Henrique da Silva Fontes: 140 anos do mestre que revolucionou a educação em SC

Os milhares de professores, estudantes e visitantes que circularam ou passam pelo coração do “campus” da Universidade Federal de Santa Catarina, na Trindade, encontram dois monumentos na frente do prédio da reitoria, no meio do espaço ajardinado projetado pelo famoso arquiteto Roberto Burle Marx. Lá estão os bustos dos professores João David Ferreira Lima, criador da UFSC (1960), e Henrique da Silva Fontes, fundador da Faculdade Catarinense de Filosofia (1951).  O prédio da reitoria foi obra da gestão Ferreira Lima, enquanto o edifício da faculdade, no outro lado da praça, realização de Fontes.

Henrique da Silva Fontes, fundador da Faculdade Catarinense de Filosofia – Foto: Arquivo Pessoal/ND

Uma das maiores expressões da educação, da justiça, da administração pública, da pesquisa histórica e da literatura catarinense, Henrique da Silva Fontes estaria completando neste sábado, se vivo fosse, 140 anos de idade. Natural de Itajaí, filho de açorianos, estudou no Rio Grande do Sul e no Paraná, formou-se em direito, revolucionou o ensino público no Estado, foi cofundador da Faculdade de Direito (1932) e criador da Faculdade Catarinense de Filosofia (1951) e visionário implantador da Cidade Universitária da Trindade.

Atuou, igualmente, de forma impecável como juiz federal substituto, procurador do Estado, secretário da Fazenda, desembargador do Tribunal de Justiça, fundador da cadeira 18 da Academia Catarinense de Letras, presidente perpétuo do Instituto Histórico e Geográfico, provedor da Irmandade do Espírito Santo e primeiro diretor geral da Casa dos Professores de Santa Catarina. O Centro Integrado de Cultura foi inaugurado em sua homenagem há 42 anos.

Em vários municípios do Estado seu nome está imortalizado em escolas públicas estaduais e municipais. Entre os milhares de alunos que passaram por suas aulas de direito, economia política e língua portuguesa, o legado mais lembrado até hoje é sua postura ética, de absoluta integridade, estudioso, reto em todas as decisões e atitudes, zeloso com a coisa pública, solidário e líder de trabalhos de voluntariado.

Memória resgatada

No subsolo do Condomínio Residencial Clotilde Fontes, avenida Trompowski, 148, está preservado o mais rico acervo literário, cultural e documental entre os catarinenses mais ilustres. Clotilde era o nome da esposa do respeitado mestre.

O prédio foi construído no terreno onde havia a residência do professor Fontes. Ali viveu sua filha, Terezinha de Jesus Luz Fontes, que se dedicou a resgatar a memória do pai. Com a morte dela, os milhares de livros, fotos, ricos documentos, cartas, manuscritos, coleções de clássicos e um monumental arquivo com milhares de pastas suspensas está sendo preservado pelo neto, o engenheiro José Henrique da Silva Fontes.

Homenagem a Henrique da Silva Fontes – Foto: Arquivo Pessoal/ND

No grandioso fichário particular, em pastas específicas, podem ser encontrados textos manuscritos, anotações feitas em máquina de datilografia sobre a origem dos nomes germânicos e portugueses. Tudo fruto de um incansável e gigantesco esforço de pesquisa pessoal.

Suas principais obras são até hoje objeto de pesquisas e temas de elaboração de teses de mestrado e doutorado. Uma delas, por exemplo, recupera, com impressionantes dados e ricas informações, a história da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos.

Biografia do conselheiro José Mascarenhas

Tem sua assinatura, também, um estudo pioneiro sobre a biografia do conselheiro José Mascarenhas Pereira Coelho de Mello, um nobre degredado português que marcou a história catarinense. Foi recolhido à Fortaleza de Santa Cruz, em Anhatomirim, em 1770, como preso político, por ordem do Marques de Pombal. Era formado em direito em Valladolid (Espanha) e Coimbra (Portugal).

Durante o período em que penou pela terrível injustiça no solidário cubículo, ensinou os soldados e familiares residentes na tenebrosa ilha. Em 1942, fruto da pesquisa de Fontes, o Instituto Histórico e Geográfico fez solenidade para homenagear o culto prisioneiro português.

A Cidade Universitária

O dia 5 de julho de 1959 mudou para sempre a história do ensino superior em Santa Catarina. Foi solenemente lançada naquela data a pedra fundamental da Faculdade Catarinense de Filosofia, o primeiro prédio da Cidade Universitária na Trindade, em área da Fazenda Assis Brasil, de propriedade do governo do Estado.

A solenidade contou com a presença do governador Heriberto Hülse, do professor Henrique da Silva Fontes, líder do movimento, de professores, magistrados e outras autoridades. O arcebispo metropolitano, Dom Joaquim Domingues de Oliveira, benzeu o ato, seguindo-se vários pronunciamentos oficiais.

O professor Henrique Fontes tinha liderado a fundação da Faculdade Catarinense de Filosofia, em 8 de setembro de 1951. A unidade foi incorporada à Universidade Estadual em 15 de setembro de 1961.

Cidade Universitária Filosofia, Ciência e Letras – Foto: Arquivo Pessoal/ND

A semente do pioneiro projeto foi lançada dia 6 de setembro de 1951, durante reunião entre os professores Henrique Fontes, Urbano Müller Salles e Henrique Rupp Junior, que também participaram em 1932 da criação da Faculdade de Direito, a primeira unidade superior do Estado.

Desde sua criação, Fontes contou com decisivo apoio do governador Irineu Bornhausen, seguindo-se do governador Jorge Lacerda e de seu sucessor Heriberto Hülse. O presidente João Café Filho assinou em 1954 o Decreto 36.658, “concedendo autorização para funcionamento do dos cursos de filosofia, geografia, e história, letras clássicas, letras neolatinas e letra anglo germânicas da Faculdade Catarinense de Filosofia”.

 

A Cidade Universitária foi oficializada pela Lei 1.170, de 26 de novembro de 1954, assinada pelo governador Jorge Lacerda, com projeto dos arquitetos Hélio de Queiroz Duarte e Ernesto Roberto de Carvalho Mange, contratados pelo governo na Universidade de São Paulo. A solenidade de Colação grau primeira turma deu-se em 11 de janeiro de 1958.

Foto: Arquivo Pessoal/ND

Toda a imensa área da Cidade Universitária foi transferida para a UFSC na década de 1960. A Universidade Federal de Santa Catarina foi fundada em 18 de dezembro daquele mesmo ano, pelo presidente Juscelino Kubitschek, e instalada em março de 1962.

O processo foi liderado pelo professor João David Ferreira Lima, seu primeiro reitor, que comandou a federalização da Faculdade de Direito. A Reitoria da UFSC funcionou inicialmente na rua Bocaiuva, 60, onde se instalou, a partir de 1973, a atual 14ª Brigada Militar do Exército.

A transferência da reitoria e de várias unidades administrativas para a atual Cidade Universitária acontecem em 1970.

O mestre dos mestres

Cidadão, professor, desembargador, gestor público, historiador e acadêmico que marcou toda sua vida com ética, integridade e magnífico exemplo para todas as gerações, Henrique da Silva Fontes era considerado o “mestre” em tudo o que fazia, contaminando com sua magnífica postura os interlocutores, os correligionários e até os adversários.

O escritor e advogado Paschoal Pitsica prestou-lhe homenagem nas celebrações do centenário de nascimento, em ato na reitoria da UFSC, sentenciando: “O título de mestre cabe-lhe por justiça!”.

E enumerou:  “Mestre da instrução pública, como poucos! Mestre do direito, como desembargador e no magistério da Faculdade de Direito. Mestre no ensino superior, como fundador e diretor da Faculdade Catarinense de Filosofia. Mestre em letras, como fundador da cadeira 18 da Academia Catarinense de Letras. Mestre em história, como criativo e dedicado pesquisador e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina”. Poderia acrescentar mestre em defesa da Justiça como juiz federal, juiz eleitoral e procurador geral do Estado.

Henrique da Silva Fontes – Foto: Arquivo Pessoal/ND

Mais ainda: mestre em comunicação, por fundar o jornal “A Época” e brilhar com artigos nos jornais do Estado. E também em literatura, ao publicar livros inéditos sobre biografias de notáveis homens públicos de Santa Catarina e obras consideradas imortais.

Princípios sem concessões ou privilégios

Durante a solenidade comemorativa do centenário do professor Henrique da Silva Fontes, Norberto Ungaretti, o iluminado pregador espírita, advogado, magistrado e professor falou da absoluta fidelidade do velho mestre com princípios, mas também sua capacidade de tolerância diante de certas realidades.

Homenagem a Henrique da Silva Fontes – Foto: Arquivo Pessoal/ND

Fontes recebeu certo dia um pedido especial de uma pessoa amiga sobre um aluno que iria perder o ano por falta de frequência. Com direito à relativa intimidade, pediu: “Henrique, você não poderá dar as presenças que faltam para o meu neto?” Resposta fulminante: “Posso sim. Darei as presenças, mas também darei as aulas, porque do contrário estaria fazendo uma concessão irregular, que não fiz a outros”.

Durante noites e semanas, no antigo prédio da Faculdade de Direito da rua Esteves Júnior, deu aulas extras para o aluno solitário. Na mesma fala, Ungaretti ressaltou que Henrique Fontes não concedia nem aceitava privilégios.

Num determinado dia, dirigiu-se à Secretaria da Saúde para falar com o secretário, seu filho, o médico Paulo Fontes, ex-prefeito de Florianópolis. O oficial de gabinete, vendo-o a entrar no gabinete, solícito, avançou: “Desembargador, um momento, que o secretário já vai lhe atender”. A resposta foi pronta: “Não, senhor! Quando quero falar com meu filho Paulo, mando chamá-lo à minha casa. Mas aqui estou como encarregado dos estudos da Universidade de Santa Catarina. E nesta condição vim falar com o secretário. Não posso e não quero ter privilégios. Esperarei a minha vez”.

Bookmark the permalink.