatro membros da comissão técnica e um jogador testaram positivo durante a Série D de 2020; e o Mirassol, que ficou sem quatro jogadores para o jogo contra o São Paulo e as quartas do Paulistão diante do Guarani em 2021.
Paulistão no RJ
São Bento enfrentou o Palmeiras com mensagem #VacinaJá no uniforme
Cesar Greco/Agência Palmeiras
Em 2021, por conta da segunda onda da pandemia, o Paulistão foi interrompido de 24 de março a 13 de abril. Dias antes, o torneio estadual de São Paulo chegou a ter duas partidas sediadas no Rio de Janeiro, onde as medidas sanitárias eram menos restritivas, em tentativa da FPF de manter a bola rolando.
O local escolhido foi o estádio Raulino de Oliveira, em Volta Redonda. Em 24 de março, o São Bento empatou com o Palmeiras em 1 a 1, jogando com a frase #VacinaJá estampada nas costas do uniforme. No dia anterior, o Mirassol perdeu do Corinthians por 1 a 0.
Paulistão 2021 teve dois jogos no estádio Raulino de Oliveira, em Volta Redonda
Cesar Greco/Agência Palmeiras
“Nós nos preparávamos para viajar, e cancelavam, todos voltavam para suas casas. Uma hora a viagem ia ser de avião, depois de ônibus. Quando foi confirmado em Volta Redonda, ainda assim teve toda a dificuldade do traslado. Na hora de tirar o par ou ímpar com os árbitros, estávamos todos de máscara, uma situação completamente diferente para o futebol. São coisas que não estávamos acostumados a ver”, lembra Fábio Bahia.
De arena a hospital
Um dos principais palcos do futsal no Brasil, a Arena Sorocaba foi transformada em hospital de campanha, com 84 leitos, entre abril e novembro de 2020. O espaço foi dedicado a pacientes de baixa complexidade, que pudessem ser tratados em um ambiente improvisado, desafogando a ocupação de leitos em hospitais na cidade.
Hospital de campanha foi montado na arena multiuso, próximo à Rodovia Raposo Tavares, em Sorocaba (SP)
Prefeitura de Sorocaba/Divulgação
Prevista para começar em março, a Liga Nacional de Futsal (LNF) só teve início em 21 de agosto. O período de isolamento foi um desafio para o preparador físico Mauro Sandri e o fisioterapeuta Renan Fernandes, que utilizaram um aplicativo de videoconferência para conseguir controlar à distância o dia a dia dos atletas e suas atividades físicas.
Com “lives” e treinos publicados nas redes sociais, o clube acabou fazendo da dificuldade um mecanismo de engajamento do público e da torcida enquanto a bola não pôde rolar. Em razão do uso da Arena Sorocaba pela Secretaria de Saúde do município, a equipe teve como sede na LNF o ginásio Professor João Carlos de Camargo, em Votorantim, e, ali, foi campeã ao superar o Corinthians na final.
Sorocaba Futsal foi campeão da LNF 2020
Yuri Gomes/LNF
Hospital de campanha começa a funcionar em Sorocaba
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