Morador de SC que produzia e doava ‘pílulas do câncer’ conclui pena por falsificação

O homem que ficou conhecido em 2015 por produzir e doar as conhecidas “pílulas do câncer” concluiu a pena imposta pela Justiça. O pomerodense Carlos Witthoeft, de 61 anos, teve o primeiro contato com o composto químico através de uma indicação feita para sua mãe, que enfrentava a doença.

Pílulas do câncer sendo coletadas por pinça em laboratório

Morador de SC que produzia e doava ‘pílulas do câncer’ conclui pena por falsificação – Foto: USP/Divulgação/ND

O repórter Gabriel Langaro, da NDTV Record de Blumenau, conversou com um paciente que fez o uso da substância, médico especialista e o próprio Witthoeft, sobre a cápsula feita à base de ácido fosfórico e outros componentes, chamada fosfoetanolamina.

As cápsulas foram utilizadas por vários pacientes, inclusive no Vale do Itajaí, por meio da produção e doação do morador de Pomerode, que percebeu um efeito significativo do composto em sua mãe, na época com 82 anos, que enfrentava um câncer no útero.

Witthoeft relata que os médicos deram apenas dois meses de vida para a mulher, foi quando um amigo indicou a “pílula do câncer”, desenvolvida por um pesquisador da USP de São Carlos.

Após a chegada da substância, enviado pelo correio, o filho percebeu uma melhora no estado de saúde da mãe, que antes não conseguia sair da cama. De acordo com Witthoeft, em cinco dias, a mulher já estava tocando a vida normalmente.

Morador de SC foi condenado por produzir e doar “pílulas do câncer”

Com a repercussão do tratamento da mãe, outras pessoas procuraram pelo homem, que quis levar a “descoberta” para frente. Ele pediu novas remessas para o cientista Gilberto Chierice da USP de São Carlos, que disse não possuir mais limite de produção.

A partir disso, Witthoeft decidiu ir à São Carlos, onde aprendeu a produzir o composto e, em seguida, passou a fazê-lo em Pomerode. Questionado sobre o número de pacientes para quem doou as cápsulas, o pomerodense disse que ainda realiza um levantamento.

Foto do homem preso por produzir e doar "pílulas do câncer" no Vale do Itajaí

Carlos Witthoeft, de Pomerode, produzia o composto químico que prometia curar qualquer tipo de câncer – Foto: NDTV Record/ND

Em 2015, após a polêmica envolvendo as “pílulas do câncer”, a Vigilância Sanitária apreendeu todo o material, que não tinha autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Na época, a atitude gerou até manifestações de pessoas que pediram pela liberação do composto químico.

Após toda a repercussão, a USP fechou o laboratório, encerrou as pesquisas e emitiu uma nota de esclarecimento, confirmando que não existe informações de uma ação efetiva e estudos clínicos controlados em humanos.

O pomerodense que produzia e doava o composto chegou a ser preso por 17 dias e indiciado por falsificação de medicamentos, considerado crime contra a saúde pública. Após quase 10 anos da operação, Witthoeft concluiu sua pena.

“Durante toda essa longa instrução criminal, no final do processo, houve a desclassificação para forma culposa. Ele foi condenado a uma pena de um ano em regime aberto, convertido em pena alternativa. No final do ano passado, ele acabou cumprindo, terminando de cumprir essa pena imposta pelo Judiciário. Levamos em todas as instâncias, mas a condenação foi mantida”, disse o advogado de defesa, Ricardo Deutcher.

Paciente alega ter sido curado ao usar as “pílulas do câncer”

Diagnosticado com melanoma metastático em 2017, câncer de pele agressivo que pode se espalhar para outros órgãos do corpo, Jair Roberto Persuhn, de Benedito Novo, alega ter sido curado ao usar fosfoetanolamina.

Após passar por duas cirurgias e com a confirmação do melanoma, ele resolveu ir até o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde realizou uma consulta, sendo indicado seu retorno para teste em três meses.

Ao retornar para Santa Catarina, ele resolveu buscar pelas famosas “pílulas do câncer”, e foi até Pomerode conversar com Witthoeft. Contudo, o homem não possuía mais a fosfoetanolamina, pois já havia sido preso por produzi-la. Com isso, ele decidiu ir atrás de uma liminar para ter acesso ao composto químico.

Após alguns meses de uso, entre um exame e outro, os médicos perceberam uma diminuição nos nódulos cancerígenos.

“Passou-se novamente os três meses, diminuiu para menos da metade. Se foi mais três, praticamente os nódulos sumiram. Meu pulmão estava limpo, até o próprio oncologista ficou assustado pelo fato de ver o que tinha acontecido, mas até então, ele não sabia o que eu estava tomando”, contou Jair.

De acordo com o homem, os médicos falavam que ele não tinha mais seis meses de vida após o diagnóstico do câncer. Contudo, oito anos depois, ele ainda está vivo.

Especialistas afirmam que substância não tem eficácia comprovada

Segundo especialistas, a fosfoetanolamina não tem comprovação científica e eficácia comprovada. De acordo com o Ministério da Saúde, a substância é vendida como a “esperança para o combate ao câncer”, e o Instituto do Câncer anunciou que não houve eficiência suficiente para o produto ser recomendado.

O médico oncologista Bruno Ramos explica que o composto é mais utilizado como um suplemento do que um medicamento contra o câncer em si. Seu uso pode até mesmo interferir em outras substâncias utilizadas no tratamento padrão, especialmente quando se trata da fosfoetanolamina.

“Porque os estudos dessa substância foram muito preliminares e nós não temos informações do que ela vai fazer, digamos, com a pessoa que toma dipirona, que é um remédio super comum. Então, imagine o que essa substância possa fazer com alguém que está usando quimioterapia. Nós temos o risco dessa substância tirar o efeito do tratamento padrão e, inclusive, casos que eu pude acompanhar, de gerar lesões no fígado, principalmente”, disse.

O médico ainda reforça que há outros métodos de tratar o câncer, como a quimioterapia, imunoterapia, terapias-alvo e até uso de hormônios.

“Temos diversos tipos de cirurgias que podem, principalmente quando a doença está localizada, eliminar a doença daquele local. Então, a cada ano que passa, nós temos cada vez armas novas, melhores e mais eficazes contra a doença, e com menos efeitos colaterais para o paciente”, afirmou Ramos.

Para aqueles que desejam utilizar o composto, o médico recomenda que seja avaliado com um oncologista antes, para não afetar ou trocar o tratamento padrão.

“O que eu recomendo para quem tem interesse de, eventualmente, entender um pouco mais ou querer utilizar aquela substância como um suplemento junto com o seu tratamento, é sempre conversar antes com o seu oncologista, com o seu médico, porque eu diria que muitas vezes, você tendo essa vontade, pode fazer o uso desde que o seu médico saiba”.

Pílulas do câncer distribuídas em cima de mesa

A substância fosfoetanolamina é conhecida como a “pílula do câncer” – Foto: Agência Brasil/Divulgação

Logo após a prisão de Witthoeft, a esposa dele morreu em decorrência de um aneurisma. Mesmo após toda a polêmica e condenação pela produção da substância, o homem diz ter cumprido seu papel em ajudar a divulgar as “pílulas do câncer” no país e fora dele.

 

 

 

Bookmark the permalink.