Mulheres relatam falta de acolhimento de seguranças de metrô e trem de SP após serem vítimas de importunação sexual


Quatro passageiras contaram ao g1ter sido vítimas de abuso em vagões de trem e estações de metrô. Em 2023, a cada 14 horas, pelo menos um caso foi registrado. Importunação sexual é crime, e a pena prevista é de 1 a 5 anos de reclusão. ‘Eles não me acolheram e ainda disseram que poderia ter sido engano’, disse vítima sobre s
Depois de um dia de trabalho ou estudo, além do risco de serem assaltadas, a volta para casa das mulheres é sempre acompanhada pelo temor de ser vítima de importunação sexual no transporte público. O g1 ouviu quatro mulheres que relataram ser vítimas do abuso em vagões de trem e estações, além da falta de acolhimento e da má condução dos agentes que trabalham nesses locais.
“[Os seguranças] simplesmente não me acolheram e ainda disseram que poderia ter sido engano, que eu poderia ter entendido errado. Mas como que a gente entende errado uma pessoa que apalpa? Não é só uma passada de mão, ele apertou!”, desabafou Adriana Lima, de 52 anos, sobre caso ocorrido no fim de fevereiro, quando ela estava na estação Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, voltando para casa.
A lei que tornou crime a importunação sexual é de 2018, e a pena prevista é de 1 a 5 anos de reclusão. Segundo o Código Penal, se trata do ato de “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, ou seja: praticar qualquer ato de cunho sexual sem o consentimento da vítima.
“É aquele beijo forçado, um toque, um apalpar, para satisfazer a si próprio sem que a vítima tenha dado consentimento em relação a isso. O ponto central deste crime é a ausência de consentimento”, explicou ao g1 em 2023 a advogada especialista em gênero Maíra Recchia.
Ana, de 20 anos, conta que estava sentada em um vagão de trem na Linha 7-Rubi, a caminho de um curso, quando começou a sentir que alguém a empurrava. Ela afirmou ter medo de sofrer retaliações, por isso está identificada nesta reportagem com um nome fictício.
“Achei que era uma mulher me empurrando por conta da lotação do trem, ou só uma pessoa muito maluca que estivesse me empurrando para outras passarem, porque vinha e voltava. Quando olhei para cima, por sentir algo duro no meu braço, percebi que era um homem, não uma mulher. Não era uma bolsa roçando em mim, era o pênis dele”, afirmou.
Casos de importunação sexual no transporte público de São Paulo bateram recorde em 2023: a cada 14 horas, pelo menos um caso foi registrado. No total, foram 601 ocorrências entre 2022 e 2023, um salto de 116% segundo os dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) obtidos pelo g1 via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Posto Avançado de Apoio à Mulher do Metrô.
Reprodução
Para combater os assédios nas linhas de metrô e trens, as instituições realizam campanhas contra o ato e oferecem espaços de acolhimento. Também anunciam oferecer treinamentos aos agentes de segurança. O Metrô, por exemplo, conta com três Postos Avançados de Atendimento à Mulher Vítima de Violência nas estações Santa Cecília, Luz e no Terminal de Ônibus no Sacomã. Eles ficam abertos de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.
Já a CPTM oferece em 34 estações o Espaço Acolher, um local para atender e oferecer privacidade à vítima de violência.
Apesar disso, quem sofre com o assédio no transporte sobre trilhos conta viver uma outra realidade nos espaços. Ou nas delegacias.
Sentimento de descaso
Era por volta das 17h quando ela voltava para casa. Ao entrar em um trem sentido estação Bruno Covas-Mendes-Vila Natal, na Linha 9-Esmeralda da ViaMobilidade, Adriana Lima sentiu “uma coisa apalpando mesmo, apertando a minha bunda”. Ao olhar para trás, ela se deparou com um homem.
Ela disse ter entrado no vagão reclamando com o assediador. “Ele começou a me xingar, falando que eu era louca, que ele não havia feito nada, que ele estava segurando a mochila dele”, relatou. Por sorte, uma das mulheres presentes revelou ter visto o que aconteceu.
“Ela disse: ‘Ele pegou sim que eu vi’. Só que essa moça não quis descer [para testemunhar]. E aí, o segurança viu aquela barulheira toda dentro do trem, retirou o cara e pediu que eu desembarcasse.”
Naquele momento, ela pensou que a situação seria resolvida de acordo com o protocolo da ViaMobilidade, que é acolher a vítima e encaminhá-la junto com o assediador para a delegacia mais próxima para registrar o boletim de ocorrência, mas nada foi feito.
“Eu desembarquei [na estação] achando que eles [seguranças] iam me dar algum apoio, resolver, me levar à delegacia, fazer um boletim de ocorrência… Mas não, simplesmente me colocaram numa sala para eu não ficar falando ali na plataforma e para abafar o caso”, contou a passageira.
Simplesmente não me acolheu e ainda falou que poderia ter sido engano, que eu poderia ter entendido errado, mas como que a gente entende errado uma pessoa que apalpa? Não é só uma passada de mão, ele apertou.
Adriana comentou que, ao pedir para registrar a ocorrência, uma segurança mulher a desestimulou.
“[Ela] falou que infelizmente não ia dar em nada, que se ele não tivesse antecedente ou alguma passagem, não daria em nada, e que era melhor eu nem ir em frente.”
Segundo a vítima, o homem foi liberado, e ela teve somente os dados registrados em um caderno.
Em nota, a Via Mobilidade disse que “a cliente recebeu atendimento de primeiros socorros e acolhimento de nossos agentes de segurança. Após o atendimento, a cliente informou que não gostaria de dar queixa à polícia, recusando o encaminhamento à delegacia (leia a nota completa ao final).
‘Amanhã é Dia da Mulher’
Em 7 de março, duas semanas após o caso acima, Carla Cecilia de Alencar e Silva, de 28 anos, viveria a mesma situação. Também a caminho de casa.
Ela estava na estação República, que atende duas linhas: a 4-Amarela, gerida pela ViaQuatro, e a 3-Vermelha, administrada pelo Metrô. Carla relatou que, ao sair do vagão, que não estava muito cheio, sentiu uma mão tocar sua bunda. Era um senhor que passava ao seu lado. No mesmo momento, disse que chamou atenção para o que aconteceu.
Até os seguranças do Metrô aparecerem, foram cerca de cinco minutos. Depois que saíram da plataforma, surgiram outros seguranças, da ViaQuatro. Entre eles, uma agente mulher, que perguntou a Carla se ela conhecida o protocolo da ViaQuatro contra violência à mulher.
“Que protocolo? Não tinha um segurança lá embaixo [na plataforma]. Aí eles ficaram se justificando: ‘Ai, mas eu sou da ViaQuatro, eu não sou do Metrô’. Eu falei que a plataforma era da responsabilidade deles [ViaQuatro], e eles só vieram depois que outros passageiros os chamaram”, contou.
Carla registrou toda a ocorrência e compartilhou nas redes na tentativa de receber um retorno da ViaQuatro e incentivar outras mulheres a denunciar o assédio. Ela também relatou não ter sido bem acolhida pelos agentes e que se sentiu coagida para não alarmar sobre a importunação.
“Dois deles [seguranças] queriam que eu ficasse quieta, que não tinha que fazer escândalo porque eles já estavam me conduzindo [para o balcão de informação da ViaQuatro]. Como não? Como não posso fazer escândalo? O cara passa a mão em mim, e eu vou ficar quieta?”, indagou.
Em uma ambulância, Carla foi conduzida à Casa da Mulher Brasileira no Cambuci, na Zona Sul. A unidade oferece vários tipos de serviços integrados para atender vítimas de violência de gênero, incluindo uma Delegacia da Mulher. A passageira foi atendida por uma psicóloga e registrou o boletim de ocorrência. O homem foi levado ao DP.
Em nota, a ViaQuatro disse que “agentes de atendimento e segurança atuaram de forma a resguardar a segurança e a integridade física de ambos. Conforme protocolo de atuação, foi oferecido atendimento de primeiros socorros à vítima, que recusou. Após diálogo e acolhimento junto ao time de atendimento da concessionária, a cliente aceitou ser encaminhada para a 1ª DDM – Centro onde foi lavrado um Boletim de Ocorrência” (leia a nota completa ao final).
Gyovanna Orsi, de 23 anos, não teve a mesma sorte. Ela trabalha no Centro e transita diariamente pela estação República. Um dia antes do caso de Carla, Gyovanna relatou ter sido acuada por dois homens enquanto descia as escadas para acessar o metrô.
[Na escada rolante] tinha um cara na minha frente, e ele colocou a mão entre mim e outro cidadão de blusa preta, meio que me interrompendo de descer. Comecei a sentir o cara atrás de mim meio que me encoxando. Nessa que eu olho para trás, ele estava se tocando. Quando eu percebi o que estava acontecendo, eu não tive reação.
Ela relembra que na hora ficou em choque e a única ação que conseguiu ter naquele momento foi dar uma cotovelada no homem e sair correndo. “Desci correndo justamente para procurar alguém para me ajudar, mas não tinha nenhum segurança do metrô, não tinha um policial. A única pessoa que aparentemente seria do metrô, era um dos caras que estava fazendo a manutenção de uma das catracas.”
Gyovanna voltou para casa e registrou um boletim de ocorrência online.
O sentimento de descaso não ocorre somente com os agentes de segurança das estações. Ana, que registrou em vídeo que estava sendo vítima de importunação sexual dentro de um vagão e entrou em contato com um dos canais de denúncia da CPTM, disse ter ido à delegacia após o ocorrido. A jovem, que chegou por volta das 17h e saiu quase à meia-noite, disse que não teve acolhimento nem pronto atendimento ao chegar ao DP.
“O delegado que me atendeu era atencioso, mas nos deram um baita chá de cadeira e o tempo todo queriam nos convencer a fazer o boletim online”, relatou. “Inclusive, quando eu fui mostrar meu vídeo ao delegado, uma policial mulher perguntou se o vídeo já estava acabando, porque o áudio estava atrapalhando-a”, relembrou.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que a orientação para o registro online “é dada para maior comodidade, caso a mesma deseje”. A instituição também acrescentou que “a Polícia Civil preza pela prestação do atendimento humanizado e acolhedor a todas as mulheres vítimas de violência, em qualquer unidade policial. A Corregedoria da instituição está à disposição para apurar toda e qualquer denúncia relacionada aos seus agentes”.
O que diz a ViaQuatro
A ViaMobilidade e a ViaQuatro repudiam todo e qualquer ato de violência e assédio contra mulheres. Para tanto, contam com um estruturado programa de capacitação e treinamento contínuo de seus agentes de atendimento e segurança para que possam atuar com empatia e cuidado frente a eventuais ocorrências nos trens e estações. Dentre as ações estão o acolhimento da vítima e encaminhamento à delegacia caso a mesma deseje; caso o agressor seja identificado, os agentes de atendimento e segurança fazem a abordagem e o direcionamento para a autoridade policial em veículos separados.
Para coibir o assédio e contribuir com um ambiente mais seguro para as mulheres, as empresas contam com campanhas contínuas de sensibilização através de monitores de trens, sinais sonoros e cartazes nas estações. Foi também implementada a ronda periódica do Pelotão Feminino com agentes de atendimento e segurança femininas conscientizando as mulheres, dentro dos trens, sobre como proceder em caso de assédio.
Por fim, as concessionárias reforçam que é fundamental que as vítimas denunciem qualquer prática ou tentativa de importunação aos agentes de atendimento e segurança ou através do telefone 0800-770-7106.
O que diz a CPTM
Segundo dados da CPTM, em 2024, foram 89 ocorrências de crimes sexuais registradas nas cinco linhas da concessionária queda de 17% em comparação ao ano de 2023. Deste total, 72 (81%) foram atendidas no Espaço Acolher e em 78 casos (88%) o agressor foi identificado e encaminhado à autoridade policial. Já em 2023, foram 107 ocorrências registradas nas cinco linhas, sendo 84 (79%) atendidas no Espaço Acolher. Além disso, em 91 casos (85%), houve a identificação e encaminhamento do agressor à autoridade policial.
O que diz o Metrô
No mês da mulher, o metrô lançou um comunicado informando que agentes femininas estão recebendo treinamento para acolher vítimas e conter agressores.
“As mulheres vítimas de crimes sexuais contam com apoio e atendimento especial nas linhas do Metrô de São Paulo. Para garantir que elas tenham um ambiente mais seguro para o deslocamento, a companhia reforça os treinamentos físico e teórico de seus agentes de segurança, oferece espaços para acolhimento e realiza operações de vistoria e ronda dos vagões dos trens.”
*Sob supervisão de Paula Lago
Bookmark the permalink.