Gaudí: arquiteto que pode virar santo foi confundido com mendigo e morreu após ter ajuda negada


Maior nome do modernismo catalão e um dos mais conhecidos da arquitetura de seu tempo, Antoni Gaudí foi atropelado em Barcelona e morreu três dias depois. Seu projeto mais conhecido é a monumental basílica da Sagrada Família. Retrato de Antoni Gaudí de 1878
Pablo Audouard Deglaire/Reprodução
Era início de noite em Barcelona quando um senhor de roupas amarrotadas e velhas atravessou a Gran Via de les Corts Catalanes, apoiado em sua bengala, distraído, e fois surpreendido por um bonde vindo em sua direção. Ele tentou desviar, sem ver que um outro bonde se aproximava, no sentido contrário.
O velho homem foi atingido em cheio e caiu inconsciente em plena avenida. A cena atraiu vários curiosos, mas, pelo seu aspecto, ele foi tido como um mendigo, e a maioria dos transeuntes não se preocupou em ajudá-lo.
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Aquele homem era o arquiteto Antoni Gaudí i Cornet (1852-1926), que o Vaticano proclamou “venerável” na segunda-feira (14), dando um primeiro passo no caminho para a canonização.
Apenas duas pessoas se dispuseram a tentar socorrê-lo, mas nenhum dos quatro táxis que eles conseguiram chamar aceitou levar aquele ferido.
Finalmente, após uma longa espera, um guarda civil se aproximou do local e obrigou um quinto táxi a parar e levá-lo para um médico.
No dispensário da Ronda de San Pedro, que já não existe mais, os médicos constataram diversas fraturas e um sangramento pelo ouvido. Também anotaram no prontuário que ele não levava documentos – apenas o livro dos Evangelhos, um rosário, um lenço e uma chave. Ainda com status de indigente, ele foi transferido ao hospital de Santa Creu.
Só no dia seguinte ele foi reconhecido pelo capelão da Sagrada Família, a monumental basílica de Barcelona cuja construção estava em seus primeiros estágios: tratava-se de ninguém menos que o próprio criador da edificação, uma das mais famosas da cidade e de toda a Espanha.
‘Arquiteto de Deus’
Rua vazia em frente a um dos principais pontos turísticos de Barcelona, a catedral da Sagrada Família
Reuters/Nacho Doce
Gaudí agonizaria ainda por três dias, mas a gravidade dos ferimentos fez com que ele morresse aos 73 anos, em 10 de junho de 1926.
Entre o atropelamento e o óbito, a notícia correu pelas ruas de Barcelona, e o acidentado “anônimo” teve a morte anunciada pelos mais diversos jornais espanhóis. Seu funeral foi acompanhado por uma multidão em um cortejo que terminou no canteiro de obras da Sagrada Família, onde seu corpo foi sepultado em uma cripta.
Católico fervoroso, Gaudí foi apelidado de “arquiteto de Deus”. Com as obras previstas para terminarem em 2032, a Sagrada Família foi consagrada apenas em 2010, pelo papa Bento 16.
Na ocasião, o papa alemão elogiou “o gênio de Antoni Gaudí” que, “inspirado pelo ardor de sua fé cristã, conseguiu transformar esta igreja em um louvor a Deus feito de pedra”.
Ao ser proclamado venerável, a Igreja reconhece as “virtudes heroicas” do arquiteto catalão. O ato precede a beatificação, que requer o reconhecimento de um milagre. Um segundo milagre validado pelo Vaticano é então necessário para obter o status de “santo” com a canonização, geralmente no final de um longo processo que dura vários anos.
Modernismo catalão
Gaudí chegou a Barcelona em 1868 para estudar arquitetura, tornando-se o maior nome do modernismo catalão no fim do século 19. Foi na capital da região autônoma que ele deixou algumas de suas obras mais famosas, como o Parque Güell, a Casa Milà e a Casa Battló. Estas e outras quatro edificações foram tombadas como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
Sua obra mais famosa, no entanto, é a Sagrada Família, à qual ele se dedicou de 1883 até sua morte.
Profundamente religioso, Gaudí tomou seu trabalho como um sacerdócio. Segundo seus biógrafos, ele só parece ter se apaixonado uma vez, mas, sem ser correspondido, permaneceu solteiro até o fim da vida.
À medida que amadurecia, o arquiteto passou a adotar um modo de vida excêntrico, com hábitos simples, vestindo-se com trajes velhos e sem cuidado com sua aparência. Um de seus costumes era fazer longas caminhadas diárias, inclusive no dia de sua morte, quando ele se dirigia à igreja de San Felipe Neri, para se encontrar com seu amigo e confessor, padre Agustí Mas.
O plano de tornar Gaudí um santo teve a pedra fundamental lançada em 1992, com uma associação pró-beatificação. O projeto ganhou impulso com o apoio do cardeal e arcebispo de Barcelona, que enviou em 2023 a argumentação final, conhecida como “positio”, ao Dicastério para a Causa dos Santos, no Vaticano.
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