Falta de acessibilidade em 60% das escolas de Sorocaba cria barreira e desafia estudantes, revela Censo Escolar: ‘Fere a integridade’, diz mãe


Situação afeta mais de 3 mil alunos com deficiência e que estão matriculados em escolas, públicas – estaduais e municipais – e particulares da cidade. Rampa inadequada e íngreme demais é reclamação em escola de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
Mais de 60% das escolas de Sorocaba (SP) não têm instrumentos para a acessibilidade em seus prédios. O problema afeta mais de 3 mil alunos com deficiência e que estão matriculados em escolas, públicas – estaduais e municipais – e particulares da cidade.
As informações estão no Censo Escolar de 2024, divulgado na semana passada pelo Ministério da Educação (MEC), por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp
De acordo com o MEC, o Censo Escolar é realizado anualmente e a declaração é obrigatória para todas as escolas públicas e privadas do país. É o principal instrumento de coleta de informações da educação básica e a mais importante pesquisa estatística educacional brasileira, ainda de acordo com a pasta federal.
O Censo aponta que, das 490 escolas da cidade, 313 não contam com recursos arquitetônicos – como rampas e corrimões -, visuais, táteis ou sonoros para atender aos alunos. O número representa 63,87% das unidades escolares do município. No total, são 3.086 estudantes afetados. Confira no mapa abaixo:

Conforme o Censo, dass 313 escolas de Sorocaba com problemas de acessibilidade:
40% são particulares (125);
42,1% são municipais (132);
17,9% são estaduais (56).
Longe de ser acessível
Mirelle Cristina Oliveira Horochk é mãe de um menino de 11 anos diagnosticado com paralisia cerebral, epilepsia e tem feito exames para saber se está no quadro do espectro autista. Ele estuda na Escola Estadual Antônio Vieira Campos, que fica no bairro Júlio de Mesquita, zona oeste de Sorocaba, mas não vai às aulas desde o dia 27 de março. Justamente pela falta de acessibilidade do local.
A mãe começou a perceber que havia problemas a partir do comportamento do filho, que passou a não querer ir para a escola. Ela soube, então, que ele estava se sentido excluído, sem poder participar do intervalo com outros amiguinhos, permanecendo na sala, com outras crianças com deficiência.
Ela contou que chegou a acionar o Conselho Tutelar no caso e até mesmo a Justiça para garantir os direitos do filho.
“Quando eu questionei de novo, a diretora da escola mandou uma mensagem sugerindo que eu mudasse ele de escola e falou assim: ‘a partir de agora não vai ser mais autorizada a entrada pelo portão’, que era por onde a gente entrava, que tinha o acesso melhor. Ou seja, o benefício que tinha conseguido via Conselho Tutelar foi retirado. Então, por isso ele não está indo na escola desde o dia 27.”
Pessoas com deficiência enfrentam falta de inclusão no mercado de trabalho
Ele reclama ainda da falta de preocupação da unidade com o filho. “Até agora eu não recebi uma ligação pra questionar porque que ele não tá indo. Então, assim, é uma coisa que machuca muito, que fere a integridade, a honra da gente, de uma certa forma, porque é ridículo”, desabafa. “O que eles chamam de acessibilidade na escola, não é acessível nem de longe.”
Acessibilidade em desacordo
O g1 também conversou com o diretor de uma escola municipal, que prefere não se identificar. Ele conta que, na unidade onde trabalha, são pelo menos dois alunos com algum tipo de deficiência por sala, e ao menos cinco em toda a escola com mobilidade reduzida.
Ele lembra ainda que os projetos da maior parte das escolas de Sorocaba são dos anos 1990, e que algumas unidades passaram por adequações, mas que as intervenções não foram feitas de forma adequada, mantendo os problemas. Outras adequações também foram prometidas pela prefeitura, mas ainda não foram efetivadas, conforme ele.
“É difícil assim, a acessibilidade não é perfeita. Existe a movimentação das crianças que têm alguma restrição de movimento e usam cadeira de roda? Existe, mas assim, não tá de acordo com as Normas Reguladoras (NRs), com relação à construção das rampas. Então, é complicado. Se for pensar estritamente o termo, não [tem acessibilidade], precisaria da reforma das rampas e tudo mais.”
Direito garantido
A advogada Sandra Regina Florio, presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB Sorocaba, lembra que a inclusão escolar é um direito garantido por lei e deve ser assegurada a todas as crianças e adolescentes, independentemente de suas condições físicas, sensoriais ou cognitivas.
“Essas barreiras violam o direito à educação, assegurado pela legislação, e reforçam a exclusão social, pois é dever do poder público garantir que os espaços educacionais estejam preparados para acolher todos os alunos com dignidade e segurança, favorecendo sua independência e autonomia.”
Ela lembra que, nos casos em que há violação dos direitos, os familiares devem documentar as inadequações, procurar a direção da escola solicitando uma adequação e um plano de ação para que tais barreiras possam ser eliminadas.
“Se não houver providências, pode ser feita uma solicitação escrita à Secretaria da Educação, Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência ou à Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB, com base na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). O Ministério Público também pode ser acionado, pois tem a função de garantir os direitos das pessoas com deficiência.”
Segundo ela, a escola deve ser um espaço que ofereça igualdade de oportunidades e respeite e valorize as diferenças, propiciando um ambiente favorecedor de aprendizagem e interação. “É importante também ressaltar que a conscientização é fundamental, para que a sociedade possa se engajar na luta pelos direitos de todos.”
Advogada Sandra Regina Florio fala sobre falta de acessibilidade nas escolas de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
Parte pedagógica
Os problemas vão além da questão estrutural. A parte pedagógica também é alvo de queixas dos pais de crianças especiais de Sorocaba. Izabel Villa está com problemas de adaptação curricular com relação ao seu filho, que tem seis anos. De acordo com ela, o problema maior está relacionado à atividade dos professores eventuais.
“Essa rotatividade de profissionais que não dão continuidade ao processo de educação das crianças. As crianças ficam sem saber o que seguir porque um professor trabalha de um jeito, depois de 15 dias vem outro. Você já imaginou a confusão que isso é na cabeça de uma criança, de um estudante? Agora, você imagina isso na cabeça de um estudante com deficiência, que já tem limitações”, comenta.
Criança em escada em escola de Sorocaba (SP) que não tem rampa
Arquivo Pessoal
O que dizem prefeitura e estado
A Secretaria da Educação (Sedu) de Sorocaba informou que foram elaborados projetos para adaptação de acessibilidade em 62 prédios da rede municipal.
“Conforme o planejamento da Secretaria, a execução dos serviços será dividido em cinco lotes. Sendo que a empresa vencedora do lote 01, que abrange 13 unidades escolares, já iniciou os serviços de reforma para as adequações de acessibilidade e o prazo previsto para conclusão é de 12 meses.”
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo afirmou que, desde o início da gestão, o Governo de São Paulo realizou obras de acessibilidade em 132 unidades de ensino em todo o estado, um investimento de R$ 330 milhões. “Na região de Sorocaba já foram investidos R$ 6,3 milhões em obras de acessibilidade.”
O Conselho Municipal de Educação de Sorocaba, em nota da presidente Parê Gutierrez, afirmou que os conselheiros acompanham as publicações do Ministério da Educação e as análises recém divulgadas serão objetos de estudos e análises do colegiado nas reuniões de plenário.
“O colegiado não se debruçou sobre os relatórios recém apresentados. No entanto, sabemos que garantir a acessibilidades no espaço escolar é aspecto fundamental para o acesso, a permanência e o sucesso das aprendizagens de todos os estudantes, da educação básica ao ensino superior”, comenta Parê.
O Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência não se manifestou sobre a questão.
Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí
VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM

Bookmark the permalink.