Mega secas aumentam no mundo, e Brasil fica no top 10 das mais severas; veja mapa


País aparece duas vezes entre as regiões mais afetadas por secas prolongadas, segundo estudo global que analisou fenômenos entre 1980 e 2018. Relatório recente da OMM confirma tendência de agravamento. Moradores transportam água potável de Humaitá para a comunidade de Paraizinho, ao longo do rio Madeira, um afluente do rio Amazonas, durante a estação seca no Amazonas, em 8 de setembro de 2024.
Edmar Barros/AP
Um estudo recente publicado na revista científica “Science” revelou que as mega secas – períodos de seca que duram pelo menos dois anos – têm se tornado mais frequentes, quentes e devastadoras ao redor do mundo nas últimas quatro décadas.
A pesquisa, inédita por analisar essas secas prolongadas em escala global e seus impactos, examinou dados de 1980 a 2018 e identificou mais de 13 mil eventos do tipo no período. O Brasil apareceu duas vezes entre os dez casos mais graves (veja INFOGRÁFICOS abaixo).
A tendência é confirmada pelo mais recente relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), publicado nesta última semana, que aponta a continuidade e intensificação de fenômenos de seca no Brasil.
📝 ENTENDA: Em anos recentes, o país tem enfrentado condições climáticas extremas, incluindo a mega seca de 2024, que afetou quase 60% do território nacional, a mais intensa e generalizada da história do Brasil. A situação é agravada por fatores como o aquecimento global, a deflorestação e eventos climáticos naturais, como El Niño.
E a seca tem impactado severamente regiões como a Amazônia e o Pantanal. Em 2023, o Pantanal registrou uma redução de 61% em sua área coberta por água em comparação com a média histórica desde 1985, tornando-se um dos biomas mais afetados.
Além disso, a Amazônia enfrentou um recorde de seca no mesmo ano, que se agravou em 2024, com um aumento de 2000% na área afetada por seca extrema.
Entenda mais abaixo.
Duas regiões brasileiras entre as mais atingidas
A pesquisa revela que a chamada Amazônia Sul-Ocidental, que abrange parte dos estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso, além de porções da Bolívia e Peru, enfrentou uma mega seca devastadora de 2010 a 2018.
Esta região figura como a 7ª mais grave do mundo no período estudado. No período, a seca prolongada causou o secamento de rios importantes como o Madeira, Negro e Solimões, que atingiram níveis historicamente baixos.
Comunidades ribeirinhas também ficaram isoladas quando os rios, que servem como principais vias de transporte e subsistência, se tornaram intransitáveis em vários trechos.
Durante esses oito anos, a vegetação amazônica sofreu um estresse hídrico severo, aumentando significativamente a vulnerabilidade da floresta aos incêndios.
Em 2015 e 2016, no auge da seca, foram registrados aumentos de até 30% nos focos de queimadas comparados à média histórica da região.
Eventos de mega seca graves
Arte/g1
Já na região Leste do Brasil, o estudo identifica como a 9ª mega seca mais severa do mundo aquela ocorrida entre 2014 e 2017, afetando principalmente os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.
Na época, uma crise hídrica sem precedentes atingiu a região mais populosa e economicamente ativa do país.
O Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de água para cerca de 9 milhões de pessoas na Grande São Paulo, chegou a operar com o chamado “volume morto” (reserva abaixo do nível das comportas) em 2015, atingindo menos de 5% de sua capacidade.
Em Minas Gerais, reservatórios importantes como o de Furnas chegaram a níveis críticos, afetando não apenas o abastecimento urbano, mas também a geração de energia, já que a região concentra importantes usinas hidrelétricas.
No Rio de Janeiro, o Sistema Paraíba do Sul, vital para o abastecimento da região metropolitana, sofreu uma redução drástica de vazão.
Já no Espírito Santo, rios como o Jucu e Santa Maria da Vitória, fundamentais para o abastecimento da Grande Vitória, registraram níveis alarmantes.
Impactos diversos em cada canto do mundo
De acordo com o estudo, três fatores principais estão contribuindo para o agravamento das mega secas pelo mundo: o aumento das temperaturas globais, a diminuição das chuvas em regiões específicas e o aumento da evapotranspiração – o processo pelo qual a água é transferida da superfície da Terra para a atmosfera por evaporação do solo e transpiração das plantas.
Um mapa apresentado pelos pesquisadores mostra como essas mudanças afetam diferentes regiões do planeta (veja ABAIXO).
Nele, as cores mais avermelhadas revelam que há queda nas chuvas (Qpr) de até 60% abaixo do normal, já as tonalidades esverdeadas indicam o aumento da perda de água (Qpet) de até 18% durante as secas extremas.
De forma geral, o estudo destaca um padrão alarmante: nas regiões mais quentes, a falta de chuvas castiga mais, enquanto nas áreas frias, o problema maior está na água que se perde para a atmosfera.
Falta de chuva e perda de água agravaram as megas secas.
Arte/g1
E no Brasil, biomas como o Cerrado e o Pampa (nossa região de pradaria) sofreram mais com a perda de vegetação durante as mega secas. Por outro lado, a Amazônia mostrou maior resistência inicial.
Porém, quando a seca se prolonga por muitos anos, como aconteceu na Amazônia Sul-Ocidental, os danos podem ser enormes e duradouros.
Ao todo, os cientistas estudaram mais de 13 mil casos de secas duradouras entre 1980 e 2018, em todos os continentes exceto a Antártida.
A mais longa ocorreu na bacia do Congo, na África, durando quase dez anos (2010-2018) e afetando uma área 30 vezes maior que o estado do Rio de Janeiro. Já na Mongólia, uma mega seca entre 2000 e 2011 reduziu a vegetação local em quase 30%.
Nas regiões tropicais úmidas, como partes da Amazônia, a pesquisa revelou ainda que a falta de chuva nem sempre é forte o suficiente para diminuir significativamente a vegetação nos primeiros anos, sugerindo que as plantas dessas regiões podem ter uma “maior resistência” às condições de seca inicial.
“Os impactos comparativamente baixos dessas secas prolongadas e, portanto, a ausência de eventos ecológicos severos nas florestas tropicais sugere uma maior resistência das estruturas nesses ecossistemas”, disseram os autores no estudo.
Mas acontece que, apesar dessa resistência inicial, a redução das chuvas pode trazer impactos mais complexos para a região, como explica o meteorologista Fábio Luengo, da Climatempo.
“A Amazônia depende fortemente da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e da presença da Cordilheira dos Andes. Esse corredor de umidade se desloca, encontra a barreira dos Andes e contribui para a precipitação na floresta. Há estudos que sugerem que, sem a presença da Cordilheira dos Andes, a Amazônia não teria seu atual perfil florestal e poderia ser uma região muito mais árida”.
Já nas florestas boreais do extremo norte do planeta e nos ecossistemas de tundra, os pesquisadores dizem que a resposta à seca foi menor porque sua produtividade vegetal depende mais da temperatura do que da presença ou ausência de chuvas.
FOTOS: Onda de calor causa incêndios e leva temperaturas ao extremo no Hemisfério Norte
Vista aérea mostra homem de moto no Lago Tefé, afetado pela seca do rio Solimões, durante voo de monitoramento do ICMBio em 4 de outubro de 2023.
REUTERS/Bruno Kelly
País sob pressão crescente
Nesta última semana, a OMM alertou em seu relatório anual que a seca afetou amplas áreas das Américas em 2023 e 2024, com impactos severos no Brasil.
Segundo a agência da Onu, a estiagem foi particularmente intensa no interior da América do Sul, onde o Rio Negro, em Manaus, e o Rio Paraguai, em Assunção, atingiram níveis recordes de baixa.
Além disso, o número de incêndios na Amazônia brasileira foi o maior desde 2010, reflexo da combinação entre condições meteorológicas extremas e pressões humanas sobre o bioma.
Em dezembro, uma nota técnica do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) confirmou essa tendência.
O relatório mostrou que, desde os anos 1990, os períodos de estiagem no Brasil têm se tornado mais frequentes e severos, atingindo duramente biomas como Amazônia, Pantanal, Cerrado e Caatinga.
E esse agravamento resulta tanto de variações naturais do clima quanto do impacto humano, que tem alterado os padrões de chuva e elevado as temperaturas.
De modo geral, o El Niño tende a reduzir a umidade nos trópicos, desacelerando o corredor de umidade da ZCIT. No entanto, o artigo da Science sugere que a seca associada ao fenômeno tem se expandido para além dessas regiões, o que indica que os efeitos do El Niño estão se alterando globalmente.
Segundo o Cemaden, entre os episódios mais críticos das últimas décadas estão justamente a seca prolongada no Nordeste (2012-2017), a crise hídrica no Sudeste (2014-2015) e a seca severa no Pantanal (2019-2021).
Já na Amazônia, a estiagem de 2023-2024, sob El Niño, é a que registrou mais recordes negativos. O Rio Negro, em Manaus, atingiu seu nível mais baixo desde o início das medições, em 1902, deixando comunidades isoladas e interrompendo o transporte de mercadorias pelos rios.
O calor extremo combinado à seca também favoreceu incêndios de grandes proporções na Amazônia e no Pantanal. Apenas em outubro de 2024, 500 cidades relataram perdas superiores a 80% em suas áreas agrícolas.
Mas os impactos da estiagem vão além da agricultura e da biodiversidade. A escassez de água nos rios tem comprometido a geração de energia hidrelétrica, ameaçando o abastecimento das cidades e a estabilidade do sistema elétrico, ainda segundo o centro.
Adaptação necessária
Por causa desses dados tão alarmantes, o futuro preocupa cientistas, que preveem secas ainda mais severas no centro do país e no semiárido até 2060.
Essas áreas já enfrentam desafios como pobreza e dependência da agricultura familiar, o que pode agravar o êxodo rural e aumentar disputas por água e outros recursos naturais.
Ainda segundo o Cemaden, em 2024, mais da metade do território brasileiro sofreu com secas severas ou extremas, que afetaram diretamente cerca de 1.200 municípios.
Para Alexandre Prado, líder em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, os impactos já são evidentes e exigem respostas urgentes.
“As secas estão mais intensas e frequentes, além de ocorrerem mais cedo do que o previsto. O que antes era projetado para acontecer em 15 a 20 anos já está se tornando realidade agora”, afirma.
Segundo ele, além do monitoramento, é preciso avançar em políticas públicas que preparem o país para esse novo cenário.
Diante desse cenário, o Cemaden diz que vem aprimorando métodos para prever e monitorar os riscos associados à seca.
Mas especialistas indicam que será necessário um esforço conjunto entre governo, sociedade civil, setor privado e comunidade científica para desenvolver soluções inovadoras que ajudem o Brasil a se adaptar a um futuro com secas mais frequentes e tão intensas.
“O planeta está adoecendo diante dos nossos olhos. Diante de todos esses dados e da vulnerabilidade de tantas regiões do Brasil, os últimos dois anos foram impressionantes nesse sentido. A situação exige uma resposta rápida e eficaz. Temos conhecimento, tecnologia e capacidade para agir. O desafio agora é transformar tudo isso em ação concreta”, reforça Prado.
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