Entenda como funcionava o esquema de fraude no INSS

Para impedir a continuidade da fraude enquanto a investigação da PF está em curso, foram suspensos os acordos entre as entidades associativas investigadas e o INSSRafa Neddermeyer / Agência Brasil

A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) revelaram a cobrança, supostamente indevida, de R$ 6,3 bilhões de aposentados e pensionistas entre 2019 e 2024.

As investigações apontaram a existência de descontos de mensalidades associativas, realizados diretamente na folha de pagamento de benefícios previdenciários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sem autorização prévia dos beneficiários. 

“Essa operação visa proteger os aposentados que estavam tendo descontos ilegais em suas aposentadorias e pensões, por intermédio de entidades que se intitulavam protetoras dessas pessoas e que congregavam os aposentados”, disse o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, em coletiva de imprensa realizada em Brasília

A investigação que resultou na Operação Sem Desconto começou em junho de 2024, quando foi instaurado o inquérito policial para apurar indícios de fraude na previdência social denunciados pela imprensa e pela CGU.

O ponto de partida para o trabalho da Polícia Federal foram as apurações feitas pela Controladoria-Geral em 2023, que analisou o aumento do número de entidades associativas ligadas ao INSS e dos valores descontados dos aposentados. 

Nesse processo conduzido pela CGU, foram realizadas auditorias em 29 entidades que tinham Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS e entrevistas com cerca de 1.300 aposentados que tinham descontos na folha de pagamento. A partir disso, foi possível identificar que as entidades não tinham estrutura operacional para prestar os serviços que ofereciam aos beneficiários e que, dos entrevistados, a maioria não havia autorizado os descontos.

O relatório elaborado pela CGU apontou que 98% dos descontos associativos foram realizados sem autorização dos beneficiários. Dos 1.273 aposentados entrevistados, 1.242 afirmaram nunca ter autorizado a cobrança e 1.221 disseram que sequer faziam parte de associações ou sindicatos. A Controladoria também identificou que 70% das 29 entidades analisadas não tinham entregue a documentação completa ao INSS, necessária para oficializar o acordo de cooperação técnica.

“A CGU iniciou a investigação em âmbito administrativo e se deparou com um duto que aparentava a existência de uma operação criminosa, perpetrada por uma organização mais ampla. Foi quando a Polícia Federal foi acionada, no início desse ano, para abertura de um inquérito e então seguiu a tramitação normal, com a intervenção judicial autorizando distintas diligências”, esclareceu Lewandowski. 

Como funciona o desconto

Para realizar os descontos nas folhas de pagamento dos beneficiários, as entidades de classe, como associações e sindicatos, formalizam Acordos de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS. Esses acordos permitem que essas organizações realizem a cobrança de mensalidades associativas.  

Entretanto, para que o desconto seja realizado, a entidade precisa da autorização expressa e individual de cada beneficiário. Na investigação, foram identificadas, porém, a ausência de verificação rigorosa dessa autorização e a possibilidade de falsificação de documentos de filiação e autorização.

“Nós apuramos que muitas das pessoas beneficiadas não autorizaram os descontos, que eram em grande maioria fraudados com falsificação de assinaturas e outros artifícios usados para simular a manifestação de vontade destas pessoas”, detalhou o ministro da Controladoria-Geral da União, Vinicius Carvalho.

De acordo com Carvalho, os descontos associativos são feitos no extrato do INSS de mais de seis milhões de pessoas. Muitos desses beneficiários sequer sabem que estão sendo cobrados valores em suas aposentadorias e pensões e muitos deles descobriram sobre a fraude no momento em que a CGU fez entrevistas com quase 1300 aposentados e pensionistas, no âmbito da investigação administrativa. 

“Infelizmente o INSS não deu conta de fazer a fiscalização adequada dessas autorizações, em função, também, do aumento do número desses descontos. Isso gerou essa bola de neve que estamos enfrentando agora”, acrescentou.

Entre 2019 e 2024, o montante dos descontos mais que quadruplicaram, saltando de R$ 604 milhões para R$ 2,8 bilhões. Segundo a CGU, em 2016 foram realizadas cobranças que somaram R$ 403 milhões, esse valor passou para R$ 460 milhões em 2017 e, em 2018, teve um salto de mais de R$ 157 milhões, passando para R$ 617 milhões. 

Em 2019, o valor baixou para R$ 604 milhões e teve dois anos de queda, com R$ 510 milhões descontados em 2020 e R$ 536 milhões em 2021. Já em 2022 o montante voltou a crescer e somou R$ 706 milhões. A partir disso, houve um aumento expressivo dos descontos, com R$ 1,29 bilhão em 2023 e R$ 2,8 bilhões em 2024. 

Esses valores são referentes aos descontados das seis milhões de pessoas que possuem essa cobrança prevista no extrato do INSS. O ministro da CGU ressaltou que nem todos esses descontos são indevidos, já que alguns beneficiários realmente fazem o pagamento da mensalidade associativa. Mas, seguindo a tendência do relatório da Controladoria, a maior parte desses bilhões de reais foi arrecadado de forma indevida.  

Para impedir a continuidade dessas ações enquanto a investigação da PF está em curso, foram suspensos os acordos entre as entidades associativas investigadas e o INSS. Consequentemente, os descontos feitos por essas organizações também foram interrompidos. 

De toda forma, os aposentados e pensionistas do INSS que identificarem desconto indevido de mensalidade associativa no contracheque podem pedir a exclusão do débito de forma automática pelo aplicativo ou site “Meu INSS”.

Entidades investigadas

Ao todo, 11 entidades associativas foram alvo de medidas judiciais em decorrência da investigação da PF.

Entre elas, estão:

  • Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (AMBEC) Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idoso (SINDNAPI/FS) Associação dos Aposentados e Pensionistas Brasileiros (AAPB)
  • Associação Dos Aposentados E Pensionistas Nacional (AAPEN)
  • Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
  • Associação Universo (AAPPS UNIVERSO)
  • União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (UNASPUB)
  • Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (CONAFER)
  • Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas (APDAP PREV)
  • Amar Brasil (ABCB)
  • Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas do INSS (CAAP)

Todas essas passaram a ter acordos com o INSS a partir de 2014, com exceção da Contag, que firmou a parceria em 1994. A única entidade a se pronunciar sobre a operação foi o Sindnapi, que, por meio do site oficial, disse apoiar as investigações. “Quando surgem denúncias de descontos irregulares nos benefícios, é essencial que essas alegações sejam levadas a sério e investigadas de forma rigorosa. Essas denúncias podem afetar diretamente a vida de muitas pessoas que dependem desses recursos para garantir seu sustento e bem-estar”, afirmou. 

“O Sindnapi apoia a investigação das denúncias de irregularidades nos descontos em benefícios dos aposentados. Faz parte do DNA do sindicato a defesa dos beneficiários do INSS e a luta contra golpes dos mais diversos que afetam os ganhos dessa população”, alegou a entidade. As outras ainda não se manifestaram. 

Presidente do INSS é afastado

O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi afastado do cargo, nesta quarta-feira (23/4), após a PF deflagrar a operação. De acordo com o ministro Lewandowski, os elementos para essa medida são robustos. 

O afastamento foi solicitado pela PF em meio às investigações da Operação Sem Desconto. De acordo com o diretor da corporação, Andrei Rodrigues, o pedido para afastar Stefanutto foi em decorrência dos elementos colhidos desde que o inquérito da investigação foi instaurado, em junho de 2024, e, com isso, foi possível observar uma omissão por parte do presidente do INSS diante dos indícios de fraude. 

“Houve notícias na imprensa já no final de 2023, houve análise do TCU [Tribunal de Contas da União] sobre esse episódio, houver várias ações da CGU sobre isso, reportando as sucessivas fraudes, e o que se percebeu foi, na verdade, a continuidade das cobranças indevidas sem que houvesse ações mais efetivas [por parte do INSS] no sentido contrário”, esclareceu o diretor da PF, em coletiva de imprensa realizada no início desta tarde, em Brasília. 

Além de Stefanutto, outros cinco servidores públicos foram afastados de seus cargos. “A prova [para o afastamento], por enquanto indiciária, é robusta porque passou pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e passou pelo crivo de um juiz”, completou Lewandowski. 

Operação Sem Desconto 

A operação mobilizou cerca de 700 policiais federais e 80 servidores da CGU, que cumpriram 211 mandados de busca e apreensão, ordens de sequestro de bens, no valor de mais de R$ 1 bilhão, e seis mandados de prisão temporária. 

Esses mandados foram cumpridos no Distrito Federal, em Alagoas, Amazonas, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. 

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