100 anos de Billings: represa multiuso tem transporte aquático, produção de energia e água esverdeada; mudanças climáticas são desafio


Projetado para abastecer uma usina hidrelétrica, o reservatório ganhou outras utilidades com o passar do tempo. A água esverdeada é resultado da proliferação de algas e outras plantas aquáticas, agravada pelas mudanças climáticas. Represa Billings, na altura da barragem reguladora Billings-Pedras
Renata Bitar/g1
Há 100 anos, o governo federal autorizava a exploração do Rio Tietê e seus afluentes, dentre eles o Pinheiros, para produção de energia elétrica. Foi a partir desse decreto, assinado em 27 de março de 1925, que surgiu a represa Billings (entenda mais abaixo).
Projetado para abastecer uma usina hidrelétrica, o reservatório ganhou outras utilidades com o passar do tempo:
Abastecimento — parte do ABC Paulista e da Zona Sul de São Paulo recebem água tratada de lá. Ele está conectado a outros grandes reservatórios, como o Guarapiranga;
Geração de energia — além de abastecer a usina hidrelétrica Henry Borden, a represa também abriga uma usina flutuante, placas de energia solar que ocupam uma área equivalente a cinco campos de futebol;
Transporte — há travessia por balsa e também por embarcações do transporte público aquático da prefeitura da capital;
Lazer — ao longo da represa, é possível ver pessoas pescando (o consumo dos peixes não é recomendado devido à poluição) e até andando de moto aquática;
Homem andando de moto aquática na represa Billings
Renata Bitar/g1
“Não dá para pensar num território tão grande sem uso múltiplo. Então, o transporte é importante porque ele ajuda na mobilidade. Se ajuda na mobilidade, tira trânsito, você deixa de emitir, porque a cada tempo que você fica mais no trânsito, você está consumindo combustível”, diz Admilson Barbosa, gerente de meio ambiente da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), que é responsável pelo reservatório.
Na última terça-feira (25), o g1 participou de uma visita à Billings organizada pela Emae em razão do centenário.
A água esverdeada é um dos aspectos mais marcantes da represa. Isso acontece devido à proliferação excessiva de algas e plantas aquáticas, que se alimentam da matéria orgânica disponível no ambiente — proveniente do descarte clandestino de esgoto, por exemplo.
100 anos de Billings – uma visita pela represa
Essa presença aumenta nas margens e nas ramificações da represa, onde a movimentação de água é menor, havendo maior concentração de matéria orgânica. Em alguns pontos, a navegação é inviável devido ao risco das plantas enroscarem no motor dos barcos.
A proliferação impacta ainda no tratamento das águas que são distribuídas para consumo, podendo aumentar os custos do processo.
O problema também é agravado pelas mudanças climáticas. Com a alteração no regime de chuvas e elevação das temperaturas, a quantidade de algas tende a aumentar, reduzindo a disponibilidade de oxigênio e prejudicando peixes e outros animais. Em 2024, numa das semanas mais quentes e secas do ano, foram retirados quase 500 kg de peixes mortos da Billings.
A função inicial da represa, a produção de energia, também requer o enfrentamento às mudanças climáticas. Nesse sentido, a Emae está diversificando sua matriz energética (com a usina flutuante, por exemplo), para não depender exclusivamente dos recursos hídricos.
“Nós temos chuvas mais intensas em períodos mais curtos e secas mais prolongadas. Vai chegar um momento em que isso começa a descompensar. Se no próximo regime hidrológico a gente tiver uma baixa muito grande de água, naturalmente você não repõe essa produção. Então, começa a comprometer esse sistema”, explicou o especialista da empresa.
Água esverdeada na represa Billings
Renata Bitar/g1
Diferente de outros reservatórios, o Billings está localizado em meio à maior metrópole do país. Portanto, possui características diferentes dos demais, como a ocupação populacional em seu entorno.
Com a expansão da região metropolitana e o aumento do custo de vida, muitas famílias se instalaram ao redor da represa na Zona Sul da capital, onde não havia infraestrutura urbana para atendê-las, como tubulação de água e esgoto, além de energia elétrica.
Naturalmente, as pessoas buscavam moradias mais acessíveis, do ponto de vista econômico. Então, elas foram vindo para a periferia e a ocupação foi crescendo próxima ao reservatório, a ponto de chegar perto da área limite, que a gente chama de “cota” do reservatório, que até onde a água chega. Então, condições levaram elas a chegarem nesse espaço que era onde os terrenos eram muito mais baratos, mais acessíveis, mas não tinha infraestrutura necessária para dar suporte, por exemplo, para o saneamento, pra energia elétrica, pra preservação ambiental. E aí você começa a ter um caos urbano, motivado por uma necessidade de sobrevivência.
A comunidade Cantinho do Céu, na região do Grajaú, é um exemplo disso. Atualmente, o local já passou por algumas fases do projeto de revitalização da prefeitura, ganhando malha asfáltica, saneamento básico, acesso ao transporte público aquático e até um parque linear, que também cumpre a função de impedir o avanço das moradias em direção à represa.
Ainda assim, alguns pontos permanecem com despejo clandestino de esgoto, que também ocorreu ao longo do Rio Pinheiros e, eventualmente, vai parar na Billings.

Represa artificial
O surgimento do reservatório não ocorreu de forma natural, mas por interferência humana, num grande projeto de engenharia.
No início do século 20, a empresa canadense Light recebeu autorização do governo federal para explorar a bacia do Rio Tietê e de seus afluentes, como o Rio Pinheiros, para fins energéticos. Na época, a capital estava em expansão e a demanda por energia era crescente.
🔎 O decreto publicado em 27 de março também desapropriava áreas para realização das obras necessárias para colocar o projeto energético em prática.
Nisso, o engenheiro Asa White Kenney Billings percebeu que o relevo do território paulista era propício para instalação de uma usina hidrelétrica. A diferença de altitude poderia ser explorada para que a água tivesse a força necessária para girar as turbinas do sistema, de modo a gerar energia.
A região metropolitana de São Paulo está localizada em uma área de planalto, ou seja, possui uma altitude muito maior do que seu entorno — é por esse motivo, por exemplo, que as pessoas utilizam a expressão “descer a serra” quando partem da capital paulista em direção ao litoral do estado.
Na divisa entre São Bernardo do Campo e Cubatão, essa diferença supera os 700m — foi nesse ponto que decidiram implantar uma usina para abastecer o centro econômico, que viria a se tornar o mais importante do país. Também foi nesse ponto que o g1 desceu em um carrinho o que parecia ser uma montanha-russa.
Tubulação de água que desce a serra à caminho da usina Henry Borden
Renata Bitar/g1
Por volta de 1920, contudo, São Paulo passava por uma seca severa. Portanto, seria necessário armazenar água em grande volume para que a usina pudesse operar. Foi aí que surgiu a Billings, mas para isso, outros desafios tiveram que ser enfrentados.
Foram construídos diques (barreiras) na região do planalto para que as águas vindas de diversas nascentes fossem concentradas na represa — até por isso que seu formato é ramificado, não algo mais circular como nos lagos.
Ainda assim, o volume de água não era suficiente para o tamanho do projeto. Então, a solução apresentada pelos engenheiros foi inverter o fluxo de parte do Rio Pinheiros, que naturalmente desaguava no Tietê, colocando uma comporta para bombear a água no sentido contrário, para a Billings.
🔎 Desde a década de 90, o rio corre em direção ao Tietê e, somente quando chove muito e o nível da água sobe, ele é bombeado para a represa.
Nesse contexto, também foi realizada a retificação e canalização do Pinheiros, sob a justificativa de que era necessário ter controle sobre o fluxo das águas, de forma a evitar enchentes.
➡️ O processo de retificar e canalizar rios é criticado por especialistas ambientais, uma vez que tende a acelera os fluxos de água, aumentando a vazão e os riscos de enchentes; pode destruir habitats de diferentes espécies, reduzindo a biodiversidade e prejudicando quem depende dessa fauna; assim como tende a intensificar os processos de erosão e o assoreamento.

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