Juiz aposentado fingiu ter nome de lorde inglês e enganou TJSP por 20 anos

Um juiz aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo é acusado pelo Ministério Público de utilizar documentação falsa e cometer crime de falsidade ideológica. Segundo a denúncia, José Eduardo Franco dos Reis fingiu ser Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield por mais de 40 anos.

Juiz aposentado fingiu ser lorde inglês por mais de 40 anos. Na imagem, o Tribunal de Justiça de São Paulo, onde ele atuou.

Juiz aposentado fingiu ser lorde inglês por mais de 40 anos – Foto: Divulgação/ND

Conforme a Promotoria, José Eduardo criou uma identidade falsa com a qual fez o curso de Direito, prestou concurso do Tribunal de Justiça paulista e conseguiu se aposentar no magistério.

Juiz aposentado viveu com dupla identidade por quase 45 anos

O juiz viveu nessa situação por quase 45 anos. Porém, no dia 3 de outubro de 2024, ao solicitar uma segunda via da carteira de identidade, as digitais do suposto Edward Albert coincidiram com as de José Eduardo Franco dos Reis.

Durante o processo de identificação, ele exibiu uma certidão de nascimento falsa, como se tivesse nascido em 11 de março de 1958. A partir disso, a Delegacia de Combate a Crimes de Fraude Documental e Biometria instaurou uma investigação preliminar, que constatou a dupla identidade e criação de uma pessoa fictícia.

Os policiais confirmaram que o suspeito se chama José Eduardo Franco dos Reis e havia tirado seu primeiro RG em Águas da Prata, no interior paulista, em 1973. Ele, na verdade, nasceu em 17 de março de 1958.

Juiz aposentado exibiu certidão de nascimento falsa ao solicitar segunda via de identidade em SP. Na imagem, uma carteira de identidade.

Juiz aposentado exibiu certidão de nascimento falsa ao solicitar segunda via de identidade em SP – Foto: MauricioVieira SECOM-SC/ND

Segundo a denúncia do Ministério Público, José Eduardo dos Reis compareceu a um posto de identificação da Polícia Civil no dia 19 de setembro de 1980 e tirou o documento em nome de Edward Wickfield.

O acusado ainda apresentou um certificado falso de reservista do Exército, um documento que dizia ser servidor do Ministério Público do Trabalho, uma carteira de trabalho e um título de eleitor, todos com o nome falso.

‘Personalidade diversa’

Segundo a denúncia, as bases de documentos não se comunicavam entre si e os papéis não eram armazenados em sistema eletrônico na época dos registros, o que facilitou a falsificação.

“Por razões desconhecidas, José Eduardo Franco dos Reis criou a figura de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield como uma personalidade diversa, porém, sem abandonar a identidade real, permanecendo com documentação dupla”, escreveu o promotor Maurício Salvadori.

Em 1988, o acusado entrou na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Em 1996, Edward Wickfield foi aprovado no concurso para a magistratura paulista e se aposentou como titular da 35.ª Vara Cível de São Paulo, no Fórum João Mendes, em 2018.

Juiz afirmou ser descendente de nobres ingleses

Quando foi aprovado no concurso do Tribunal de Justiça, ele concedeu entrevista para uma reportagem sobre os classificados no exame e contou que nasceu no Brasil, mas era descendente de nobres ingleses. Ele relatou ter morado até os 25 anos na Inglaterra, onde teria estudado Matemática e Física.

O então futuro magistrado afirmou ainda que, ao voltar para São Paulo, decidiu estudar Direito na USP, embora o avô tivesse sido juiz no Reino Unido. Edward garantiu que “o precedente familiar” não o ajudou no concurso. “Conheço pessoas com um passado muito tradicional que não passaram.”

Homem cursou Direito na USP com a identidade falsa. Na imagem, a fachada do prédio do curso de Direito.

Homem cursou Direito na USP com a identidade falsa – Foto: Divulgação/USP/ND

“Por mais de 40 anos enganou quase a totalidade das instituições públicas, traiu jurisdicionados e, sobretudo, manteve a real identidade operante com a qual também se identifica, potencializando os múltiplos falsos”, afirmou o promotor Salvadori.

Em janeiro deste ano, o acusado recebeu dos cofres públicos R$ 155 mil – R$ 37,7 mil de remuneração e mais de R$ 120 mil em vantagens eventuais. O processo que teve como base a denúncia do MP tramita em segredo de Justiça.

O que diz o TJSP

O TJ-SP informou ao Estadão que “o Poder Judiciário não pode se pronunciar a respeito de efeitos de eventual condenação, que ainda não ocorreu”. O tribunal destacou que é vedado aos magistrados se manifestarem a respeito de processos pendentes de julgamento. A defesa do juiz aposentado também foi procurada, mas não enviou posicionamento.

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