Marco da redemocratização do Brasil, posse de José Sarney na Presidência completa 40 anos


Presidente eleito, Tancredo Neves foi hospitalizado na véspera da posse. Sarney, que era o vice, assumiu de forma interina a Presidência, encerrando 21 anos de ditadura militar. Há 40 anos, após uma madrugada de agonia, apreensão e negociações em Brasília, o maranhense José Sarney assumiu de forma interina a Presidência da República. O ato encerrou o período em que o país foi comandado por uma ditadura militar (1964-1985) e marcou o início da redemocratização do país.
José Sarney toma posse em 15 de março de 1985, no Congresso Nacional.
Acervo/Senado Federal
Sarney, então com 54 anos, chegou ao Congresso Nacional na manhã da sexta-feira, 15 de março de 1985, como vice-presidente eleito. Prestou o juramento constitucional e foi empossado como vice-presidente. Depois, rumou ao Palácio do Planalto, onde deu posse aos novos ministros.
Tancredo Neves, o presidente eleito pelo colégio eleitoral, foi hospitalizado na véspera da posse com fortes dores abdominais e precisou passar por uma cirurgia.
Congresso empossa Sarney como vice-presidente do Brasil
Avisado durante a madrugada que tomaria posse e ficaria à frente do governo até a recuperação de Tancredo, Sarney fez um discurso breve no Planalto.
“Eu estou com os olhos de ontem”, afirmou, em referência à noite insone, ao iniciar o discurso de pouco mais de 200 palavras em sua fala de posse do gabinete de ministros escolhidos por Tancredo.
“Os nossos compromissos, meus e dos senhores agora empossados, são os compromissos do nosso líder, do nosso comandante, do nosso grande estadista, e a bandeira que reúne neste instante o país e as nossas vontades, que é a bandeira que se chama Tancredo de Almeida Neves”, discursou.
A internação de Tancredo deixou o país atônito e iniciou a sequência de 39 dias de apreensão que terminou com a morte do presidente, em 21 de abril, aos 75 anos, sem que ele tivesse tomado posse.
Primeiro na linha de sucessão, Sarney assumiu de forma definitiva a Presidência da República e governou até março de 1990. Foi o primeiro civil a presidir o Brasil em 21 anos – o último havia sido João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964.
A redemocratização
A volta da democracia foi um processo cauteloso, que exigiu negociações entre as elites política e militar do país. A abertura “lenta e gradual” teve início no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) e prosseguiu com o general João Baptista Figueiredo (1979-1985), ambos do Exército Brasileiro.
Um dos marcos do esforço da sociedade civil em busca da democracia foi a campanha das “Diretas Já” para aprovar no Congresso a chamada emenda Dante de Oliveira, que modificava a Constituição e determinava a volta da eleição para presidente pelo voto direto dos brasileiros.
Movimento das ‘Diretas Já’ completou 40 anos em 2024.
Em 1984, apesar da emenda não ter sido aprovada, a mobilização nas ruas reforçou o sentimento de que a ditadura se aproximava do fim. A eleição do novo presidente foi realizada no colégio eleitoral, com os votos de deputados e senadores, em 15 de janeiro de 1985.
Candidato da oposição, Tancredo Neves costurou um acordo político denominado de Aliança Democrática incluindo seu partido, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), outras siglas de oposição e políticos da Frente Liberal, que depois veio a se tornar o Partido da Frente Liberal (PFL). Tratava-se de uma dissidência do Partido Democrático Social (PDS), partido que sucedeu a Arena no apoio ao regime militar.
Ex-presidente do PDS, Sarney era senador pelo Maranhão, já havia sido governador do mesmo estado e deixou a legenda para se filiar ao MDB e ser o vice na chapa da oposição. Ex-governador de Minas Gerais, político de perfil conciliador, Tancredo Neves superou o candidato governista Paulo Maluf (PDS) na eleição do colégio eleitoral.
A vitória gerou a expectativa de grandes mudanças no país que se redemocratizava e cuja população sofria com a inflação acima de 200% ao ano. A posse de Tancredo seria o ponto inicial da Nova República, como o retorno do poder a um presidente civil ficou conhecido à época.
José Sarney se torna presidente em exercício
Madrugada de negociações
A internação e a cirurgia de Tancredo colocaram em risco o começo da Nova República. Ao longo da noite de quinta-feira, 14 de março, e da madrugada da sexta, dia 15, pairou o receio de que os militares poderiam se negar a entregar o poder.
Como a chapa eleita ainda não tinha sido empossada pelo Congresso, havia dúvida sobre quem assumiria até que Tancredo deixasse o hospital: o vice-presidente eleito ou o presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães (MDB-SP). Os dois nomes não agradavam a uma parcela dos militares.
Na madrugada, Ulysses foi até a Granja do Ipê, onde morava Leitão de Abreu, ministro da Casa Civil do governo que se encerrava. Leitão, embora civil, era parente do general Aurélio de Lira Tavares, que em 1969 integrou a junta militar que impediu a posse de Pedro Aleixo como presidente e governou o Brasil após problemas de saúde do general Costa e Silva.
Ulysses Guimarães estava acompanhado do presidente do Senado, José Fragelli (MDB-MS), e do general Leônidas Pires Gonçalves, escolhido por Tancredo para ser o ministro do Exército. O encontro pacificou o entendimento para Sarney assumir de forma interina, posição costurada também com líderes dos partidos do Congresso.
Sarney foi comunicado da decisão ainda antes do dia nascer. Em entrevista ao Senado, em 2015, ele relatou que passava das 3h quando recebeu ligações de Fragelli e Leônidas. Ficou marcada na memória do político a forma como o general se despediu: “Boa noite, presidente”.
Às 10h12 do dia 15, Fragelli abriu a sessão do Congresso e informou a ausência de Tancredo. Foi lido um atestado médico, assinado pelo médico Gustavo de Arante Pereira, diretor do Hospital de Base, em Brasília, informando que o presidente eleito passara por cirurgia, seguia internado e não poderia se locomover temporariamente.
Atestado de saúde de Tancredo Neves enviado ao Congresso.
Senado Federal
Sarney fez o juramento constitucional, foi empossado como vice-presidente e ficou como presidente em exercício diante da expectativa de que Tancredo estivesse apto a tomar posse em uma semana.
“Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”, jurou.
A ditadura militar estava oficialmente encerrada. No Palácio do Planalto, não houve passagem da faixa presidencial. Figueiredo se recusou a entregar o símbolo do poder a Sarney, a quem considerava um traidor, e deixou o palácio por uma porta de serviço.
Sarney faz discurso depois de tomar posse
A ditadura militar
Sarney substituiu João Figueiredo, o último dos cinco generais que governou o país durante os 21 anos de ditadura.
O regime militar teve início em 1964 com a deposição de João Goulart, vice-presidente eleito em 1960 e que assumiu o governo em 1961 após a renúncia de Jânio Quadros.
Humberto Castelo Branco (1964-1967) foi o primeiro presidente da ditadura, sucedido por Costa e Silva (1967-1969), Emílio Medici (1969-1974) e Ernesto Geisel (1974-1979).
Castelo Branco e Médici
Palácio do Planalto/arquivo
A ditadura teve um período de crescimento, chamado de milagre econômico, porém terminou com inflação em alta e dívida externa em crescimento.
O período foi marcado pela ausência de eleições diretas para Presidente e repressão violenta aos opositores, com fases nas quais o Congresso foi fechado, políticos foram cassados, houve censura à imprensa, tortura e assassinato de adversários políticos.
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Governo Sarney (1985-1990)
Sarney governou de março de 1985 a março de 1990, quando foi sucedido por Fernando Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto direto desde Jânio Quadros, em 1960.
Fernando Collor de Mello (centro) e Itamar Franco (dir.) caminham pela rampa do Palácio do Planalto para tomar posse como presidente e vice-presidente da República em 15 de março de 1990.
Ricardo Chaves/Arquivo/AE
O governo Sarney foi marcado pela convocação e realização da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a atual Constituição Brasileira, em 1988. A Carta, em vigor até hoje, ampliou direitos civis, sociais e políticos, criou o Sistema Único de Saúde (SUS), marcando um avanço na redemocratização do país.
Com o slogan “Tudo pelo social”, Sarney fracassou ao enfrentar a inflação e a recessão econômica. Sucessivos planos não conseguiram conter a alta de preços, e a inflação bateu 1.782% em 1989 (em 2024, foi de 4,83%). O presidente ainda suspendeu o pagamento da dívida externa.
Na área internacional, Sarney buscou uma política mais aberta, se aproximou de países da América Latina e lançou as bases que levaram à criação do Mercosul – bloco atualmente formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia.
Após deixar a Presidência, Sarney elegeu-se senador três vezes consecutivas pelo Amapá e presidiu o Senado por quatro vezes, tornando-se um político relevante nos governos Fernando Henrique (1995-2002), Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016).
Em 2011, então presidente do Senado, Sarney recebeu o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, no gabinete da presidência do Senado.
Dida Sampaio/AE
Sarney decidiu não disputar a reeleição em 2014 e, desde então, não concorreu mais a cargos públicos. Próximo de completar 95 anos, que serão completos em 24 de abril próximo, passa maior parte do tempo em Brasília.
Na última semana, esteve no Planalto para posse de Gleisi Hoffmann e Alexandre Padilha como ministros das Relações Instituições e Saúde, respectivamente.
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