Estudantes, operários, jovens e moradores das capitais: o perfil das vítimas da ditadura militar no Brasil


Ministério dos Direitos Humanos analisou dados da Comissão Nacional da Verdade. Situação se agravou após o Ato Institucional 5, que intensificou a repressão. As vítimas da ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985 tinham em média 33 anos, viviam em sua maioria nas capitais e eram participantes de alguma organização política. Um terço era de estudantes.
Os dados são de um perfil dos mortos e desaparecidos políticos do regime militar divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) nesta segunda-feira (31), data que marca os 61 anos do golpe militar de 1964.
Montagem com rostos de vítimas da ditadura identificadas pela Comissão Nacional da Verdade.
Reprodução/MDHC
O observatório da pasta analisou dados do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que funcionou entre 2012 a 2014. A pesquisa considera o período de 1946 a 1988 – isso porque, antes de 1964, 12 assassinatos políticos ocorreram devido à truculência do Estado.
Oficialmente, o governo brasileiro reconhece que 434 pessoas foram mortas ou dadas no período, incluindo o regime militar. Esse número leva em conta somente quem se opôs e militou politicamente contra os governos autoritários do período.
Seis crianças
Segundo a análise, a média de idade das vítimas era de 32,8 anos. A maioria (77,4%) tinha entre 18 e 44 anos, sendo que quase metade estava na faixa etária de 18 a 29 anos. Cinco das vítimas estavam na faixa etária de 12 a 17 anos e uma criança de menos de um ano de idade foi morta.
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O documento também aponta que:
das 434 vítimas, 51 eram mulheres, representando 11,8% do total;
ao menos 27 dos mortos eram militares ou ex-militares;
os assassinatos ocorreram principalmente nas capitais, concentrando 62,7% das mortes. Em todo o país, os crimes foram registrados em 15 estados e no Distrito Federal. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro foram os principais centros de repressão, somando 47,2% das mortes, enquanto os estados de São Paulo e Rio de Janeiro juntos concentraram 49,5% dos casos;
82,5% das vítimas eram ligadas a alguma organização política e 37% associada a algum partido político.
32,3% dos assassinados eram estudantes e 13,1% operários de diversos setores;
“Os jovens, principalmente os universitários, eram os responsáveis por organizar passeatas, entregar panfletos e se reunirem para discutir a democracia. Por isso, eram enxergados pelo Estado como ameaças, caso os movimentos não fossem reprimidos”, disse Eneá Almeida, presidente da Comissão de Anistia.
Segundo o MDHC, 351 casos de mortes e desaparecimentos, ou 80,8% do total, ocorreram após a instituição do Ato Inconstitucional 5. Na ocasião, o governo restringiu as atividades no Congresso Nacional e restringiu a liberdade de expressão, imprensa e associação.
Os 50 anos do AI-5, que inaugurou período da repressão na ditadura
O AI-5 foi um dos principais instrumentos de repressão utilizados pela ditadura militar brasileira e teve um impacto profundo na história do país.
“Até dezembro de 68, muita gente acreditava que a ordem seria estabelecida e que o governo autoritário sairia do poder. Com a instituição do AI-5, a população tomou conhecimento que as repressões iriam aumentar, por isso as pessoas passaram a engajar mais nos movimentos sociais”, afirmou Eneá.
Número de vítimas é muito maior
A presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, colegiado que segue funcionando há quase 30 anos – com uma breve interrupção ao fim do governo Bolsonaro –, Eugênia Gonzaga, já explicou que o número total de vítimas da ditadura é muito maior: mais de 10 mil pessoas. Nem todas receberam a classificação de mortos políticos.
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De acordo com ela, que também é procuradora regional da República, apesar do número oficial, outros relatórios da CNV mostram que mais de 8 mil indígenas e 2 mil trabalhadores do campo também foram mortos em embates ligados ao regime militar.
A presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Gonzaga.
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
A Lei da Anistia, de 1979, impediu a punição de “qualquer pessoa”, inclusive dos militares responsáveis pelas mortes.
Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no entanto, que vai analisar uma ação que discute a aplicação da lei a crimes que tiveram início na ditadura, mas cujos efeitos ainda se consumam no presente — os chamados “crimes permanentes”.
O tribunal também vai analisar especificamente os casos do ex-deputado federal Rubens Paiva e de outras duas vítimas da ditadura. A história de Paiva foi retratada no filme “Ainda Estou Aqui”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional.
Família do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura, não se sabe o paradeiro do corpo dele até hoje
Reprodução/TV Globo
Guerrilha do Araguaia
A análise do Ministério dos Direitos Humanos informa que houve um aumento das mortes registrado de 1969 a 1978 devido à Guerrilha do Araguaia, cujos membros eram integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
“Esse partido foi a organização que teve o maior número de militantes assassinados, totalizando 79 pessoas, o que representa 18,2% do total de mortes levantadas pela CNV. A Ação Libertadora Nacional (ALN), a segunda organização com mais mortes e desaparecimentos, teve 60 militantes mortos, o que equivale a 13,8% das vítimas, seguido pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), também um dos principais alvos da repressão, com 41 pessoas assassinadas (9,4% de todas as pessoas mortas e desaparecidas)”, diz a pesquisa.
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